Há 37 anos que Carlos Durães de Carvalho se dedica a apanhar conchas. Tem cerca de 15 mil, vindas de todo o mundo, algumas raras e valiosíssimas. Quando se viu num aperto financeiro, vendeu alguns exemplares da colecção – e fez dinheiro para comprar, a pronto, uma casa para a família, em Lisboa.
Traços de uma arquitectura antiga – ligada à construção em pedra e aos vestígios árabes e visigóticos que povoam as zonas de Tomar, Alvaiázere e Ferreira do Zêzere – ladeiam a quinta que Carlos e Rosa Durães de Carvalho compraram a familiares próximos vai para duas décadas, como casa de férias. Aí está exposta, cuidada, sistematizada, catalogada e estudada talvez a maior e mais completa colecção de conchas marinhas que existe em Portugal, e uma das maiores da Europa, que já foi avaliada em mais de 300 mil euros.
Em estantes de vidro, armários de madeira com dezenas de gavetinhas expositoras como nas joalharias, estão guardados milhares, milhares e milhares de espécimes marinhos dos maiores aos menores. Conchas de África, Ásia e América. Conchas que pertenceram a animais carnívoros e parecem uma verdadeira armadilha de caça capaz de apanhar uma perna! Conchas minúsculas que só se podem ver ao microscópio, situado mesmo ao lado do computador de Carlos Carvalho. Agrupadas em famílias, há de tudo um pouco. Conchas pequeninas, amarelinhas, que funcionaram como dinheiro na costa oriental de África antes da chegado dos europeus. E estantes com uma enorme bibliografia dedicada ao assunto. Alguns destes livros referem o nome de Carlos Durães de Carvalho, por exemplo, em russo. Nas paredes, desenhos originais a tinta-da-china de Malangatana, amigo do coleccionador quando este regressou a Moçambique nos anos noventa como quadro superior de um banco.
Obra de uma vida que começou nas paisagens tropicais de Inhambane, Gaza e Ilha de Moçambique nos anos setenta do século passado, quando Carlos se dedicava, como desporto, à caça submarina nas água quentes da antiga colónia portuguesa. Mas só depois da reforma, em 2003, é que começou a organizar a colecção e a estudá-la. Não se considera um cientista porque não é biólogo marinho, mas um estudioso.
Como diz Rosa Durães de Carvalho, professora, que ajudou Carlos, nos tempos de lazer, durante muitos anos (e muitas noites e fins-de-semana) a recolher muitos e bons espécimes: «É preciso que as pessoas percebam que um coleccionador não é um predador do ambiente, tem de respeitar a natureza e as regras da manutenção e crescimento das espécies. E também não é um dealer ou um comerciante. Antes de mais é um estudioso que tem gosto e orgulho no seu trabalho. O maior problema na extinção destas espécies está relacionado com o comércio de jóias, bijutaria e outros objectos decorativos para uso feminino e das casas. Por vezes são verdadeiros atentados que se fazem às espécies em nome da vaidade.»
Depois do 25 de Abril, Carlos e a família viram-se obrigados a regressar a Portugal por Moçambique se encontrar em guerra civil. Chegaram quase sem nada e a sua situação era difícil. Foi então que ele, na altura já com bastantes conhecimentos de conchiologia e de malacologia (ciência que estuda os moluscos), resolveu escolher e vender alguns exemplares raros da sua colecção a coleccionadores estrangeiros – e assim conseguiu comprar uma casa em Lisboa, a pronto.
Neste momento o acervo da colecção de Carlos Carvalho atinge mais de 15 mil exemplares de conchas de todas as espécies, conhecidas e menos conhecidas, e de todas as regiões do globo, estando avaliado em centenas de milhares de euros.
Durães de Carvalho nasceu em Tete, Moçambique, em 1945. Nos anos setenta vivia em Machiche, província de Inhambane, e nos tempos de lazer visitava regularmente as praias da zona para apanhar sol, nadar e praticar caça submarina. «Conheci na altura um coleccionador de conchas alemão, de nome Tripner, com quem me encontrava regularmente nas praias. Foi aí que pela primeira vez comecei a ouvir falar em coleccionar conchas e conceitos que me eram estranhos», conta.
Por vezes, ao mergulhar, «encontrava conchas e trazia-as para as oferecer ao senhor Tripner. Um dia, em 1971, quando lhe entreguei uma determinada concha, ele fez um ar de grande admiração e disse-me que não podia aceitá-la, pois eu não fazia ideia do que lhe estava a dar. Explicou-me que a concha era muito rara e valiosa e alertou-me ainda para o facto de ter uma picada mortal e para os cuidados que teria de ter ao apanhar esta espécie viva.» Ainda hoje tem essa concha em seu poder e adianta que «está classificada como uma Conus textile eumitus Tomlin, 1926, mas tenho algumas dúvidas sobre a sua classificação. Nos três anos seguintes tentei encontrar outra igual, mas nunca aconteceu. Apercebi-me na altura de que existem algumas conchas que são realmente raras na natureza».
Ao recordar esses tempos, diz: «Foi aquela concha e o meu amigo Tripner que marcaram para sempre a história da minha vida. Durante 37 anos, a minha dedicação aos moluscos, de todas as famílias, fósseis ou actuais, de mar, de terra, de água doce, desde menos de um milímetro até 46 centímetros, com a busca incansável nos mais diversos ambientes, com milhares de horas de trabalho de organização e investigação, fizeram-me juntar à volta de 15 mil conchas pertencendo a cinco mil espécies oriundas de todo o globo.» E algumas delas podem chegar a valer qualquer coisa como 15 mil euros.
JN - 20.04.2009
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