Por Carlos Serra
Mais uma vez fracassou uma nova ronda negocial para a partilha do poder no Zimbabwe, para a formação do chamado governo inclusivo.
Este fracasso é, por um lado, o fracasso da SADC em sua sistemática política de diplomacia silenciosa: nem Guebuza nem Kgalema Motlanthe conseguiram qualquer êxito. Na verdade, nada mudou em termos da concepção de Thabo Mbeki.
É, por outro lado, um volte-face nas posições dos dois lados fundamentais do processo - ZANU-PF e MDC-T, pois a facção de Mutambara é, apenas, uma aliada confessa da ZANU-PF -, pois ao aceitarem nova ronda negocial para a próxima semana puseram de lado as intenções publicamente anunciadas de não mais negociarem, especialmente do lado da ZANU-PF.
Ambos os lados têm força e fraqueza.
Ninguém cede o poder quando é forte. A ZANU-PF é policial e militarmente forte - esteio dos seus múltiplos interesses enquanto élite no poder -, tem o passado da luta de libertação nacional (daí o apoio da União Africana), um bem-montado serviço de contra-propaganda que explora bem o papel de vítima africana da hipocrisia do imperialismo anglo-americano e tem, finalmente, consciência de que perderá força se abdicar do controlo total dos ministérios-chave do país, designadamente das Forças Armadas, do Interior, da Justiça e das Finanças. Mas a ZANU-PF está confrontada com o caos do país e com uma crescente onda de protestos nacionais, regionais e internacionais, especialmente por parte das Igrejas, protestos que vão, mesmo, até à exigência de julgamentos por genocídio. Aqui a sua fraqueza. A ZANU-PF e Mugabe sabem, no fundo, que jamais, agora, poderão caminhar sós: primeiro, porque já não basta invocar a luta de libertação nacional e o Ocidente vilão para justificar o caos do país; segundo, porque um governo inclusivo é um bom tira-nódoas político para certos tipos de crimes graves. Se o MDC-T e Tsvangirai o aceitam, aceitam também calar-se.
Por sua vez, o MDC-T também tem a sua força: o caos generalizado do país, o voto popular e o apoio de muitos sectores nacionais, regionais e internacionais. Mas o MDC-T não tem exército, não tem polícia, está constantemente à mercê do seu inimigo, muitos dos seus membros são sistematicamente ameaçados e presos. Esta a sua fraqueza básica. Por isso não aceita ser parte de um governo - um governo que seria não inclusivo, mas exclusivo da ZANU-PF - no qual seria simplesmente manietada e figura secundária de ministérios não-estratégicos. E porque manietada e figura secundária, pagaria severamente em próximas eleições o ónus do panoptismo zanuísta, acusada de gerir mal o país. Mas, também, jamais o MDC-T e Tsvangirai poderão ter a veleidade de pensar que podem apagar a história e inscrever num quadro branco, absoluta, a sua, unicamente a sua. Há casos em que o hermafrodismo político não resulta.
Este é um clássico e doloroso jogo político entre os estabelecidos e os-a-quererem estabelecer-se: os primeiros sempre verão os segundos como intrusivos, desordeiros, perigosos e estrangeiros. E nesse jogo também não podemos esquecer o papel intrusivo, muitas vezes hipócrita, que é jogado pelo imperialismo, venha ele da Europa, dos Estados Unidos, da Rússia ou da China, quando em jogo estão os seus interesses e a sua luta por recursos estratégicos.
Vamos agora ver de que maneira a SADC pode sair fora das fronteiras moles da diplomacia silenciosa e tomar, finalmente, partido firme, singrar caminho independente dos laços históricos que unem antigos camaradas de lutras armadas, num tabuleiro político complexo que é, faz anos, totalmente regional. Na verdade, o Zimbabwe deixou há muito de pertencer ao Zimbabwe apenas: também é nosso. E nós como outros, já pagámos facturas grandes recebendo os refugiados (com riscos, a não desprezar, de faíscas xenófobas internas), esperando que as dívidas a vários níveis nos sejam pagas, vendo que uma parte dos nossos sectores de serviços e turismo está ser duramente afectada pelo caos social do vizinho.
SAVANA - 23.01.2009