Weng San fala ao ataque
Por Raul Senda e Emídio Beúla
“Um magistrado sério quando está em presença de um cadastrado com um monte de crimes, manda fazer mais deligências e recolher mais provas criminais ao invez de o soltar”. Foi com estas palavras que o comandante da polícia (PRM) da cidade de Maputo manifestou o desconforto que reina na corporação face a algumas decisões dos órgãos de administração da justiça. Na entrevista que concedeu em exclusivo ao SAVANA, José Weng San, também conhecido como o “general kung fu” ou o “general sem sono” (pois acompanha as patrulhas nocturnas,) não só lamentou aquilo a que chamou de falta de seriedade de alguns magistrados judiciais no combate ao crime como também reconheceu a existência de “traidores” no seio da corporação embora reivindique ganhos no combate ao crime na capital moçambicana.
Com longa experiência na Polícia, Weng San foi conduzido das Forças Especiais de Reserva onde comandava a “temida” Força de Intervenção Rápida (FIR) para o Comando da Cidade de Maputo em Dezembro de 2008. Foi num período em que a criminalidade estava em alta, em parte devido à cumplicidade entre alguns agentes e criminosos e aos conflitos de interesses no seio da corporação que se exteriorizavam em forma de violência criminal. “Encontrei uma confusão total”, recorda, negando, porém, que a sua nomeação tenha uma relação de causa e efeito com a instabilidade e insegurança públicas que caracterizam Maputo. Polidamente cauteloso, o Comandante da PRM da cidade de Maputo enquadra a sua nomeação naquilo que chamou de rotina normal de movimentação de quadros no Ministério de Interior.
Reconheceu a existência de traidores no seio da Polícia, garantindo, porém, que estão a ser combatidos. “Com a captura de Samito foram presos alguns agentes que estavam envolvidos na máfia. Mensalmente quatro a cinco polícias são sancionados disciplinarmente devido a má conduta”, exemplificou.
Ganhos
Durante a entrevista, a fonte arrolou uma série de crimes marcantes na altura da sua nomeação, como sejam assaltos à mão armada a cidadãos ou instituições, assassinatos de civis e polícias e evasão de cadastrados das cadeias, para depois concluir que chegou ao Comando numa altura bastante “complicada”. Mas, congratula-se, “conseguimos controlar a situação”.
“O segredo do sucesso operativo está na união, perseverança, coragem e colaboração”, disse, negando assim o recurso a métodos draconianos para disciplinar os seus agentes, tal como opinam algumas correntes. “Não sou anti-social, sou exigente e quando há necessidade de impor a ordem uso o meu poder como comandante e general”, disse sem vacilar.
Patrulhas
Weng San deve ser um dos poucos senão mesmo o único general e/ou comandante que perde noites a fazer patrulha. Explica que é uma táctica para encorajar e motivar os seus agentes que estão no terreno, embora reconheça que um general “está para descansar e pensar”.
“Na madrugada de hoje (segunda-feira) estive em missão de revista das patrulhas e notei uma acalmia total no Chamanculo, Mafalala, Maxaquene, Polana Caniço e Xipamanine, bairros cuja segurança era muitas vezes posta em causa”, indicou, sublinhando que “eu ajudo participando”.
Das rondas que tem efectuado nos bairros, Weng San lamenta aquilo a que chamou de proliferação de quiosques e casas de venda de bebidas alcoólicas, vulgarmente chamadas barracas, que funcionam até altas horas da noite, havendo outras que abrem 24 horas. Sem querer condenar os proprietários e exploradores, a fonte entende que é uma situação que fertiliza terreno para a criminalidade, na medida em que é naqueles locais onde “os criminosos planeam as suas incursões”.
Outro factor que indicou como estando a concorrer para o aumento da criminaldade é o facto de a cidade de Maputo estar próxima da África do Sul e Suazilândia, países cuja ordem e segurança públicas não é, aos seus olhos, nada simpático. “Aqui o crime manifesta-se sob diversas formas, nomeadamente do crime de massas ao organizado. Mas se fizermos uma comparação com a situação que se vive nas cidades sul-africanas podemos dizer que temos sossego”.
O comandante nega que tenha privilegiado a FIR no combate ao crime nas primeiras semanas das suas funções, tal como deixam explícito alguns comentários de certos agentes da Polícia de Protecção. “Nós mobilizamos todas as especialidades da Polícia, armamos os agentes com AKM e não com pistolas porque os criminosos andam com AKM”, explicou, sublinhando que “os criminosos viram-se encurralados e fugiram para outros pontos”.
