Que o presidente moçambicano, Armando Guebuza, tenha vindo a terreiro, recentemente, dizer que o “Estado da Nação é bom”, não me surpreendeu. Também, uns dias antes, perante a cólera que se abate sobre o Zimbabwe, não me surpreendeu que o seu homólogo vizinho, tivesse dito que tudo está bem, que a cólera é uma doença fabricada pelo Ocidente (para ele o ocidente é uma encarnação do diabo que o persegue desde que virou um tirano).
Alguns ficaram surpreendidos com afirmações grotescas daqueles “nacionalistas”. Habituado que estou a “declarações não sérias” ficaria surpreso caso fosse proferido um novo tipo de discurso pelos homens desta elite libertadora da África. Não que seja indiferente ao que nos vem a acostumar, mas pelo modelo comediante… Os balanços dos governos dos países africanos são sempre positivos, e os resultados vão sempre de 90 a 100 porcento, as eleições por si sempre ganhas são genuinamente limpas. Está sempre tudo bom. O contrário seria anormal… Sempre juízes em causa própria.
África é uma ampla sala de teatro, onde há encenação trágico-cómica e se cruzam diferentes tipos de protagonistas. Nos antípodas das balbúrdias que se vão proferindo por esta sala lotada de espectadores estranhos e com figurinos (cidadãos nativos) tratados como indigentes, já em 1999 um primeiro-ministro moçambicano, Pascoal Mocumbi, afirmara que Moçambique é propriedade da Frelimo. Mugabe disse agora praticamente o mesmo: que detém direitos de propriedade sobre o Zimbabwe (leia-se que o presidente está acima da constituição), na Guiné-Conacrky o derrubado Conté se afirmou Deus à rádio estatal, e fico-me por aqui. São tantos os casos...
É caricato como os representantes de milhões do povo suplantaram-se, destituindo a soberania que hipocritamente evocam, em nome do nacionalismo, dos seus povos. E lá na plateia e tribuna, os seus encenadores do FMI e Banco Mundial, estão impotentes. Em Angola a MPLA cuida da sua aparência, no Quénia, onde há um governo de unidade nacional (leia-se conveniência para delapidação de riqueza) consequência de um quase “golpe do estado”, o sadismo não é diferente.
Nos bastidores da sala de teatro, a União Africana é quem move os actores internos, os facínoras dos povos, organiza trépidos papéis, a farsa, toda uma cumplicidade audaciosa. A União Africana move-se com o mesmo cinismo dos seus tribunos. Perante a insensatez e indiferença ante a crise do “país das pedras”, a União Africana é a mostra, de que a África precisa de reformas profundas da base ao topo. Uma União Africana que é o sustentáculo de uma elite de déspotas, é o principal responsável das crises, da miséria, pobreza absoluta, subjacente a esta parcela do mundo.
É impressionante como neste século XXI os actores aprenderam a cartilha dos encenadores: a “revolução verde”; os “objectivos globais do milénio”; a “democracia”; “boa governação”, e como simulam crença em tudo isso cada um no seu palco de actuação.
A África alberga os maiores déspotas de que há memória, sendo por isso o motivo do êxodo de muitos dos seus habitantes. É o que se justifica quando num ciclo-vicioso os refugiados multiplicam-se, em vagas que atingem países ocidentais, muitos deles, anteriormente, seus colonos. A razão da procura de refúgio em terras de seus antigos opressores revela bem o que hoje, aqui internamente, se vive: um teatro atroz, desumano e desesperante. No dia em que os Africanos tivessem uma ponta de escape para refúgio, acredito que cá só restariam os déspotas, os seus acólitos e os bajuladores. Mas como tal é uma utopia, por muito mais tempo, já que aqueles actuam a soldo dos seus financiadores, o espectro do novo jugo colonial tenderá a matar esperanças de um continente em que seja passível viver-se com Justiça, Transparência e termos profundas mudanças.
É impressionante como neste século XXI os tribunos de mãos totalmente revestidas de sangue gozam de imunidade. O aparato de protecção dos próprios estados que assim se revelam destituídos do seu papel superior, ainda mais perturba. E ainda incomoda mais ver que ninguém acorda.
