MARCO DO CORREIO
Por Machado da Graça
Olá António
Escrevo-te hoje, que é um dia especial.
Um dia em que o nosso país faz anos. Comemora o aniversário da sua Independência.
Tu és jovem, António, e podes não dar o devido valor a esta data.
Mas a verdade é que, se não tivesse sido o 25 de Junho de 1975, tu hoje não serias moçambicano.
Serias português. Um português de segunda, sujeito às decisões tomadas a 10 mil quilómetros daqui.
Estás a imaginar? Custa a acreditar, não custa?
E, para isto mudar, para hoje sermos nós a decidir sobre a nossa vida, foi preciso que muitas pessoas dessem as suas vidas, porque o governo colonial/fascista português não estava disposto a dar-nos a liberdade que queríamos. Morreram muitos moçambicanos, naquela guerra estúpida, mas também morreram muitos jovens portugueses que para cá foram mandados, sem saberem ao que vinham e sem nenhuma vontade de fazer aquela guerra.
Foram os sangues misturados dos patriotas moçambicanos e dos soldados portugueses que cimentaram a boa relação que hoje existe entre Moçambique e Portugal.
Mas é bom que fiquemos claros sobre as diferenças que há entre o antes do 25 de Junho de 1975 e hoje.
Talvez te custe a acreditar, mas, mesmo aqui na cidade de Maputo, que antes se chamava Lourenço Marques, a maioria dos moçambicanos andava descalça. Com uma sola dos pés grossa, que o corpo criava para a sua protecção. Não era como hoje que toda a gente anda calçada, com pés normais como em todo o mundo.
E muita gente andava com roupas rasgadas, com um aspecto de mendigos.
Os subúrbios eram lugares sem ruas como deve ser e as pessoas viviam em casas de caniço, que pouco protegiam contra o calor e o frio.
Se entravas num banco, ou numa repartição do Estado, todos os trabalhadores eram portugueses brancos.
Qualquer trabalho, de capataz de obras para cima, era reservado aos portugueses. Para os moçambicanos ficavam apenas os trabalhos mais miseráveis, miseravelmente pagos.
Só nos últimos anos da presença do colonialismo português em Moçambique é que foi criada a primeira universidade. E, mesmo essa, era praticamente só para os filhos dos colonos.
Há dias ouvi dizer que, neste momento, há 37 escolas de nível superior no nosso país. É uma diferença tremenda, não é?
Quando os portugueses se foram embora, e foram quase todos ao mesmo tempo, iam com a ideia de que Moçambique se ia afundar rapidamente no caos.
Pois a verdade é que não afundou. É que estamos aqui hoje, vivendo melhor do que se vivia naquele tempo e com perspectivas de se viver muito melhor ainda.
Tudo isto construído pelas nossas mãos e com a ajuda dos nossos amigos. Mas, sobretudo, com as nossas mãos.
Quando os portugueses, que se foram embora na Independência, cá voltam agora, ficam espantados com o desenvolvimento do país. Alguns começam a
pensar em voltar para cá.
Porque conseguimos criar uma sociedade em que a vida é agradável, sem grandes tensões e sem grandes conflitos.
Nós, os mais velhos, atravessámos todo esse período turbulento até chegar aqui.
Os jovens, da tua geração, já encontraram as coisas mais ou menos como estão agora.
Podes-me dizer que, ainda hoje, as dificuldades e os problemas são enormes. E é verdade.
Fico contente por dizeres isso, pois é sinal de que tu e a tua geração estão conscientes de que ainda é necessário lutar muito para melhorar a vida de todos.
É uma luta diferente da dos moçambicanos que pegaram em armas (espingardas, pistolas, canetas, papel...) para lutar pela Independência Nacional.
Mas cada geração tem a sua luta e essa é a vossa, agora.
Espero que daqui a 34 anos possas estar tão orgulhoso do resultado dessa luta como estamos nós hoje, os velhotes, da nossa.
E vai educando os teus filhos e netos para a ideia de que esta luta não termina nunca e há sempre novos objectivos a atingir para melhorar a vida de todos os moçambicanos.
Um bom 25 de Junho, António, e não te esqueças nunca de que A LUTA CONTINUA!
Um abraço do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ -26.06.2009
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