A talhe de foice
Por Machado da Graça
Há dias, conversando com uma pessoa amiga sobre o caso Manhenge, essa pessoa dizia-me que, a serem verdadeiras as acusações, pouco lhe importava que o ex-ministro fosse levado a tribunal por 49 acusações ou apenas por uma. Na sua opinião o aspecto de longe mais grave é o facto de se constatar que tivemos, durante 8 anos, no nosso governo um ministro que era ladrão. Os pormenores das roubalheiras teriam importância menor em relação a este facto. E, em grande parte, concordei com esta opinião. Na verdade, em termos éticos, a presença de um ladrão entre os ministros de um governo, é uma enorme mancha para o país e, principalmente, para quem o nomeou e manteve em funções durante aquele tempo todo. Pode-se dizer que ninguém sabia o que se estava a passar, mas os sinais exteriores de riqueza apresentados por Almerino Manhenge deveriam ter soado como toques de alarme para quem devia estar atento a estas coisas. E ou não estava ou estava e não se importava nada com isso. Mas, talvez mais grave ainda do que isso é o facto de um tal ministro-ladrão (repito: a serem verdadeiras as acusações) ser o responsável pelas forças policiais e de segurança do país. Isto é, o chefe dos polícias do país era um ladrão. Como podia ser eficaz a sua direcção do combate ao crime sendo ele mesmo um criminoso? Há poucos anos, escrevendo sobre uma situação semelhante, o consagrado jornalista português José Carlos de Vasconcelos dizia: A absolvição, ou até a não acusação, só por si, não atesta a bondade de uma conduta, apenas mostra não haver, ou não terem sido reunidas provas suficientes, do ponto de vista criminal, para condenar ou pronunciar. E prosseguia JCV: A eles (políticos ladrões) convém-lhes reduzir as coisas ao campo penal onde, neste domínio, quase sempre tudo dá em nada. Mas, independentemente do que vier a acontecer ao nível dos tribunais, cabe-nos a todos nós fazermos o respectivo juizo ético-político. No entanto, há um aspecto em que não estou totalmente de acordo com a pessoa com quem conversava. É que, para além dos aspectos éticos, do mau nome que fica colado a quem andou anos a roubar o povo de que era dirigente, há a questão da punição penal. E, para determinar os limites dessa punição, é importante saber quais foram os limites materiais do crime cometido. A pena não é a mesma para quem rouba uma galinha e para quem rouba um Rolls Royce do último modelo. E, em casos destes, deverá haver lugar à expropriação de bens dos acusados que possam compensar o Estado daquilo que lhe foi indevidamente retirado. Daí que seja bom investigar-se bem tudo quanto foi desviado, em qualidade e quantidade. Chamo mais uma vez a atenção para que os acusados neste caso não estiveram no poder apenas durante o ano de 2004, mas sim durante 8 anos de dois mandatos sucessivos. Portanto, na minha opinião, as auditorias que sustentam a acusação deveriam ser feitas às finanças do Ministério do Interior ao longo de todos esses anos, para ficarmos com uma ideia mais real sobre a profundidade do buraco aberto nos nossos bolsos. Para sabermos quantas escolas e quantos centros de saúde poderiam ter sido construídos se o Estado não tivesse ficado sem esse dinheiro. Quantos os funcionários do Estado, incluindo os polícias, poderiam ter recebido aumentos salariais se o seu chefe não tivesse abocanhado a enorme fatia do bolo que, se a acusação for verdadeira, abocanhou. Para já continuemos a seguir o folhetim Manhenge. E a fazer, é claro, o nosso juizo sobre como foi possível aquilo tudo ter chegado a acontecer. Que contexto se criou para que aquilo tudo tivesse podido ser feito. Isso ajudar-nos-á igualmente a ter uma ideia mais correcta do que é este nosso país que, de há uns anos a esta parte, é muitas vezes referido como Pérola do Índico. *Título tomado de empréstimo a uma obra de Emilio Salgari SAVANA - 20.03.2009