Em Nampula
Por Raul Senda, em Nampula
A gestão do dinheiro destinado ao Fundo das Iniciativas Locais (FILs), vulgo sete milhões de meticais, está a criar barulho, no distrito de Muecate, província de Nampula. Muitos acusam os gestores dos sete milhões de aplicarem critérios poucos claros na atribuição do dinheiro.
O SAVANA há duas semanas aquele ponto de Moçambique e constatou igualmente que o nome atribuído a uma associação candidata a mutuário conta muito para atingir a posição de elegível.
Assim proliferam organizações com nomes de históricos da Frelimo.
Recorde-se que estudos produzidos pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), dirigido pelo economista Carlos Nuno Castel-Branco revelaram que os sete milhões alocados aos distritos para gerar riqueza e postos de trabalho não são norteados por uma real estratégia de desenvolvimento. Igualmente, não estão a beneficiar os pobres e a permitir o alargamento da capacidade produtiva, mas, antes e por exemplo, aqueles que são localmente mais abastados (por exemplo, comerciantes, agricultores) e capazes de serem escutados nos conselhos consultivos distritais. O mesmo estudo concluiu que os pobres têm receio do endividamento e desejam manter a honra.
Favoritismo
Com vista a se inteirar do processo do desenvolvimento do distrito, a partir dos sete milhões de meticais, o SAVANA esteve na província de Nampula, mais concretamente no distrito de Muecate que dista a 75 quilómetros, mais ao norte da capital provincial.
A maioria das pessoas ouvidas pelo SAVANA indicaram que há discriminação na atribuição deste dinheiro. Frisaram que o dinheiro está a ser atribuído somente a pessoas ricas, em detrimento daqueles que efectivamente necessitam deste valor.
O mais preocupante ainda no meio desse cenário todo, é que os funcionários do Estado que se envolvem em esquemas de desvio do valor destinado ao desenvolvimento das comunidades, quando descobertos e denunciados, em vez do Governo tomar medidas sancionárias, limita-se a transferi-los para outros distritos onde, na maioria das vezes, continuam com as mesmas práticas.
Em Muecate encontramos situações em que as autoridades administrativas não envolvem as comunidades na definição de prioridades de investimentos. Não há cultura de prestação de contas, não sabem quanto dinheiro é destinado a cada Posto Administrativo e qual é o critério que é usado para o financiamento dos projectos. Constou-nos que as poucas vezes que as autoridades locais contactaram as comunidades foi apenas para legitimarem decisões que já haviam sido tomadas em seu benefício.
Angoche
A localidade de Minheuene, Posto Administrativo de Muecate-sede, cerca de 15 quilómetros da vila sede de Muecate foi um dos pontos visitados pela nossa reportagem.
Em Minheuene, a comunidade local foi obrigada a assinar um documento cujo conteúdo não conheciam, aliás, dizem que até hoje não sabem o que rubricaram, visto que, o então administrador, Carlos Amade que actualmente exerce as mesmas funções no distrito de Angoche, fez de tudo para que não tivessem acesso ao conteúdo do documento em causa.
Esta indicação foi-nos transmitida por Marieta Manuel, presidente da associação OMM - Josina Machel que, no inicio de 2007 submeteu um projecto avaliado em 150 mil meticias. O mesmo tinha como objectivo a aquisição de uma moageira.
O projecto foi submetido ao distrito tendo sido aprovado em meados do mesmo ano. Em Agosto de 2007, conta Marieta Manuel, a comunidade de Minheuene foi convidada, via seus representantes, a ir a vila levantar a máquina.
No entanto, para o espanto de todos, acrescenta, chegados a vila são informados pelo administrador Carlos Amade que ouve um engano e a máquina tinha sido enviada para outra localidade que dista a 27 quilómetros da vila sede. Mesmo assim, os membros da associação Josina Macahel não se fizeram de rogados e prontificaram-se a ir a dita localidade buscar a máquina.
Conta a nossa interlocutora que quando se propuseram a deslocar-se até a zona onde tinha sido enviada a máquina, o administrador recomendou-lhes que passassem da vila antes de levarem a moageira para a comunidade.
A distância que separa os três pontos fez com que regressassem a vila-sede no final do dia. Na administração estava um funcionário a espera deles. Chegados lá e já a escurecer, o funcionário em causa mandou-lhes assinar um documento sem antes lerem o conteúdo e muito menos detalhar sobre o mesmo.
