Em Mussorize
- O suposto solicitante é um curandeiro com uma fortuna de fazer inveja com destaque para uma luxuosa frota de viaturas
Por André Catueira em Manica
Uma rede de presumíveis traficantes de órgãos humanos acaba de ser desmantelada pela Polícia da República de Moçambique (PRM), em Espungabera, no distrito de Mussorize, sul da província de Manica.
O grupo tinha por missão matar jovens raparigas, das quais retirava as partes genitais que eram depois vendidas a um mesmo solicitante que supostamente as utilizava para “fins feiticistas”.
O suposto grupo aprisionou e assassinou quatro mulheres, tendo depois extraído a língua, esófago, clítores e útero.
Ao que o SAVANA apurou, os órgãos genitais humanos, que se vendem extremamente caro, são constantemente utilizados naquele ponto do país para ritual satânico.
Dados em poder do SAVANA indicam que os indivíduos em causa - naturais e residentes no distrito de Mussorize - tinham como vítimas preferenciais mulheres solteiras e que não tivessem mantido relações sexuais nas últimas 48 horas.
“Eles preferiam mulheres solteiras por serem indefesas, mas também queriam senhoras que não tivessem praticado sexo pelo menos nos últimos dois dias antes do crime”, disse Edgar Bartolomeu Rodrigues, comandante distrital da PRM em Mussorize.
Assassínios macabros
Segundo a PRM em Mussorize, as quatro vítimas mortais (registadas entre Dezembro do ano passado e Março corrente) foram mortas da mesma forma. O último caso registou-se na passada segunda-feira (16 de Março), no povoado de Mpengo, no posto administrativo de Dacata, norte de Mussorize.
Os indivíduos identificavam as suas vítimas e passavam a segui-la até se darem conta que já podiam agir. Todos os crimes foram praticados no interior das casas das vítimas, onde os criminosos se introduziam pelo tecto.
Ainda segundo apurámos, os supostos criminosos introduziam-se e tiravam a vida das vítimas a sangue frio, usando canivetes e catanas (instrumentos que foram apreendidos aquando da detenção dos indivíduos pela Policia).
Na casa das últimas duas vítimas, os seus familiares - com quem partilhavam o mesmo quarto e ou a mesma cama - não se aperceberam dos assassinatos.
“Tudo indica que os supostos criminosos recorriam a métodos supersticiosos para distrair os familiares das vítimas. Em nenhum caso algum familiar ou vizinho se apercebeu da ocorrência do crime. Todos assustavam-se já com os cadáveres só nas manhãs seguintes”, contou Rodrigues.
Confissão
Entretanto, um dos indiciados confessou o crime, mas disse ter participado numa das acções apenas como espião na casa de uma das vítimas.
“Fui contactado pelo meu tio [igualmente detido] para identificar e matar uma senhora e receberia em troco quatro mil meticais. Mas na hora do crime fiquei sem coragem, pelo que as outras três pessoas que vinham comigo foram praticar a acção e tendo trazido consigo os órgãos num plástico. Eu cheguei a servir de guarda, para espionar o movimento”, contou Elias Razão, um dos indiciados e que se encontra detido no comando distrital da PRM em Espungabera.
De acordo com a fonte, após o acto criminal, os seus três companheiros (que se juntaram a ele a mando do seu tio) o dispensaram com a promessa de o procurar no dia seguinte para receber o valor anteriormente acordado.
“Depois de saírem da casa da vítima, andaram um pouco e entraram num carro que eu antes não me tinha apercebido da sua existência. No dia seguinte em vez de trazer o dinheiro vieram com a polícia”, disse Razão.
Dos indiciados, dois foram presos na vizinha República do Zimbabwe e o terceiro a caminho da África de Sul. Em nenhuma das ocasiões a Polícia conseguiu apreender alguns órgãos humanos na posse dos indiciados.
Comprador distancia-se
O trabalho Policial concluiu que o suposto mandante e comprador dos órgãos humanos em alusão, era Samuel Maedza. Uma fonte que beneficia dos serviços deste famoso médico tradicional fez notar que o curandeiro já tratou figuras de proa em Moçambique, Zimbabwe e Malawi e que se notabilizou com o seu poder de enriquecer as pessoas. Maedza é dono de uma fortuna invejável e com uma luxuosa frota de viaturas. A Polícia fala de 32, mas o SAVANA viu apenas cinco viaturas de luxo.
