A CONCLUSÃO das obras da Linha de Sena, que liga a cidade portuária da Beira à vila carbonífera de Moatize, incluindo os ramais Inhamitanga/Marromeu e Dona Ana/Vila Nova de Fronteira com Malawi, prevista para 30 de Setembro próximo, poderá estar comprometida pelo descarrilamento de um comboio de serviço registado na passada terça-feira na ponte sobre o rio Chitsadze, no posto administrativo de Inhamitanga, distrito de Cheringoma, em Sofala.
Em consequência deste acidente, uma quantidade elevada de material que se destinava à empreitada no trajecto Doa/Moatize como carris, travessas de betão armado, cimento, combustível, entre outros, ficou reduzida a cinzas.
A ponte sobre o rio Chitsadze também ficou parcialmente danificada, exigindo, por conseguinte, obras de grande engenharia, a avaliar pelo estado em que se encontra e para permitir uma maior segurança na circulação do tráfego ferroviário. Para reposição de emergência, mais de 150 trabalhadores foram mobilizados das quatro diferentes brigadas da via.
Este constrangimento, associado ao frequente adiamento da conclusão do projecto por parte do empreiteiro indiano denominado RICON, um consórcio formado pelas firmas RITES e IRCON, veio cada vez mais comprometer as obras em curso.
Referiu que três locomotivas estão retidas do lado de Doa e a quarta acidentada encontra-se na estação ferroviária de Inhamitanga. A inactividade destas máquinas representa neste momento um elevado prejuízo para as obras da Linha de Sena que compreende uma extensão total de 673 quilómetros.
Dos trabalhos executados de Setembro de 2004 a esta parte apenas faltam 150 quilómetros, concretamente entre Doa e Moatize. Também terminou a recuperação da linha entre Inhamitanga/Marromeu, faltando apenas o ramal Doa Ana/ Moatize, num raio de 44 quilómetros.
No dizer ainda de Belinho Alfredo, o projecto em alusão enfrenta igualmente problemas relacionados com aquilo que chamou de excessiva carga horária sem a devida remuneração, facto que aparentemente desmotiva o empenho da massa laboral.
Por outro lado, conforme observámos no terreno, nem todos os trabalhadores estão equipados com material de segurança no trabalho como botas, luvas, máscaras e fardamento.
DESCRIÇÃO DO ACIDENTE
Testemunhas oculares, autoridades administrativas do distrito de Cheringoma e os trabalhadores da CCFB descrevem que o descarrilamento do comboio entre 19 e 20 horas na passada terça-feira surpreendeu a tudo e todos.
O sinistro ocorreu exactamente entre uma apertada curva que se apresenta com uma rotação de 60 graus e a ponte sobre o rio Chitsadze que dista a cerca de 15 quilómetros da vila ferroviária de Inhaminga. A avaria do sistema de travões da locomotiva terá começado na chamada zona de Santafé, tendo o comboio percorrido aproximadamente 30 quilómetros com 19 vagões à deriva e com apenas dois mantidos engatados na máquina.
O comboio passou pela vila de Inhaminga em situação de emergência, com uma velocidade calculada em 100 Km/h e com apitadelas à mistura. O facto surpreendeu mesmo os estudantes do curso nocturno e toda a comunidade, tendo marcado presença em peso nas ruas para “in loco” acompanharem o episódio que na altura se registava, conforme nos contou o administrador de Cheringoma, Ricardo Guilande.
Infelizmente, segundo Domingos Manuel, trabalhador da CCFB e sobrevivente do sinistro, os ocupantes não se aperceberam do perigo iminente que corria contra a sua vida e, porque era noite, todos estavam a dormir, sendo bruscamente acordados por uma estrondosa explosão. Afinal, estavam a descarrilar 19 vagões!
Foram prontamente descobertos três mortos entre os destroços de vagões arrasados e quatro pessoas ficaram gravemente feridas. O número de vítimas subiu para sete com a suspeita no local do sinistro da existência ainda de dois corpos entre os destroços a avaliar pelo cheiro, para além de um perecido no Centro de Saúde de Inhaminga e outro que chegou sem vida ao Hospital Central da Beira durante o processo de evacuação.
Dos 19 vagões que tombaram, cinco transportavam cimento e os restantes levavam combustível, travessas de betão armado, carris, pendrol, entre outros materiais que ficaram completamente destruídos.
