Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
Um dos sectores mais antropofágicos da comunicação social moçambicana é a televisão estatal. E se não foram alterados os paradigmas que estão na base da sua concepção, o fenómeno promete continuar. Com maior ou menor celeridade vão continuar a rolar cabeças, mesmo que se diga para a fotografia que os mandatos são para se cumprir.
À partida, um dos problemas de fundo, é que a televisão paga pelos contribuintes vive numa mentira permanente. Ou, se se preferir um termo mais brando, vive na ilusão de ser o que não é.
A televisão é contratualmente um serviço público, mas a exigência que dela se faz, equipara-a a mais um canal, sem grandes diferenças dos canais privados que, feliz e ironicamente vão servindo o público.
Não duvido que os profissionais que trabalham no canal saibam o que é um serviço público. Contudo, outras esferas do sector público, não têm a mesma concepção de “canal público” confundindo-o com um canal governamental… apesar da lei de imprensa.
E enquanto permanecer este equívoco haverá sempre novas bandejas para servir cabeças de PCA. Gestores que à partida não têm que responder a critérios de qualidade e mérito mas à fidelidades de partido e hierarquia.
O outro drama são as dotações orçamentais para o canal de Estado. Não é possível atribuírem-se os fundos pródigos (para a dimensão das dotações ao sector público) e ao mesmo tempo encorajarem-se os gestores a angariarem fundos decorrentes de actividades comerciais e privadas em concorrência directa com o sector privado.
Este é um esquema perverso. Por um lado, disputa-se aos privados um “mercadinho” publicitário em regime desigual, bonificado e com um grande potencial de “dumping”.
Como os privados também já dominam as “regras do jogo” – uma parte dos seus operacionais veio do canal estatal – têm mais jogo de cintura que os funcionários do Estado e permitem-se a esquemas muito mais flexíveis e difíceis de acomodar numa instituição do Estado.
Estabelecidos assim os parâmetros, os programas de informação e comentário ficam limitados à disponibilidade política do governo do dia, habitualmente de apetites controlados por banda gástrica. Maior ou menor abertura em função da conjuntura. Uma receita terrível para qualidade precária, credibilidade junto do público e o punhal do jogo das audiências, mesmo que as pesquisas possam enfermar de duvidosa fiabilidade.
A restante programação fica refém de patrocinadores, é nivelada por baixo e ao sabor de modismo de gosto duvidoso.
Eventualmente pode ser uma frase assassina, mas um serviço público de televisão, tal como um serviço público de telefonia não tem que ter as audiências como barómetro.
Nesta encruzilhada e na actual conjuntura, a própria “entourage” política que é suposta de apoiar um sector público de televisão vai-se baldeando com armas e bagagens para o sector privado. Como acontece em muitos outros sectores e com notórias cumplicidades. Este sinal e sintoma funciona como um perigoso vírus no sector público e infecta perigosamente tropas e generais.
Sem que este “melting pot” mal cheiroso seja alterado, o público continuará sem o serviço público a que deveria ter direito ao mesmo tempo que se deve questionar sobre as verbas que vão parar ao orçamento dos órgãos de informação do Estado.
Quando se substituem PCA são mero folclore as preocupações sobre carros comprados a valor residual, abusos em senhas de gasolina ou despesas de representação em hotéis de luxo.
O boi que é preciso pegar pelos chifres tem a ver com definições, políticas e demarcações claras. Sem isso, de tempos a tempos vão continuar a tocarem-se copos no botequim da Av. 24 de Julho, celebrando ou verberando cada nova nomeação.
Conforme o gosto dos convivas.
SAVANA - 20.03.2009