Por Maria de Lourdes Torcato
A Reserva do Niassa é uma das mais importantes áreas de selva virgem protegida do mundo, uma das poucas que ainda existem em África. Mas para que Moçambique possa continuar a mostrar ao mundo este tesouro natural, é preciso que a Reserva consiga resistir às incríveis pressões que a ameaçam, incluindo da parte de quem a devia acarinhar como um dos tesouros de que a Natureza dotou este país e em particular a região onde ela se situa. Isto a crer nos relatos vindos a público, nos quais se tende a mostrar a Reserva não como uma riqueza colectiva nacional, mas como uma fonte de aborrecimentos para os seres humanos que lá vivem. Tentando compreender este absurdo, torna-se aparente que esta tão propalada riqueza é objecto de cobiça de muita gente. São os que consideram que o combate à pobreza se resume a combater a sua própria pobreza já, aqui e agora.
A área protegida que se situa em duas províncias, Niassa e Cabo Delgado, tem uma área total de 42 mil kms quadrados (é do tamanho da Holanda), mas apenas 35 mil habitantes, população que está em crescimento contínuo. Escassamente povoada por população humana, o parque é, em contrapartida, o habitat natural para 13 mil elefantes, 900 leões, 400 espécies diferentes de aves (registadas) 14 mil pala-palas, 400 cães selvagens (dos poucos que ainda restam no mundo) e outros mamíferos. Dentro da área protegida há também peixes de água doce que originam importante actividade de pesca e comércio contribuindo para a economia dos habitantes. Esta biodiversidade, a par da biodiversidade vegetal nativa, fazem dela um manancial científico mas não só, que pode beneficiar os moçambicanos por muitas gerações futuras.
Este imenso parque natural que alberga dois distritos administrativos, Mecula e Mavago, como Reserva Natural criada em 1954 e cuja legislação foi revista e regulamentada já depois da independência nacional, é dirigido por uma pequena equipa técnica à frente de pouco mais de uma centena de trabalhadores da Reserva incluindo os Fiscais. Devido aos eternos constrangimentos financeiros – a Reserva depende essencialmente de doadores internacionais – a Sociedade de Gestão foi autorizada a abrir algumas concessões para coutadas de caça desportiva. A contribuição dos concessionários vai desde a presença dos seus prórios fiscais (130) na área de influência das suas coutadas, ao investimento em infra-estruturas. Os
A tarefa central da administração de um Parque Natural é conseguir fazer das comunidades residentes no seu território parceiros convictos e entusiastas. Outros, de má-fé, podem querer interferir e para isso precisam de instilar hostilidade e ressentimento sob vários pretextos. Um deles é a habitual queixa de que os habitantes não lucram o suficiente com os recursos do Parque, outro é o slogan predilecto dos predadores humanos da fauna: o “conflito homem-animal”.
Viver dentro dum Parque tem vantagens e tem inconvenientes, tal como viver numa cidade tem as suas vantagens e os seus inconvenientes. É precisa adaptação às condições específicas e características de cada ambiente, com base no conhecimento e na educação. Por isso vem tão a propósito citar outra vez Samora Machel: “Para que possamos dar cumprimento a todos os programas de conservação e utilização correcta dos nossos recursos faunísticos é necessário educar o nosso povo no respeito pelo meio ambiente e na conservação da natureza. Esta é uma responsabilidade das organizações de base do Partido Frelimo, dos orgãos do poder... a nível local e das ODMs”.
“Conflito Homem-Animal”
Esta questão do “conflito homem-animal” está rapidamente a transformar-se numa ameaça à sobrevivência de muitas espécies, sobretudo em África. Não nos podemos esquecer que a sua origem reside, em última análise, na extrema pobreza dos camponeses africanos. Mas a luta contra a pobreza não se compadece com análises superficiais e enganosas que raiam a desonestidade. O que aparece vulgarmente na imprensa não são estudos científicos feitos pelos especialistas da nossa região, mas sim reportagens citando percepções e distorções da realidade objectiva. Por exemplo: as comunidades camponesas tendem a falar só do elefante como dizimador de machambas, esquecendo os macacos, os elandes, os pássaros e tantos outros habitantes da floresta que fazem escapadas até às zonas cultivadas. Quanto aos ataques a pessoas, são muito mais frequentes as vítimas de crocodilos pelo país fora, do que de elefantes. Mas o inimigo n.º 1 no Niassa, desde que o Parque existe e se perseguem os traficantes do marfim, é o Elefante.
No Relatório da Reserva do Niassa que consultei fica-se a saber que uma das tarefas da equipa gestora é evitar ou minimizar as possibilidades de prejuízos aos camponeses causados pela fauna bravia. Desde 2007 a
Outro método introduzido pela Reserva em resultado dessa pressão do “conflito homem-animal”, foi a vedação electrificada à volta das aldeias que mais se queixavam da invasão dos elefantes. Este método era na altura o mais recomendado nos Parques de Fauna Bravia na África Austral e a SGDRN investiu na construção de 200 kms de vedação eléctrica, alimentado a painéis solares, em 8 assentamentos populacionais. Mas o esforço foi um fracasso. Quem faz a limpeza, manutenção e vigilância? O mais natural seria que fossem os principais interessados, isto é, as próprias comunidades. Mas as vedações hoje não funcionam por variadíssimas razões: o arame foi roubado, o capim cresceu e toca nos fios causando curto-circuitos, a vizinhança faz ligações clandestinas para alimentar o rádio e destrói o sistema, etc.
De qualquer maneira as conclusões devem ter em conta que, apesar das queixas persistentes contra a fauna, em especial o elefante, a população continua a ser atraída pela área Reserva e, de acordo com o que o Presidente da República ouviu na visita que fez recentemente ao distrito de Mecula, o administrador orgulha-se do aumento de produção agrícola porque a área cultivada duplicou e isto apesar dos elefantes...
(...)
SAVANA – 29.05.2009