Falta seriedade nos magistrados
Foi no capítulo da coordenação de esforços com vista a combater a criminalidade que Weng San manifestou o descontentamento que reina na corporação face a algumas decisões dos órgãos de administração da justiça. Apesar do seu estilo diligente, o Comandante chegou mesmo a dizer que a actuação de alguns magistrados tem posto em causa o trabalho da Polícia.
É que qualquer alteração da ordem ou instabilidade, a Polícia não escapa ao escrutínio popular, sendo ela responsável pela manutenção da ordem e segurança públicas. São poucas as vezes em que o imaginário popular interpela a seriedade e responsabilidade dos órgãos de administração da justiça.
No entender de Weng San, todos devem estar envolvidos no combate ao crime e exigiu “reponsabilidade e seriedade por parte dos órgãos de administração”. O Comandante admitiu a possibilidade de haver erros na instrução de processos, mas aos magistrados exigiu que eles deviam solicitar mais deligências e provas indiciárias no lugar de ordenar solturas de suspeitos com cadastro criminal. A fonte diz que a Polícia tem sempre presente o princípio jurídico segundo o qual a liberdade é a regra e a prisão uma excepção, mas não entende porque “criminosos cadastrados e com um monte de crimes” quando chegam ao magistrado já não há provas dos crimes de que são acusados.
“Veja que nas últimas solturas temos lá perigosos cadastrados com um currículo invejável no mundo do crime violento, mas que pura e simplesmente o juiz achou que não havia matéria”, lamentou, acrescentando que do grupo solto consta um “comparsa de Samito e um tal de Votane que lidera um grupo que se dedica a assaltos a viaturas à mão armada”.
Para ele, trata-se de pessoas com um rico cadastro que sempre que caiem nas mãos da Polícia depois de arriscadas operações são soltas e voltam a cometer crime.
“No meu entender, há falta de responsabilidade por parte de algumas pessoas ligadas aos órgãos de administração da justiça. Não falaria de sabotagem, mas tal como na Polícia que há infiltrados, na administração da justiça também há magistrados desonestos que até certo ponto prejudicam a nossa luta”, lamentou Weng San.
Do lado da instrução criminal e dos tribunais, o argumento é que habitualmente os processos são mal feitos e não são apontadas evidências claras sobre a natureza dos crimes, ficando-se pela presunção de crime o que, num Estado de Direito, é muito pouco. Outra das causas, argumenta-se, é a impreparação da polícia no que toca à elaboração dos processos.
Recados
Lembrou que a Polícia corre riscos na captura de “bandidos” e, aos seus olhos, não se explica que depois de tanto sofrimento apareça alguém a libertar alegando falta de dados, mesmo em presença de cadastrados.
Como que a provar o inconformismo da corporação com as decisões dos magistrados, o Comandante garantiu que a Polícia voltará a perseguir os “bandidos soltos”, tanto mais que já retomaram os assaltos.
Weng San abordou também o perfil dos criminosos, tendo afirmado que na cidade de Maputo há criminosos com vários extractos sociais, de desfavorecidos a pessoas abastadas. “Temos bandidos licenciados, exemplo disso é um tal de Chico, licenciado em Sociologia e residente na Sommerchield. É um criminoso que se dedica a assaltos à mãos armada e assassinatos. Há dias assaltou um comerciante na Mao Tse Tung”, disse, deitando por terra a simplista tese de que as pessoas roubam porque são pobres.
Chaúque e Anibalzinho na mira
“Temos algumas pistas, só que ele é flutuante e está sempre em lugares diferentes”, respondeu quando o SAVANA perguntou se a Polícia tinha algumas novidades sobre o paradeiro de Agostinho Chaúque, um cadastrado que a PRM acusa de cometer vários crimes. Reconheceu que a captura de Chaúque está a ser complexa, supostamente “porque ele é um ser humano dotado dum raciocínio lógico e por isso está a par das movimentações da polícia”. Acrescentou ainda o facto de Chaúque ser uma pessoa experiente com muitas fontes que lhe dão informação e na base disso define os moldes da sua movimentação. “Ele circula em Moçambique e na África do Sul, não usa fronteiras oficiais, mas já há um esquema montado para a sua captura”.
Lembrou que com base no referido esquema foi possível a captura de “dois comparsas de Chaúque”. Trata-se de Elias e Manecas, “mas que infelizmente foram soltos pelo juiz”.
Quanto a Anibalzinho, Weng San disse que a Polícia ainda não tinha pistas, mas indicou que há uma operação no sentido da sua recaptura cuja acção está a ser coordenada pela PRM com o apoio da Polícia da SADC e da Interpol.
“Anibalzinho será capturado. Não direi se está dentro ou fora do país”, disse.
SAVANA - 27.03.2009