Localizado a cerca de 350 quilómetros a norte de Quelimane, capital da província da Zambézia, Guruè ocupa uma área de 5688 quilómetros quadrados e possui uma população calculada em 303 mil habitantes, tendo como principal actividade a agricultura, sobretudo a produção de chá, milho e batata.
Para quem nunca teve a oportunidade de visitar o distrito, Guruè é simplesmente de uma beleza deslumbrante. Bem explorado, poderia ser considerado de um pequeno “Jardim do Éden”.
Dizem os residentes que nesta terra é possível semear virtualmente tudo. Talvez seja a razão pela qual Guebuza considera Guruè de “Terra da Revolução Verde”.
Neste texto, a intenção não é tentar descrever um cenário ideal para um filme de terror ao estilo de Alfred Hitchcock, mas sim os problemas que afectam os residentes do distrito de Guruè, e que constituem um grave entrave para o seu desenvolvimento acelerado.
Aliás, não foi por acaso que o próprio Presidente dedicou parte considerável do seu discurso para abordar estes temas, mas não com a profundidade que, para alguns residentes de Guruè, seria de desejar.
Mais surpreendente é o facto de este número incluir somente 814 cabeças de gado bovino.
“Em 2004, o efectivo pecuário evoluiu de 46307 unidades de diversas espécies para 168314 unidades em 2008, registando-se um aumento de 122007 unidades. Do total do efectivo, cerca de 814 é gado bovino”, lê-se no Informe do Distrito de Guruè, apresentado durante a Sessão Extraordinária do Governo Distrital, alargada aos membros do Conselho Distrital e que foi orientada pelo Chefe do Estado.
MEDO DE FEITIÇARIA É UM CASO SÉRIO
Inicialmente, a AIM apenas pretendia aferir o impacto da visita do estadista moçambicano na atitude dos residentes, quando para o seu espanto, durante a conversa alguns dos entrevistados asseveraram que o combate à pobreza será uma missão muito.
difícil, pois muitos “guruenses” detestam ver o próximo a progredir e a prosperar na vida.
“O HPI (Heifer Project International) é um projecto ligado à agricultura e que recentemente estava a distribuir cabritos nas localidades. Eles dão uma fêmea e um macho. Depois de procriarem, as crias devem ser entregues a uma outra família. No caso de cabeças de gado bovino, o HPI cede por empréstimo duas fêmeas e um macho. Após a sua reprodução estas cabeças devem ser devolvidas para beneficiarem uma outra família e assim por diante”, explicou um dos entrevistados, para de seguida afirmar que esta iniciativa poderá estar condenada ao fracasso, pois as crias poderão morrer ou ficar estéreis.
De seguida, a AIM perguntou se, eventualmente, uma outra pessoa estranha à região tomasse a decisão de se estabelecer neste distrito, também correria os mesmos riscos no caso de conseguir uma oferta no âmbito do projecto da HPI, uma organização não governamental.
Será que as fêmeas dessa pessoa também não se iriam reproduzir?, questionámos.
“Depende da zona em que essa pessoa quiser se estabelecer. Se não existir ódio você pode-se estabelecer à vontade, e sem nenhum problema. É por causa do ódio e da inveja que existe aqui na sede do distrito que é difícil ver uma casa com cabritos. Quando alguém tem cabritos isso acaba criando um sentimento de ódio no vizinho (que não cria cabritos), razão pela qual ele acciona um mecanismo (feitiçaria) para inviabilizar o projecto do seu vizinho de forma a deixar de ter esses cabritos”, disse um dos entrevistados, explicando que “também podem dar um veneno para matá-los, ou invadir o curral para roubá-los.
Por mais estranho que pareça, um cabrito custa em média entre 600 a 700 meticais em Guruè, uma região em que o gado deveria ser uma das principais fontes de rendimento.
Para melhor esclarecer o caso, perguntámos de seguida: mas se o vizinho não quiser trabalhar, será o mesmo que não deixa os outros progredir na vida porque ele é preguiçoso?
“Sim foi a resposta dos entrevistados em uníssono, explicando que esse é o maior problema.“Não é bem assim. Eles não se recusam a trabalhar. O verdadeiro problema é a falta de emprego”, disseram ainda.
Mas como resolver esse problema?, questionámos.
A resposta foi: “Não temos outra maneira. A saída que existe é uma maior intervenção do Governo, aconselhando constantemente a população e a conceder um maior apoio ao distrito.
Insistindo, perguntámos se essa situação afecta apenas o distrito de Guruè ou toda a Zambézia.
Como resposta, os entrevistados disseram que existem algumas regiões que estão livres deste problema, citando como exemplo o distrito de Morrumbala.
“Por exemplo, em Morrumbala é difícil roubar cabritos. Eles deixam cabritos pastar livremente, sem o receio de acontecer qualquer tipo de mal aos seus animais.
Mudando um pouco de tom da conversa, questionámos se ocorriam de “feitiçaria” na actividade agrícola.
“Sim, também acontecem. Mesmo quando existe muita chuva você pode não colher nada”, foi a resposta.