Como espectador desta ampla sala de teatro, tenho estado a reparar que ao longo dos tempos os tribunos criaram slogans sob o lema “mudanças” mas em vez daquilo que propagam, interiormente eles vivem bem longe disso, alheios a qualquer esforço de transformação de si próprios, numa boa, a usufruírem das esperanças dos iludidos que se mantém eternamente vãs. Até que um dia acordam!!!... Estaremos longe? Hossana!…
A maior riqueza da elite política africana é o da predicação de “mudanças” que eles não experimentarão nunca. E assim, sonegado o que tanto evocam, vamo-nos deparando com a forma como eles sofisticam os métodos da devastação do tesouro público (citamos alguns escassos exemplos de Moçambique, Angola, Guiné-Conacry, Congo) de emersas nações, onde os discípulos dos antigos colonos são relativamente ricos, mais até dos que os seus mestres.
Mais do que limitar-me à lamúria, o que acontece neste palco de teatro é que as oposições estão corrompidas com os dinheiros dos partidos dominantes, muitos dos quais há mais de 40 anos penhoraram para si próprios as benesses da independência.
Acontece que das diferentes guerrilhas que depois das independências emergiram em África, emergiram precisamente partidos cuja génese surge como contrapeso das elites “nacionalistas”, para se oporem aos excessos dos libertadores que se passaram a julgar omnipotentes, donos e senhores de bens e pessoas.
Todos, uns e outros, os primeiros libertadores e os segundos, estes últimos os libertadores dos novos opressores, entretanto, converteram-se numa espécie de grande família e fazem hoje o simulacro de servidores do interesse público. E, como nos dias decorrentes pouco conta o jogo ideológico, chega até a haver conexões de que os eleitorados só muito lentamente se apercebem até que depois se torna relativamente tarde para parar com os compadrios – até que um dia acordam!...
No caso actual nada desmente que os inimigos de ontem não estejam a comer no mesmo prato (vide os governos de unidade nacional, chantagens emocionais de Dhlakama, no caso nacional), tudo afinal a atestar o falhanço das oposições africanas. Nos factores de peso e contrapeso há circulação de muito dinheiro. Sente-se. E a isso só um eleitorado decidido pode com o seu voto ajudar a por termo.
Em Moçambique, quando se supunha que a flagelação da Renamo tinha que ver com a robustez da hegemonia frelimista a “mudança” parecia um assunto improvável. A Renamo no entanto foi apanhada na contra-mão e hoje já não engana ninguém. Está co-corrompida pelos interesses económicos e também pelos pessoais da sua liderança e dos aduladores deste.
O nosso caso é apenas a mostra do que se está a passar com a MDC, do Zimbabwe, que ao aderir ao Governo de unidade nacional se prepara para ser engolido pela ZANU-FP. O tempo o dirá. Já com Joshua Nkomo se passou o que hoje se está a pretender fazer com a liderança da Renamo e esta, cansada, a render-se, a acomodar-se e a vender-nos a todos os que queremos um país a sério.
Com o emergir de Daviz Simango, como candidato independente na Beira, consegue-se revigorar a esperança em que radica uma renovada crença. A ansiedade, de muitos cidadãos, vulgo pés descalços, e de intelectuais, abre caminho a uma oposição renovada, numa primeira análise, mas com perspectiva de vir a servir de tábua de salvação aos que já haviam perdido a esperança mas têm no voto a arma secreta para mudar Moçambique e recolocá-lo do trilho das suas mais amplas aspirações, que já foram em tempos dos que hoje se apresentam bem servidos…
Diz-se que uma terceira força poderá ser alternativa aos dois partidos políticos armados, e não uma Renamo renovada. Seria o primeiro movimento novo com alguma história já de sucesso. Se os desiludidos voltarem a acreditar o país prepara-se para entrar no terceiro ciclo político. Pode acontecer. Aos eleitores, em ano decisivo, de eleições gerais e provinciais, cabe acreditar que é possível a mudança. Uma mudança efectiva. Não a “mudança” dos que dizem que fazem e nada fazem; não a dos prometem e só enganam. Ver-se-á se os eleitores vão aperceber-se de que “é possível” e que a eles, só a eles cabem as grandes decisões que podem meter na ordem aqueles que fogem a ser seus servidores e passam a ameaçar os cidadãos como se nossos donos fossem.
(Adelino Timóteo) - CANAL DE MOÇAMBIQUE - 21.01.2009