DE ACORDO COM A LIGA MOÇAMBICANA DOS DIREITOS HUMANOS
A descoberta de uma caixa com cabeças de crianças, que fora levada em 2007 de Moçambique para a África do Sul, esteve na origem de um relatório sobre tráfico de órgãos e do “despertar” da sociedade moçambicana para o problema.
“Antes do relatório (apresentado em Fevereiro deste ano) havia muitas negações. Hoje o Governo e a sociedade civil aceitam que este tráfico é uma realidade”, segundo fonte da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH), Simon Fellows.
A LDH promoveu esta quarta-feira em Maputo uma reunião alargada para iniciar um debate com vista à criação de legislação sobre tráfico de órgãos humanos, que até agora não existe, nem em Moçambique nem na África do Sul.
Por falta dela, disse Simon Fellows, se alguém for identificado a transportar partes de órgãos humanos não é penalizado pelo acto.
A reunião, “a primeira de muitas”, de acordo com a presidente da LDH, Alice Mabote, juntou representantes do Governo, da Procuradoria-Geral da República, da Polícia de Investigação Criminal, de embaixadas, dos principais partidos políticos (FRELIMO e RENAMO), médicos tradicionais e organizações não-governamentais.
Segundo Simon Fellows, a questão do tráfico de órgãos humanos começou a ser debatida quando, em 2007, a organização Save The Children Norway – Mozambique Programme foi alertada para a descoberta, numa viatura, de 17 cabeças de crianças na fronteira de Moçambique com a África do Sul, já do lado sulafricano.
Simons Fellows disse que uma testemunha contou que as cabeças, congeladas, tinham origem em Moçambique, mas que só foram descobertas do lado sul-africano.
“As ONG que trabalhavam em Moçambique não tinham até então conhecimento de casos nem tinham qualquer pesquisa sobre o assunto”, pelo que o trabalho da LDH apresentado este ano foi o primeiro.
Simon Fellows contou que ele mesmo falou com a testemunha do caso das 17 cabeças e que ficou surpreendido quando, no decorrer da investigação da LDH, outra testemunha, sem qualquer contacto
com a primeira, referiu o mesmo caso, ainda que sem pormenores. “A primeira soube que eram 17 cabeças porque viu a Polícia sul-africana a contá-las”, disse.
“Partes do corpo humano são traficadas regularmente entre a África do Sul e Moçambique e dentro de cada um dos países”, disse o responsável, acrescentando que a quase totalidade das
pessoas com quem a LDH falou disse que esses órgãos eram para “práticas tradicionais”, denominadas “muti” (feitiçaria).
“As autoridades não fazem uma ligação entre partes de corpos encontradas e corpos encontrados aos quais faltam pedaços. Não há legislação para pessoas que são encontradas com partes de corpos, porque nem sequer existe uma definição específica para partes de corpo. É isso que estamos a tentar definir hoje”, explicou a fonte.
A LDH, adiantou, vai continuar a investigar a existência de casos de tráfico de órgãos humanos, tentando “reduzir a oferta e a procura”, num momento em que, em Moçambique, “é difícil negar a
existência” deste tráfico.
CORREIO DA MANHÃ – 30.04.2009