“Se o jornalista vê milho a crescer é porque existe uma “guarnição” naquela machamba, do próprio dono, do camponês”, explicou um dos interlocutores.
Segundo as fontes, não existe nenhum problema em solicitar um terreno em Lioma (um dos postos administrativos de Guruè) e requerer um terreno para abrir uma machamba.
“Você vai semear milho que depois de germinar bem você vai pensar que vai ter uma boa colheita de milho”, contou.
Contudo, explicou um dos entrevistados, “vai chegar uma fase em que toda a sua cultura vai começar a murchar sozinha, até ao ponto de não ganhar nada quando chegar a época da colheita”.
Porém, era muito difícil compreender esta situação, razão pela qual quisemos ouvir dos próprios residentes uma proposta para o combate à pobreza que, aliás, era o objectivo principal da “Presidência Aberta”, que já o levou a escalar nas últimas semanas as províncias de Niassa, Nampula, Cabo Delgado, Zambézia e Tete.
Para acabar com o problema é preciso arranjar emprego para toda a gente, foi a resposta.
“Essa história de inveja surge porque existem pessoas que trabalham enquanto outras estão desempregadas. Por isso, existe ódio. Portanto, se todas as pessoas estivessem a trabalhar ninguém teria tempo para pensar em maldade”, acrescentou um dos intervenientes.
Para melhor elucidar, o grupo citou como exemplo o caso das machambas.
“A extensão de uma machamba depende da força de cada um. Existem pessoas que podem abrir uma machamba com uma área de 1,5 ou dois hectares. Mas também existem outros com força para abrir uma extensão de 8 a 10 hectares”, explicaram.
Então, aquele que abriu uma machamba com mais ou menos 1,5 hectare acaba por se sentir mal, porque ele sabe que o seu vizinho tem a possibilidade de fazer uma maior. Então, é a partir daí que começam a surgir problemas e ódio, acrescentaram.
Um outro interveniente explicou ter adquirido um aparelho de vídeo e um gerador de energia para abrir um vídeoclube sua casa.
“Mas não estou a conseguir avançar por causa do ódio. O gerador começou a ter problemas. Posso abastecê-lo, mas o mesmo recusa-se a funcionar. Quando estou apenas com os meus filhos, o gerador funciona sem nenhuma deficiência. Mas quando o videoclube, o mesmo recusa-se a arrancar. Esse é o problema de ter vizinhos que não fazem nada. É um problema muito sério”, desabafou.
Resistimos a desarmar, razão pela qual voltámos à carga perguntando:
Mas aquilo que o Presidente disse no comício – contra a feitiçaria, inveja e ódio – será que vai resultar?
“Não vai resultar!”, foi a resposta do grupo em uníssono.
“Não vai resultar. É um problema sério, sobretudo aqui na Zambézia”, acrescentou o grupo.
Mesmo assim, continuámos a matutar no caso, razão pela qual acabámos por interpelar Nelson Armando, líder comunitário (régulo) de Namacala, uma região localizada a cerca de 15 quilómetros de Guruè.
Ao régulo de Namacala, que também participou no comício orientado por Guebuza, colocámos exactamente as mesmas questões que apresentámos anteriormente ao grupo.
"Existem pessoas que vão aos curandeiros para tratar a sua machamba. Até porque é possível encontrar uma pessoa (fantasma) de pé em muitas machambas”, referiu, acrescentando que a solução para o problema da feitiçaria talvez é aquilo que o Presidente disse, quando apelou para um maior diálogo entre as pessoas.
Esta é uma terra muito rica, disse o régulo, explicando que aqui sai muito feijão manteiga, milho e mapira.
“Aqui é possível semear tudo”, rematou.
Como proposta, aquele responsável comunitário sugere que para acabar com todos estes problemas o Governo devia convocar uma reunião geral com todos os régulos e secretários a nível do distrito.
É verdade que Guebuza abordou o problema de feitiçaria e inveja, mas os “guruenses” queriam ouvir mais. Querem uma maior intervenção do Presidente da Republica, pois o medo, ódio e inveja estão a travar o desenvolvimento deste distrito potencialmente rico.
Refira-se que o problema de feitiçaria não se restringe ao distrito de Guruè, pois afecta todo o país e mesmo muitas regiões do Continente Africano e do resto do mundo, tais como a Ásia e América do Sul e América Latina.
Independentemente das crenças de cada um de nós, este é um problema que não será resolvido apenas com uma simples retórica materialista, pois no nosso caso concreto, Moçambique, faz parte da nossa cultura, sendo também uma prática milenar.
Por isso, urge a tomada de outras soluções mais pragmáticas, exequíveis e funcionais, como bem tentou o Chefe do Estado moçambicano demonstrar durante o seu discurso em Gúruè e na maioria dos distritos que escalou durante a “Presidência Aberta”, apelando ao diálogo e solidariedade entre os cidadãos.
Urge ainda apelar e educar aos que (se) de facto possuem esses poderes “sobrenaturais” a usá-los para o bem de toda a sociedade e não para prejudicar o povo.- ELIAS SAMO GUDO, da AIM