APESAR DO REITERADO SLOGAN “COM GUEBUZA VENCEREMOS A POBREZA”
➢ A guerra não explica tudo, há factores políticos. A guerra por si só não explica a
pobreza, embora contribua certamente para a agudizar, como a pobreza não explica, por si só, a guerra. (...) As políticas são os grandes factores geradores de pobreza. Em Moçambique vêm da herança colonial e são também as políticas socialistas – Ana Bénard da Costa, antropóloga do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, em Lisboa
A pobreza em Moçambique parece estar de novo a crescer, em paralelo com o aumento das desigualdades, não obstante os discursos políticos do actual Chefe do Estado moçambicano, reforçados
por um slogan do partido FRELIMO (hoje no poder) segundo o qual “com Guebuza venceremos a pobreza”.
O alerta do aumento da pobreza e do aprofundar das desigualdades em Moçambique foi feito esta quarta-feira em Maputo pela socióloga e consultora Rachel Watherhouse, quando abordava o tema “Vulnerabilidades em Moçambique”, no âmbito de uma conferência internacional promovida pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) para discutir “Dinâmicas da Pobreza e Padrões de Acumulação Económica em Moçambique”.
“Há indicadores que apontam para que a pobreza pode estar a crescer de novo, nomeadamente
decorrente de aumento de preços dos produtos, podendo chegar aos 58 porcento”, comentou Watherhouse.
Taipo já tinha dito
Esta semana também a ministra moçambicana do Trabalho, Helena Taipo, já tinha dito que a actual crise mundial vai resultar num retrocesso nos ganhos económicos e sociais alcançados em Moçambique e no continente africano em geral, comprometendo os esforços no combate contra a pobreza absoluta.
A crise poderá, disse Helena Taipo, pôr em causa o prosseguimento de esforços e acções tendentes à implementação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), caso os vários intervenientes não procurem a melhor forma para responder aos efeitos da mesma, o que “passa pelo diálogo social
tripartido”.
Metade da população em apuros
Rachel Watherhouse afirmou que não há dados recentes, mas os disponíveis indicam que 50% da população moçambicana “vivem em pobreza absoluta”, o que coloca o país na lista dos mais pobres do mundo.
Em Moçambique, acrescentou, falta fazer uma análise das vulnerabilidades do país e também tem faltado “coordenação” nas intervenções que têm sido feitas para resolver o problema.
Ana Bénard da Costa, antropóloga do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, em Lisboa, disse que os primeiros estudos sobre a pobreza em Moçambique datam de 1989, quando 60% da população
viviam em “condições de pobreza absoluta”, e negou que tal facto possa ser imputado principalmente às várias guerras que o país atravessou.
Intervindo na conferência sobre “A pobreza, a guerra e a paz em Moçambique”, Ana Bénard da Costa considerou que para o Governo do país “as causas da pobreza são as guerras e as catástrofes”, mas para as instituições económicas internacionais a “política socialista que desregulou a economia” também é um factor a ter em conta.
“A guerra não explica tudo, há factores políticos. A guerra por si só não explica a pobreza, embora contribua certamente para a agudizar, como a pobreza não explica, por si só, a guerra”, afirmou.
“As políticas são os grandes factores geradores de pobreza. Em Moçambique vêm da herança colonial e são também as políticas socialistas”, prosseguiu a antropóloga.
Sobre a questão da pobreza, o historiador moçambicano Yussuf Adam disse que a mesma e os estudos que sobre ela se fazem são “um grande negócio” e alertou para “brincadeiras” dos governos, “que passam a vida a subir e a descer as taxas, porque isso lhes dá acesso a fundos”.
CORREIO DA MANHÃ – 24.04.2009