A talhe de foice
Por Machado da Graça
Há dias fiquei estarrecido. Através da Rádio Moçambique ouvi o Ministro da Educação, Aires Ali, de visita ao Niassa, dizer que nas escolas primárias daquela província encontrou turmas com 200 alunos. Não, não foi nenhum dirigente da oposição a fazer esta declaração. Foi o Ministro da Educação do nosso país, colocado naquele lugar pelo Partido Frelimo. 200 alunos numa turma! É inacreditável. Mas verdadeiro. Eu já tinha ouvido dizer que a média, no país, andava pelos 60 a 70 alunos por turma. E já isso me parecia uma enormidade. Agora 200 ultrapassa totalmente tudo o que de pior se possa imaginar. Eu já nem pergunto como pode um pobre professor manter a disciplina numa sala com 200 crianças, quanto mais ensinar-lhes alguma coisa. Num outro texto sobre a Educação dizia-se que um dos objectivos a atingir era ter os alunos da 5ª. Classe a saber ler e escrever. Repare bem que eu escrevi 5ª. Classe. Só ninguém me explica como é que uma criança pode chegar à 5ª. Classe sem saber ler nem escrever. Com base em que critério é que ele passou da 1ª. para a 2ª., desta para a 3ª. e, depois, para a 4ª. para atingir, por fim, a 5ª. Sem saber ler nem escrever. E aqui temos que voltar a falar dos currículos escolares em vigor nas nossas escolas primárias em que os alunos vão passando de classe sem terem que se submeter a nenhuma prova que mostre as habilidades que já adquiriu. Passa porque sim e mais e melhores razões não são necessárias para nada. Além disso, como aqueles números ficam bem nas estatísticas, para inglês ver. O facto de estarmos a formar uma geração de gente completamente ignorante não parece preocupar ninguém. Os defensores deste currículo aparecem, de vez em quando, nos órgãos de informação a defendê-lo. Dizendo que os professores acompanham a evolução individual de cada aluno e, por isso, estão capazes de saber se tiveram aproveitamento ao longo do ano, ou não. Estamos mesmo a ver os pobres professores a fazer o acompanhamento de cada um dos 200 alunos da sua turma, para saber quem pode passar e quem deve reprovar. Tudo isto me diz que o critério continua a ser a quantidade e não a qualidade. Fala-se permanentemente de construção de novas salas de aulas, de mais escolas primárias e secundárias. Só ninguém nos diz que tipo de diplomados sai dessas escolas. Que tipo de aluno segue para o escalão superior quando o enviam para o secundário. E tudo isto não afecta apenas os alunos. Esses alunos, poucos anos mais tarde, estão-se a candidatar a serem, eles próprios, professores. Isto é, estão-se a candidatar a transmitirem a sua ignorância e formação medíocre à gereção seguinte de crianças. Juntas às centenas nas salas de aulas. Tudo isto tem um preço. Um preço muito alto que vai hipotecar o nosso futuro colectivo. Quando penso naquele que foi o meu professor primário, Joaquim Vilela, e na sua cultura e modernos (para a época) métodos pedagógicos, não posso deixar de me horrorizar com o estado actual do nosso ensino primário. Nenhum ponto de comparação existe entre esse tempo e o actual. Nada. E vai ser esta gente, com pouquíssima preparação, que vai, poucos anos mais tarde, candidatar-se a entrar nas universidades, elas próprias com currículos já muito “aliviados”. Como será a elite do nosso país daqui a, digamos, dez anos? Como serão os profissionais, teoricamente qualificados, a quem teremos que recorrer no nosso dia-a-dia? Ignorantes e medíocres, muito provavelmente, embora convencidos que o seu diploma tem o mesmo valor que outro, de grau equivalente, tirado nas melhores escolas do estrangeiro. Esperemos que essa falta de preparação não venha a causar graves problemas e desastres num próximo futuro. SAVANA - 30.03.2009