Augusto Paulino destaca melhorias mas reconhece que persistem anomalias
O Procurador-geral da República, Augusto Raul Paulino, foi ontem ao parlamento dizer que houve melhorias da legalidade e justiça no país, reconhecendo no entanto que ainda há muito por fazer. Naquilo que foi o seu segundo informe, prestado na Assembleia da República, após a sua nomeação para o cargo, Augusto Paulino apresentou um discurso de 82 páginas, acompanhado de anexos ilustrativos das realizações do Ministério Público durante o ano de 2008. E comparando com o ano anterior, disse que houve melhorias. Em relação aos casos “mediáticos”, que ele chamou de “casos de maior impacto”, referiu-se de soslaio ao dossier do Ministério do Interior.
Melhorias na óptica do PGR
O Procurador Geral da República, Dr. Augusto Paulino avaliando causa própria disse que durante o ano 2008 houve melhoria de qualidade na actividade processual; melhoria das condições de trabalho dos magistrados e oficiais da justiça do Ministério Público (MP); aumento da cobertura territorial de tribunais e procuradorias de escalões distritais; maior celeridade processual e descongestionamento das procuradorias provinciais; fiscalização dos processos-crime pelos magistrados do MP junto das Esquadras, entre outras “melhorias”.
Revés
Entretanto, o procurador reconheceu no seu informe alguns constrangimentos que marcaram o sector sob sua alçada durante o período em análise: a insuficiência na assistência jurídica aos cidadãos; as dificuldades de acompanhamento dos cidadãos após o cumprimento das penas prisionais, o que faz com que os mesmos cidadãos retornem à actividade criminal; a falta dos recursos humanos, com maior destaque nos distritos.
Para reverter o cenário, Augusto Paulino prometeu acções concretas, entre as quais dotar de maior capacidade o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) e melhorar a articulação entre as instituições da administração da justiça.
O Informe descritivo
O Informe apresentado ontem pelo Procurador-geral da República foi essencialmente descritivo, cingindo-se essencialmente a narrar realizações e acontecimentos que marcaram o período em análise, sem no entanto fazer referência ao seu impacto na vida do cidadão, ou justificar a razão pela qual os cidadãos continuam a reclamar por melhores serviços de justiça no país.
Recorrendo sempre a dados estatísticos, o PGR disse, por exemplo, que a proporção média dos detidos aguardando julgamento reduziu de 39 %, em 2007, para 35%, em 2008. Disse que as condições de reclusão melhoraram. Falou da construção e melhoramento de infra-estruturas prisionais e da assistência sanitária à população reclusa.
Superlotação das prisões estimada em 96 % acima da capacidade
Porém, o PGR reconheceu igualmente que persistem casos anómalos tais como a superlotação dos estabelecimentos prisionais. Estimou que a população prisional ocupa 96 % acima da capacidade média instalada. Estimou que os prazos de instrução preparatória e de prisão preventiva expirados, acontecem sobretudo nas províncias de Maputo, Inhambane e Zambézia. Falou também da falta de transporte para estabelecimentos prisionais.
Na mesma perspectiva de autoavaliação em que destacou as realizações mas também reconheceu os fracassos da PGR, o chefe da magistratura pública do País, descreveu a situação da legalidade e justiça no país, sector a sector e província a província.
Criminalidade: o “Calcanhar de Aquiles”
Augusto Paulino disse que a instituição que dirige reconhece a persistência de crimes de grande impacto social tais como os homicídios praticados com recurso a armas de fogo; violação de mulheres; estupro de crianças; extracção de órgãos genitais humanos, entre outros. Reconheceu igualmente que a persistência destes crimes na sociedade moçambicana está a provocar ira popular, que muitas vezes opta em fazer justiça por si, dando origem aos linchamentos a que por vezes temos assistido.
Sem apresentar um plano concreto do que está sendo feito pelo MP com vista a reverter o cenário de justiça pelas próprias mãos que está cada vez mais a “engolir” a sociedade moçambicana, Augusto Paulino refugiou-se na Conferência Nacional sobre a Criminalidade realizada em Março último no país, como sendo “uma medida de procura de um plano de combate e prevenção da criminalidade”.
