Observador
Alexandre Pais
Director de RECORD
Trinta e cinco anos depois do 25 de Abril, Portugal atravessa um período perigoso, semelhante em alguns aspectos ao que, nos primeiros anos da revolução, destruiu empresas, puniu tanto maus como bens patrões, exilou os melhores quadros e atrasou irremediavelmente o país. Da altura, recordo em particular o ódio social aos que retornavam das antigas colónias, com uma mão à frente e outra atrás depois de uma vida de sacrifício, marcados com o ferrão de exploradores-de-pretos-que-íiveram-a-sorte-que-mereceram.
É esse sentimento de rancor aos que se esforçam para dispor de algum desafogo que está agora de volta e que traz aos nossos dois milhões de pobres e sete milhões de remediados a esperança de que a riqueza - a pequena riqueza destes abastados albaneses da Lusitânia - seja enfim repartida, cabendo a cada filho de Deus, inimigo ou não do suor, algo mais do que trabalhou para ter.
Talvez eu, escriturário que nunca gostou de estudar, possa deixar o meu T2 do Cacém e morar no sumptuoso T3 dos doutores e engenheiros do Parque das Nações. Talvez eu, calão inveterado, consiga largar o meu Clio e ficar com o BMW do cirurgião que namora aqui a vizinha do lado. Talvez eu, azarado e revoltado crónico, não precise de voltar ao McDonald's, para jantar, enfim, no Porto de Santa Maria ou no Gambrinus, no lugar dos tubarões que tinham empresas e que julgavam ser mais do que eu. Talvez possa, enfim, desfrutar de mordomias graças ao esforço, trabalho e dinheiro dos outros, o sonho equivocado de Abril, que nos legou um país de funcionários desconhecedores da iniciativa e de invejosos cegos à bondade do mérito.
A tendência de nivelar por baixo, que já havia chegado ao Governo - o projecto de passar de 42 para 75% a tributação dos bónus por objectivos atribuídos pelos accionistas das empresas privadas, que nada recebem do Estado, aos seus gestores é um roubo, certamente aplaudido até por aqueles que devem o emprego a essa competência perseguida -, tomou de assalto também a comunicação social, com jornais ditos de referência a classificarem como ricos os quadros que ganham 5 mil euros, tablóides a apontarem prédios decadentes da Avenida de Roma, em Lisboa, como luxuosos ou a televisão oficial a referir-se, como fez esta semana, às reformas milionárias de 4 mil euros.
Nem sempre pensei assim, mas hoje lamento que o espírito dos retornados - que, tendo construído uma vida a partir do nada na África inóspita, tudo recomeçaram, de novo do nada, no regresso à Pátria - não tenha feito escola em Portugal, como exemplo nobre dos homens que recusam a pobreza antes de ir à luta. Infelizmente, venceu a preguiça, mãe de toda a desgraça.
Revista SÁBADO – 23.04.2009