“Posto isto disseram que podíamos levar a máquina até a localidade que o técnico viria dias depois fazer a montagem”, frisou.
A nossa interlocutora referiu que, além do documento que assinaram, não tiveram o termo de entrega, recibos de aquisição da máquina e muito menos os comprovativos de que a moageira custou de facto 150 mil meticais.
Soubemos ainda de Agostinho Trinta, líder comunitário de Minheuene, que a moageira em causa foi entregue a sua comunidade em Agosto de 2007, mas a montagem só se verificou em Maio 2008, ou seja, nove meses depois da entrega. A mesma funcionou apenas três meses, já que em Setembro de 2008 avariou e até ao momento não está a funcionar. O caso é do conhecimento das autoridades administrativas, mas estes limitam-se a promessas que nunca se concretizam.
A não entrega de documentação da máquina por parte das autoridades administrativas cria desconfianças no seio da comunidade e este, segundo, Jaime Raul, membro do conselho consultivo da comunidade, não vai reembolsar o dinheiro, visto que não tem provas de que a moageira custou o valor acima citado. Ademais foi uma máquina que nem chegou a funcionar.
Associação AEG
A 27 quilómetros da vila sede Muecate localiza-se o Posto Administrativo de Muculuone. Neste ponto, a questão dos sete milhões também cria muitas divisões.
Isaura Ajuda, presidente da Associação Armando Emílio Guebuza (AEG), contou-nos que em 2007, a sua organização, em coordenação com outras agremiações, submeteu um projecto para a aquisição de um tractor juntamente com a charrua e o respectivo atrelado. O plano em causa estava avaliado em dois milhões de meticais.
Ajuda referiu que o tractor, de marca Mahindra, foi entregue em finais de 2007, sem charrua nem atrelado e com problemas mecânicos.
No processo de entrega a única coisa que foram informados foi de que o veículo custou dois milhões de meticais, mas não havia nenhum comprovativo.
Mais adiante a nossa interlocutora referiu que “quando perguntamos sobre a charrua e o atrelado informaram-nos que a encomenda estava a caminho” e logo que chegasse seriam convidados para levantarem.
Dizem que o tempo foi passando até que com fundos das associações resolveram adquirir charrua, já que sem este instrumento a máquina quase que não lhes servia.
Passam dois anos e até ao momento ainda estão a espera da charrua e de atrelado.
Soubemos Isaura Ajuda que desde que o tractor foi adquirido em 2007 não possui nenhuma documentação, matricula e nem foi registado junto das autoridades aduaneiras e dos serviços de viação.
O actual administrador de Muecate, Adelino Fábrica, quando abordado sobre a questão limita-se a dizer que ainda está a analisar já que quando isso aconteceu o distrito estava na alçada de outras pessoas.
As comunidades do Posto Administrativo de Muculuone souberam que o seu posto tinha parte do Fundo de Iniciativas Locais quando o SAVANA escalou aquele ponto.
É que no leque dos projectos que vem apresentando desde 2006, a esmagadora maioria não é financiada, alegadamente por falta de dinheiro. Um dos sectores que nunca se beneficiou do financiamento dos sete milhões é da comercialização agrícola.
As comunidades de Muculuone souberam que o seu distrito tinha direito a uma tranche nos sete milhões, quando o SAVANA conversou com a chefe do Posto Administrativo de Moculuone, Albertina Ussene, que disse que para o presente ano o seu Posto iria receber dois milhões de meticais. Até ao momento o dinheiro deste ano ainda não foi canalizado aos beneficiários e nem ainda está nos distritos.
Disse que nos anos passados, a seu Posto recebia anualmente, em media, cerca 1.5 milhão de meticais que terá sido gasto no financiamento de projectos de geração de rendimentos e do aumento das áreas de produção agrícola.
Sobre o tractor que muito antes de ser usado já apresentava problemas mecânicos e sem nenhuma documentação, a nossa interlocutora referiu que o caso não é do seu nível, mas sim do distrito que é o local onde são aprovados os projectos e canalizados os fundos. Contudo, acrescentou que, junto do governo local, está-se a trabalhar no sentido de regularizar a situação do tractor e tantos outros pendentes.
SAVANA – 22.05.2009