O PGR estava a analisar acontecimentos que tiveram lugar em 2008 e nos anos anteriores, mas estranhamente, talvez pela falta de medidas concretas de combate à criminalidade, acabou evocando a referida conferência, cuja realização foi em Março de 2009 corrente, período que será era suposto ser analisado apenas no informe de 2010.
Caso Mongicual
A morte de 12 cidadãos nas celas da Polícia do Distrito de Mongicual, que ainda está fresca na memória dos moçambicanos, foi mencionada pelo procurador geral. Augusto Paulino trouxe a sua versão. Disse que os cidadãos detidos e que parte deles viria a perder a vida nas celas da Polícia “agrediram uma cidadã, depois de a ter tornado refém, e enterraram-na viva, sob acusação de ser portadora de um produto provocador da cólera”.
Augusto Paulino ao apresentar a sua versão sobre os acontecimentos de Mongicual, que são muito diferentes de leituras de outras entidades, contou com pormenores a história, sem no entanto citar a fonte de que apurou a veracidade dos factos. Tratou logo de considerar os acusados de culpados, como se a sentença tivesse transitado em julgado, o que não aconteceu nem sequer em primeira instância.
O procurador não destacou o caso de Mongicual. Falou dele apenas como sendo um dos vários casos em que os cidadãos recorrem a meios alternativos para fazerem justiça. Para o PGR, o destaque não foi a morte de 12 cidadãos nas celas da polícia. Foi, antes, sim, a alegada tortura à cidadã cujo nome não revelou para que se possa aferir a autenticidade da sua versão. Referiu apenas que os detidos que acabaram por morrer por asfixia nas celas a cargo da Polícia a mataram por alegadamente estar a propagar a cólera.
Como que a querer dizer que a criminalidade está a reduzir no país, o informe do PGR refere que houve redução de casos criminais praticados no país, de 41.902, em 2007, para 40.312, em 2008, em todo o país. E mencionou que desses casos, 85,5 % registaram-se na cidade de Maputo.
O Informe do PGR é seguido hoje pelo debate parlamentar em sessão plenária.
Alguns deputados, à margem da intervenção de Augusto Paulino no plenário da AR, ontem, comentaram ao «Canal de Moçambique» que o Procurador Geral da República dos casos vulgarmente tidos como “quentes” não foi capaz de mencionar um único que tenha tido desfecho. (Borges Nhamirre)
Ainda sobre o Informe do PGR no Parlamento
Deputados exigem mais do Ministério Público
O debate parlamentar sobre o informe apresentado ontem pelo Procurador-geral da República, Augusto Paulino, vai hoje ocorrer em sessão plenária na Assembleia da República. Mas já ontem, após o fim da leitura da “autêntica bíblia” que foi levada ao mais alto órgão legislativo do País pelo PGR, deputados das duas bancadas manifestaram o seu parecer em relação ao informe, e deixaram transparecer que querem mais trabalho do Ministério Público. O combate à criminalidade e à corrupção no sector público são as maiores exigências.
O porta-voz da bancada parlamentar da Frelimo, Feliciano Mata, disse que o informe correspondeu às expectativas da sua bancada e disse que a situação da justiça e legalidade no país melhorou em diversos aspectos, tais como a extensão da justiça para os distritos e o respeito pela presunção de inocência, mas disse que ainda não se atingiu o nível desejado, pelo que há que se fazer mais trabalho para melhores resultados nos próximos anos.
É um informe monótono
Maria Moreno, a antiga chefe da bancada da Renamo-União Eleitoral, considerou que o informe ontem apresentado “não é melhor em relação aos dos anos anteriores”. “É um informe muito longo, monótono, com poucos momentos interessantes”, disse. Acrescentou que Paulino fez um relatório “exaustivo”, com números que vão dando a impressão de ter havido melhoria. “Mas isso não nos expira nenhuma confiança, não significa que a justiça neste país mudou para o melhor”, disse a deputada, para concluir que o PGR foi ao parlamento “somente cumprir com a obrigação constitucional, mas não trouxe novidades”.