Entre as viaturas constam um LandCruiser HZ para a sua escolta e um Nissan Patrol onde ele viaja, nalgumas vezes com o seu segurança e mordomo. Outras viaturas foram- lhe oferecidas por clientes, como forma de agradecer o “excelente” trabalho feito pelo famoso curandeiro.
Denúncias
Contudo, a Polícia avança que Maedza foi indicado por alguns detidos como o mandante dos crimes e comprador dos órgãos humanos.
Mas o acusado refuta as alegações. Avança que nos seus tratamentos em nenhuma ocasião usa sangue e muito menos parte de corpos humanos.
“Eu estou preso injustamente. Apenas desconfiaram-me de ser mandante e comprador de órgãos humanos. Mas confesso que em nenhum tratamento, uso sangue e ou parte de animais e ou mesmo de corpos humanos”, disse Maedza. O curandeiro aguarda julgamento nas celas do comando da PRM.
Sabe-se, no entanto, que a Polícia está a ser pressionada a libertar Samuel Maedza por importantes figuras ao nível distrital e provincial que, anteriormente, usufruiram do trabalho daquele técnico tradicional.
População sacrifica Régulo?
Porém, a população do regulado de Macuiana - onde reside Samuel Maedza - acusa o régulo local de ser cúmplice nas acções criminais do curandeiro e seus comparsas. É que, segundo apurámos, o régulo fez vista grossa a várias denúncias que apontavam Maedza como o principal comprador de órgãos humanos.
“Nós informámos ao régulo que havia uma mão do curandeiro Maedza na morte daquelas pessoas. Mas o régulo não deu ouvidos e os casos de morte neste regulado estão a subir. Até agora já morreram quatro mulheres”, disse Manuel Nhanguilaguane.
Nhanguilaguane e outro grupo de cidadãos disseram que o régulo Macuiana, várias vezes fez ouvidos de mercador às denúncias populares sobre o envolvimento criminal do curandeiro e presença estranha de indivíduos em casa deste durante a calada de noite.
“O curandeiro não atende à noite, mas de uns tempos a esta parte há um movimento descomunal e estranho em sua casa e há muitos carros. Mas ele justifica que recebeu como agradecimento dos seus pacientes”, disse Nhanguilaguane, que serviu de porta-voz daquele grupo de população contestatária.
Ainda segundo a fonte, a população está revoltada com a actuação e querem que as autoridades competentes demitam o régulo, como forma de desencorajar casos daquela natureza.
Pesquisas
Recorde-se que várias pesquisas levadas a cabo pela Liga dos Direitos Humanos (LDH) em Moçambique concluíram que a extracção de órgãos humanos está associada a “práticas tradicionais prejudiciais”, em particular a feitiçaria, e não a transplantes.
Os estudos analisaram a forma de conservação e métodos de transporte de órgãos e partes do corpo humano depois da sua extracção e constataram que nenhum dos métodos de transporte utilizados pelos supostos traficantes de órgãos humanos é conducente ao transplante.
Os órgãos e partes de corpos, depois de extraídos, são transportados de diferentes formas: em sacos, embrulhados em folhas de árvores, escondidos dentro de caixas com carne, na bagageira de carros, ou dentro de panelas.
Normalmente os órgãos humanos para transplantes são conservados em laboratórios de forma cuidadosa, além de que os doadores devem ser submetidos previamente a exames para identificação de eventuais doenças.
Para a organização, o objectivo do uso de partes do corpo humano “é criar uma medicina tradicional poderosa, no alcance dos seus propósitos que são, por exemplo, curar doenças, ajudar as pessoas a progredir economicamente ou prejudicar os seus inimigos”.
“As pessoas tentam, desesperadamente, sair da pobreza e das frustrações e pobres condições de vida a elas associadas. Estão, portanto, susceptíveis às ofertas dos feiticeiros para melhorarem a saúde e/ou as condições financeiras”, refere a LDH.
Mas, o tráfico de órgãos e partes do corpo humano “é uma realidade” em Moçambique, apesar de nunca ter sido admitido pelo Governo de Moçambique, considera aquela agremiação.
Aliás, o executivo de Maputo “pouco ou nada fez até aqui para controlar a situação” do suposto tráfico de órgãos humanos, considera a LDH, que atribui esta prática ao crime organizado.
SAVANA - 27.03.2009
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