A tendência de “totalitarismo” da Frelimo em Moçambique, onde professores são obrigados a sair do trabalho para irem a cerimónias públicas, é também culpa da má organização da Renamo, afirmou em Lisboa o líder do Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
Daviz Simango, presidente do Município da Beira, e dissidente da Renamo, elege como principais bandeiras do seu partido o apoio ao desenvolvimento agrícola, habitação, repartição da riqueza e, além disso, tentar “acabar com a confusão entre o partido [no poder, a Frelimo] e o Estado”.
“Hoje tem que se ter cartão vermelho da Frelimo para se ser director, para aspirar a cargos superiores, à progressão na carreira”, criando desigualdade de oportunidades no acesso aos cargos públicos”, denuncia.
O facto de “muitos membros do governo serem comissários políticos”, mas membros da Frelimo, “cria descontentamento” entre quadros superiores ou pessoal académico que, alegadamente, teriam mais competência para o cargo.
Segundo Simango, há células da Frelimo a funcionar em escolas e hospitais e os seus funcionários são obrigados a participar em determinadas cerimónias públicas, além de que os meios do Estado, como viaturas, acabam usados em “cerimónias partidárias”.
“O facto de permitir que professores e funcionários públicos tenham de ir ao aeroporto receber o chefe de Estado porque está a visitar uma província, e quem não vai apanha falta, demonstra a democracia que nós temos, totalitária”, diz.
“Se as instituições públicas fecham porque o chefe de Estado está a atender ou a chegar, imaginem quantos doentes podem perder a vida porque os médicos foram ao aeroporto”, ironiza.
“É esta democracia que queremos inverter, torná-la efectiva”, diz Simango.
“O professor que vai educar as nossas crianças tem que educá-las pensando na cidadania, no patriotismo, na moçambicanidade. Como é que um professor que se sente oprimido, na obrigação de se filiar num partido e falar dele na escola vai educar as crianças?”, questiona.
Para o líder do MDM hoje a economia moçambicana está “no punho de três ou quatro pessoas no poder”, e falta apoio a pequenas e médias empresas, as que “dão mais trabalho e oportunidades”.
“Somos um país próprio para a agricultura, mas continuamos a importar. Isso traz problemas financeiros ao país, é preciso capacitar os agricultores através da mecanização, criar instituições afins que possam acompanhar a actividade agrícola, aconselhando, adquirindo produtos e, terceiro, transportar esses produtos para colocar no mercado”
Quanto à habitação, diz, “é preciso criar condições para que os jovens que se formam, que acabam a escolaridade, tenham oportunidades para desenvolver uma nova vida. O Estado tem de criar condições, infra-estruturas, créditos bancários, para que esses jovens possam ter um futuro feliz”.
Apesar desta defesa da intervenção estatal, diz, o MDM “está apostado na economia de mercado”.
Cultura de diálogo
A falta de qualidade da democracia moçambicana sente-se, diz, também dentro da Renamo, onde “falta cultura de diálogo” e se prossegue “à deriva”.
“Enquanto estive lá dentro tentámos introduzir dinâmica no partido, valorizar a oportunidade que tínhamos, com políticos e governantes, de elevar o bom-nome da Renamo, infelizmente não fomos compreendidos. Talvez porque as pessoas não entenderam que a política é uma dinâmica”, afirma.
Os resultados das autárquicas - em que a Renamo perdeu as cinco autarquias que tinha - mostra que o partido “está mal”.
A diferença entre o seu movimento e a Renamo, afirma, é justamente “uma democracia interna muito rígida”, patente na eleição do líder por voto secreto e limitação a dois mandatos consecutivos.
Para Simango, o risco de fortalecimento da Frelimo por via de uma divisão da oposição não existe, e a prova foi a vitória nas autárquicas na Beira.
“Os votos do candidato independente superaram Renamo e Frelimo juntos. É um sinal claro de que o eleitorado sabe o que quer. Não olha para a divisão da oposição como forma de escolher os seus dirigentes. A candidatura do MDM vai buscar votos da oposição, do partido do poder, e da abstenção - as pessoas que não votaram, que não gostam de votar”, afirma.
Para Simango, “a Frelimo está no poder por culpa das oposições”.
“A Renamo não teve estratégia e capacidade e desejo de ganhar o poder. Não se pode ir às eleições sem fiscais, indicando candidatos à hora de fecho, de forma desorganizada, sem material de propaganda. Aí há grande culpa”, defende.
Périplo
Daviz Simango está a efectuar um périplo internacional, com início em Portugal, para apresentar a nova formação política. Em Portugal, onde dará início à sua “ronda de contactos internacionais”, Daviz Simango será recebido por representantes do PSD e do PS, tendo também agendados contactos com o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e com os gabinetes do primeiro-ministro, José Sócrates, e do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Acompanhado pelos deputados “dissidentes” da RENAMO (oposição) Ismael Mussá e Agostinho Ussore, Daviz Simango participou ainda numa cerimónia que oficializa a geminação entre os municípios da Beira e de Sintra. A mesma ronda de contactos institucionais e com partidos políticos repete-se nas paragens seguintes do périplo: Bruxelas, Haia, Roterdão, Estocolmo e Berlim. Em Bruxelas, Daviz Simango fará uma intervenção no plenário do Parlamento Europeu intitulada “Uma nova visão para Moçambique”. O regresso a Moçambique está previsto para 29 de Março. Daviz Simango, um engenheiro civil de 45 anos com uma especialização em Ciência Política concluída em Portugal, filho de dois “históricos” da FRELIMO assassinados em circunstâncias nunca esclarecidas, foi eleito presidente do município da Beira em 2003 pela RENAMO, tendo o seu desempenho sido interna e externamente objecto de elogios e prémios internacionais, elevando-o à condição de autarca-modelo do maior partido da oposição em Moçambique. A sua crescente visibilidade, popularidade e carisma levou a que a generalidade dos observadores da política moçambicana o apontasse como o sucessor natural do líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, condição que Simango sempre recusou. Contra todas as expectativas e a dias de terminar o prazo para a apresentação das assinaturas necessárias para a formalização de candidaturas, o autarca da Beira viu Afonso Dhlakama retirar-lhe o apoio da RENAMO nas eleições autárquicas do ano passado. Daviz Simango acabaria por ser convencido por um grupo de cidadãos da Beira a avançar como independente, tendo ganho as eleições com margem folgada à FRELIMO e à RENAMO (que viu assim escapar-lhe o seu principal bastião político, numas eleições em que perdeu todos os cinco municípios que conquistara em 2003).
SAVANA - 20.03.2009