Maria Moreno diz até que Augusto Paulino podia ter ficado em casa e mandar relatório para os deputados que conseguiria o mesmo efeito. A deputada questionou entretanto a estratégia de manter os chamados casos quentes “sob segredo da justiça”.
António Muchanga, deputado da Renamo, diz que à semelhança dos informes dos procuradores que antecederam Augusto Paulino, o informe de ontem “foi negativo”. Recorreu ao sistema classificatório para dizer que ao último informe do ex-PGR Joaquim Madeira, daria a nota 3, enquanto que a este informe de Augusto Paulino atribui nota 4,5. Muchanga acrescenta que a única melhoria que houve foi passar a detalhar mais sobre os processos, mas em termos gerais. “Muito dinheiro do Estado continua defraudado, sem explicação e sem informação sobre como poderá ser recuperado para o bem e dignidade dos contribuintes”, conclui o deputado da Renamo.
Já António Niquece, deputado da Frelimo, num tom que ajuda a acreditar na cumplicidade e influencia do poder executivo e o partido governamental sobre a Justiça diz que o informe correspondeu às expectativas. Mas perante os problemas que persistem, entende que deve haver maior interacção inter-institucional na administração da justiça, de modo a não ser feita de forma isolada. E pede ainda que se garanta cada vez melhor acesso dos cidadãos à justiça.
Outro deputado da Renamo-UE, o presidente do MONAMO, Máximo Dias, disse que o informe não agradou à maioria de quem acompanhou a sua leitura na medida em que esperavam muito mais. “Frustrou algumas expectativas”. Criticou o facto do PGR não ter falado de políticas de combate à criminalidade, por exemplo.
Falta Polícia Judiciária
António Frangoulis, deputado da Frelimo, disse que o PGR prestou um informe aceitável. Disse também que entende que não se pode pedir muito mais a um PGR que ocupa o cargo há menos de dois anos. Para Frangoulis, os problemas que persistem no sector da justiça e que deviam ser resolvidos pelo MP, não podem ser incumbidos ao actual procurador, mas sim ao MP público como instituição, na medida em que nenhum dos PGR que na história do país exerceram o cargo, conseguiu resolvê-los satisfatoriamente.
Frangoulis menciona como uma das maiores necessidades do sector da justiça, que segundo este deputado e criminalista nunca foi atendida satisfatoriamente, consta a criação de uma Polícia Juduciária, independente do Ministério do Interior. Diz que enquanto não houver esta Polícia, o Ministério Público nada poderá fazer no combate à criminalidade, que satisfaça as exigências do país.
Já José Manteigas, o recém nomeado porta-voz da bancada da Renamo-UE, diz que o informe de ontem “foi na mesma linha dos informes anteriores, não satisfatórios, que omitem informações relevantes, tais como a fuga dos cadastrados das cadeias, os rombos financeiros dos fundos do Estado, cujos implicados mantêm-se em liberdade”.
No entanto, Manteigas diz que houve poucas melhorias. Diz que os casos importantes “acabam sendo eclipsados pelo grosso das anomalias”. Questiona o desfecho do caso de desvio de fundos no Ministério do Interior (MINT), envolvendo o antigo ministro da área, Almerino Manhenje. Para este caso, José Manteigas lembrou que já há redução dos valores inicialmente referidos como tendo sido desviados, assim como o despronunciamento pouco claro de alguns arguidos no processo. E acha isso estranho. Este deputado da Renamo por isso quer mais trabalho do MP e diz que sendo este o último informe da procuradoria na presente legislatura da AR, devia trazer mais informação.
Diz que há aprovação de leis, cuja aplicação não se observa no terreno. Diz ainda que a maioria das questões arroladas no informe de ontem já foram levantadas pelos midias, e até duma forma mais detalhada.
Este é o parecer de alguns deputados ouvidos pelo «Canal de Moçambique» após o informe do PGR. O debate está previsto para hoje. O tema promete acender o plenário da Assembleia da República. Mas o facto também é que já poucos dão importância a estes relatórios pelo facto de nada mais acrescentarem ao que já se sabe. (Borges Nhamirre)
CANAL DE MOÇAMBIQUE - 23.04.2009
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