Por Fernando Manuel
Pode parecer uma metáfora mal amanhada, mas na verdade não é: Palmeira, uma pacata vila a cerca de 100 quilómetros a norte de Maputo, ao longo da Estrada Nacional número 1 tem no arroz o seu pai biológico.
É difícil, quase impossível, dissociar a história desta vila com o arroz de Chókwè ( vila Trigo de Morais). Tal como o é com a majestosa palmeira que durante décadas - morreu de velhice nestes nossos dias - sobranceira à estrada, deu o nome à vila, ainda nos anos 40 do século passado.
Mas, na verdade, o nascimento da vila deveu-se à vontade de um homem que soube conjugar todos esses factores, acreditou nos seus sonhos e arregaçou as mangas.
Este homem chegou à Palmeira com 27 anos de idade, quando todo aquele espaço “era inabitado”, como o recorda hoje o mais novo dos seus 4 filhos, Luís de Sousa, 52 anos. Estava-se no ano da graça de 1937 e o jovem dava pelo nome de Inácio de Sousa.
Foi ele que ergueu o ex-libris económico da vila: a fábrica de descasque de arroz, em 1940.
Pela morte do pai, em 1992 - dois anos antes morreu um irmão - Luís de Sousa tomou a direcção da fábrica, num informal colégio com as duas irmãs, uma das quais a viver em Portugal.
Luís de Sousa diz, sem alardes, que a fábrica processa em média 5.000 toneladas de arroz por ano “todo de Chókwè“. Mas já teve tempos em que processava até 21.000 toneladas. Foi na época dourada, há uns vintes anos. Depois tudo começou a cair em queda livre: a guerra, a falência do CAIL (Complexo Agro-Industrial do Limpopo) essa catástrofe. Emprega 250 trabalhadores “fixos”- na altura da campanha, por estes tempos de frio, o número “sobe muito com os trabalhadores eventuais “, a esmagadora maioria dos quais são mulheres.
O salário mínimo “é aquele que o governo estipulou “.
Da mesma forma que o nome de Inácio de Sousa se confunde com a história da fábrica, igualmente se confunde com a da própria vila: Angelina Cossa, 42 anos, dois filhos e trabalhadora na estalagem da Palmeira, propriedade dos Sousa, desde 2002, confere: “os meus pais sempre me disseram que antes da chegada do senhor Sousa tudo isto era mato a perder de vista, quase desabitado. Quem fundou a vila foi ele.“
Confrontado com esta versão, Luís de Sousa faz um sorriso de menino a quem se afaga o cabelo para premiar um gesto nobre.
Posto perante a realidade de que a morte está permanentemente a rondar o destino da tribo - primeiro foi o irmão em 1990, dois anos depois o pai e, mais recentemente, a mãe, Maria Odete, de quem Angelina Cossa diz que “era uma senhora muito bonita“.
“És o único homem que ficou” dissemos a Luís de Sousa, com quem conversámos na esplanada da estalagem da família, à berma da EN1 numa cinzenta manhã de sábado: “ se se der o caso de morreres…”
Ele interrompe, quase com impaciência:” isso não vem ao caso. Não se vai perder nada. Tenho as minhas irmãs. Tenho sobrinhos. Está tudo seguro”.
Embora a velha palmeira tenha morrido de velhice, a vila lá está, pacata, com as suas casas perfiladas ao longo da estrada, como acontece com todas as vilas de todo o país. Como se, cansadas de imobilidade num mundo de frenético e febril movimento, sonhassem com o dia em que a estrada as vai levar para algures. Para a fantasia!
SAVANA - 29.05.2009