Nas ruas de Teerão e de outras cidades iranianas, milhares de manifestantes mantêm-se firmes na sua determinação de revogar o que já é tido como batota eleitoral. Não obstante a onda repressiva desencadeada pelos senhores no poder, que se saldou na morte de oito manifestantes, na prisão de dirigentes da oposição e no encarceramento de jornalistas, os iranianos, representando a vontade da maioria do eleitorado, vítima de burla a 12 de Junho, não arredam pé.
Em cada hora que passa, multiplica-se o número de pessoas apinhadas em locais públicos. Não obstante a expulsão de correspondentes estrangeiros e o coarctar da livre actividade jornalística no país, as cadeias de televisão de todo o mundo recebem, em cada minuto que passa, imagens difundidas por vulgares cidadãos através de telefones celulares dando conta do estoicismo de todo um povo que se recusa a ser ludibriado por aparentes falcatruas nas urnas.
Contra todas as previsões, Mahmoud Ahmadinejad declarou-se vencedor com maioria absoluta num escrutínio tido unânime e cristalinamente como fraudulento. O regime de Teerão, perante o avolumar, como bola de neve, dos protestos, cedeu às pressões. A comissão eleitoral iraniana aceitou “investigar” 646 reclamações apresentadas pelos três candidatos às eleições para a presidência da República.
O cenário que está a ganhar corpo no Irão tem como pano de fundo uma situação que não é estranha aos moçambicanos e que se prende com a falta de transparência dos processos eleitorais que passaram a realizar-se em Moçambique na sequência do Acordo de Paz de 1992 e que estabeleceu os parâmetros de uma verdadeira democracia na nossa Pátria, libertada em 1975 do jugo do colonial-fascismo para logo de seguida ser acorrentada a novas formas de tirania política em que o regime no poder foi disfarçando a natureza do seu projecto totalitário com caricaturas de Parlamento, constituído por «yes men», que tinham a particularidade de votar, sempre em uníssono, leis que já haviam sido postas em prática, algumas delas com repercussões graves para a imagem do nosso país.
Numa altura em que a opinião pública mundial se solidariza com o defraudado povo iraniano, em Moçambique a bancada do regime representado na Assembleia da República acaba de chumbar um projecto de lei apresentado pelos deputados da oposição. Escorado num recente parecer do Conselho Constitucional, que recomendava maior transparência na realização dos pleitos eleitorais, em face das graves irregularidades e actos deliberados de fraude e batota, o projecto-lei da Renamo-União Eleitoral defendia uma fiscalização mais consequente do processo de contagem e de contabilização dos votos arrecadados por cada candidato. Chumbaram a proposta aqueles a quem não interessa jogar claro, sem rasteiras, sem subornos, sem viciações de dados e sem manipulações contabilísticas.
Está pois, aberto, caminho para manobras eleitorais em que não admira que de novo até os mortos votem como sucedeu nas últimas eleições gerais, por exemplo em Tete. Semque haja matéria legislada como recomendou o Conselho Constitucional a que a bancada do Partido Frelimo acaba de fazer ouvidos de mercador, todo o cuidado, se já era pouco, há medida que o tempo passa pode-se antever o que será.
Perante este revês, a oposição precisa de se compenetrar de uma vez por todas, que deve estar à altura de manobras que desde já se começam a desenhar para Outubro. Nas últimas eleições autárquicas viu-se o que sucedeu no Gurué, na Beira, e em Nacala, para mais não falar.
A vigilância que assegurou a vitória da oposição em plebiscitos já realizados, tem de ser replicada por cada um dos círculos eleitorais, por cada assembleia de voto. E é com base em factos que a legitimidade democrática dos protestos em curso no Irão assenta. São naturalmente protestos consubstanciados por evidências que resultaram do próprio escrutínio. Resultaram de muito cuidado e cerrada monitorização. Sendo assim, em vez de se degladiar, a oposição em Moçambique deve tirar do chumbo que ontem aconteceu na Assembleia da República, as devidas ilações.
Em Outubro, o eleitorado deve ir às urnas com dois objectivos claros em mente: exercer um direito soberano de forma livre e transparente, com a possibilidade de fazer como os iranianos, indo para as ruas contestar de peito aberto os usurpadores do poder caso se torne claro e se prove ter havido batota. Para isso é preciso antes que haja organização para que não falhe a recolha de um único edital nem de uma única acta seja de qual for a
assembleia de voto do País.
Contudo, a esperança de que nada do que se está a passar no Irão aconteça entre nós, faz-nos acreditar que em Outubro irá prevalecer o bom senso. Os sinais que começam a surgir, no entanto, não são bons.
O chumbo do projecto-lei da Renamo-União Eleitoral que defendia uma fiscalização mais consequente do processo de contagem e de contabilização dos votos arrecadados por cada candidato, é um mau presságio. Acresce a esse mau sinal que ontem nos chegou do Parlamento e que sugere que pode vir aí tempestade, as avarias das máquinas dos postos de recenseamento e outros episódios estranhos que são da clara responsabilidade de um STAE que começa a revelar-se mais uma vez cúmplice do partido do governo.
Para que essas veleidades do STAE não se avolumem e até terminem imediatamente seria confortante para a cidadania que se visse a CNE agir publicamente para por termo às contravenções incontestáveis do processo de actualização do recenseamento eleitoral. Mas não é isso que está a suceder.
Já no processo de recenseamento que se iniciou dia 15 se estão a afastar potenciais eleitores da mais nobre acção cívica a que deve aspirar um cidadão – votar. O que nos espera mais daqui em diante até ao escrutínio?
À CNE pede-se intervenção desde já para que não perca ela mesma, esta primeira oportunidade soberana neste processo para se credibilizar.
Uma CNE credível é meio caminho andado para que o que se está a passar no Irão não aconteça entre nós.
Se ao mau sinal difundido ontem pela bancada da Frelimo na Assembleia da República, em pleno período de pré-campanha eleitoral, se juntar uma CNE apática e tendenciosa a dar sinais também de cumplicidade, o País pode perder uma, se não mesmo a última oportunidade de se manter tranquilo.
Esperamos sinceramente que não se comece já a deitar tudo a perder.
Precisamos como de pão para a boca, de Paz e sossego. Que não sejam as próprias instituições a deitar a perder tudo o que este País já construiu!
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 19.06.2009