
Pelo Acórdão número 151/2008, de 30 de Dezembro último, o Tribunal Administrativo, através da sua Primeira Secção, rejeitou o recurso interposto pelo presidente da UNAMO sobre a alegada reversão de seus bens a favor do Estado, por presunção de abandono, num acto que teve lugar em Milange, província da Zambézia, em 1984. A rejeição tem como fundamento manifesta falta de objecto do recurso.
Consta do Acórdão do Tribunal Administrativo que Carlos Alexandre Reis é comerciante, industrial e criador de gado no distrito de Milange, onde reside, mas no princípio da década de 80 refugiou-se, primeiro no Malawi e, posteriormente, em Portugal, onde viveu durante cerca de uma década, na sequência das perseguições que lhe eram movidas pelo Governo, tendo estado “à margem de um fuzilamento”.
Alega Carlos Reis no recurso que o Estado, através da Administração do Distrito de Milange, apropriou-se de seus bens (Estalagem Santo António e gado), em conformidade com o Edital publicado no Boletim da República número-19, de 9 de Maio de 1984, III Série. A referida Estalagem encontrava-se em pleno funcionamento e o gado tinha pastores, os quais recebiam os seus salários, ainda de acordo com o recorrente.
Refere que a gestão dos bens arrolados no edital era exercida, de forma pública, pela sua filha e bastante procuradora de nome Carolina da Piedade Alexandre dos Reis, que na altura não foi notificada pela Administração do Distrito de Milange sobre o acto.
Compulsando sobre o recurso, o Tribunal Administrativo considera que o Edital, como tal, não constitui prova do acto recorrido, ou seja, do acto através do qual os bens do recorrente foram, alegadamente, declarados revertidos a favor do Estado, por presunção de abandono dos memos pelo seu proprietário.
Baseando-se no Decreto-Lei número 16/75, de 13 de Fevereiro, o Tribunal Administrativo cita dois momentos do processo que pode conduzir à reversão dos bens. O primeiro consiste na publicação de éditos, por presunção de abandono pelo seu proprietário, para que este, dentro do prazo que lhe for fixado, afaste a ocorrência da situação presumida pelo Estado e, o segundo momento, ocorre quando a entidade competente, uma vez não afastada a presunção de abandono dos bens, emite despacho no qual se declara a sua reversão a favor do Estado, constituindo, assim, o verdadeiro e único acto com a virtualidade de ser objecto de eventual recurso.
Segundo o Acórdão, Carlos Reis não trouxe aos autos qualquer prova material da ocorrência do segundo momento, isto é, do despacho em que a Administração tivesse ordenado ou declarado a reversão a favor do Estado dos bens reclamados, o que constituiria o acto recorrido. O Edital trata-se duma formalidade processual necessária e imprescindível, que prece o acto que declara os bens revertidos a favor do Estado.
Considera o Tribunal Administrativo que a falta do documento comprovativo do despacho que terá declarado os bens revertidos a favor do Estado equivale, assim, à falta de indicação do acto recorrido e, por consequência, a ausência do próprio objecto do recurso.
Reagindo ao Acórdão, Carlos Reis disse que vai recorrer do caso às instâncias internacionais de justiça. “Vou recorrer às instâncias internacionais de justiça. Conheço os mecanismos. Aqui não há justiça. Por que razão não pagam os meus bens? Não querem pagar os meus bens, selaram tudo através do Tribunal Administrativo, composto por juízes fantoches da Frelimo. Porque não dão a César o que é de César? O Acórdão não tem sentido. Isso é gatunisse da Frelimo”, disse.
O presidente da UNAMO considera-se perseguido, mas afirma que não tem medo de morrer. Reis contou-nos que para além da Estalagem tinha também acima de 120 cabeças de gado, que foram apropriadas pelo Estado.
Contou-nos ainda que já esteve preso pela PIDE em Quelimane em 1965-67, alegadamente porque recrutava nacionalistas para a Frelimo na Tanzania.
“Eu fui da Frelimo. Lutei pela independência de Moçambique. Fui preso por isso. Refugiei-me ao Malawi por causa da PIDE, donde regressei em 1974, com o fim da guerra. Depois da independência, não concordei com a política da Frelimo e fui considerado rebelde. Quem podia, nos anos 80, reclamar uma medida tomada pela Frelimo? Tudo era ditadura. Refugiei-me a Portugal. Em 1990, pediram-me para voltar ao país e queriam me convencer a ser membro da Frelimo, mas eu recusei. Eu considero isso uma perseguição, mas enquanto estiver vivo, não paro por aqui”, disse.