Fontes do comando distrital da PRM em Cheringoma confidenciaram-nos que depois do acidente a tripulação percorreu 15 km entre Chitsadze e Inhaminga, tendo apenas chegado ao destino pela madrugada adentro.
Numa acareação dos factos com a Lei e Ordem, o maquinista teria primeiro prestado falsas declarações ao revelar que se tratasse de accionamento de minas, mas depois de alguma insistência viria a repor os factos.
Segundo Belinho Alfredo, o acidente pode ter sido provocado pela negligência de alguns funcionários seniores em serviço na data do acidente no comando da CCFB na estação ferroviária do Dondo.
Alfredo revelou que a tripulação teria sido antecipadamente alertada de que a locomotiva D150 destacada na altura sempre apresentou problemas mecânicos de travagem, além de que vinha de uma reparação e não oferecia segurança para uma longa viagem como a de Dondo a Doa.
Inicialmente tinha sido acatado este alerta, chegando mesmo a se preparar a locomotiva 005. Contra todas as previsões, a ideia viria a ser reprovada, mantendo-se a locomotiva problemática, ainda segundo nos revelou o supervisor de soldadura da CCFB, Belinho Alfredo. Como se não bastasse, o forgão que normalmente anda equipado de um sistema de travagem de emergência não dispunha deste sistema por motivos desconhecidos.
Para flexibilizar a remoção dos destroços, entretanto, já se encontra no terreno uma grua robusta proveniente da vizinha província de Manica para auxiliar outra de menor dimensão envolvida nesta operação, sendo que os trabalhos poderão terminar ao longo desta semana, segundo as previsões.
Depois disso, serão avaliados os prejuízos materiais e seguir-se-á a reconstrução da via numa extensão de aproximadamente dois quilómetros prevendo-se que os trabalhos possam durar acima de um mês.
DESTINO DAS VÍTIMAS
O administrador de Cheringoma, Ricardo Guilande, revelou em exclusivo ao “Notícias” que depois do acidente a CCFB assumiu todos os encargos das cerimónias fúnebres e do transporte das vítimas para unidades sanitárias.
Disse que os três mortos e quatro feridos registados no primeiro dia do acidente no terreno foram imediatamente depositados na morgue e internados nas diferentes enfermarias do Centro de Saúde de Inhaminga.
Depois disso, foram disponibilizadas urnas e transportados os corpos para lugares de sua proveniência como Manica, Beira e Muanza, enquanto os feridos foram evacuados para o Hospital Central da Beira.
Conforme soubemos, o acto foi igualmente testemunhado pela Direcção da empresa de Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique, nomeadamente o administrador Adelino Mesquita, o director-executivo centro daquela firma, Joaquim Veríssimo, entre outros quadros seniores daquele sector do Ministério dos Transportes e Comunicações.
IMPORTÂNCIA DA VIA
A Linha de Sena faz parte do Sistema Ferroviário da Beira juntamente com a de Machipanda, absorvendo paraa sua restauração física um investimento na ordem de 230 milhões de dólares norte-americanos, dos quais 110 milhões provêm do Banco Mundial e os restantes do fundo dos accionistas e empréstimos.
Em termos socioeconómicos, a via joga um papel deveras importante no desenvolvimento nacional e regional da África Austral. Alguns países sem acesso directo ao mar têm nela a única alternativa como o Malawi, Zâmbia, Tanzania e RD Congo.
Só para ilustrar, enquanto as obras da sua reabilitação caminhavam para a rota final, na vila carbonífera de Moatize foi já criado um espaço para a instalação de um porto seco, sendo que os despachantes aduaneiros ocuparam todo o espaço reservado para esta actividade do transporte de mercadorias através do sistema de baldeamento da carga de comboio para viaturas.
Entre as firmas presentes no terreno destacam-se algumas instituições zimbabweanas que exploram mármore, para além de alguns operadores malawianos do transporte de cabotagem e da Companhia brasileira denominada Vale do Rio Doce no transporte do carvão mineral de Moatize para o mercado internacional através do Porto da Beira.
Além disso, a Linha de Sena integra um projecto-âncora no impulsionamento do vale do Zambeze no transporte do calcário de Muanza para a fábrica Cimentos de Moçambique no Dondo, as madeiras de Cheringoma, o açúcar de Marromeu, o algodão de Caia, os cabritos de Chemba, o gado bovino de Mutarara, as galinhas de Morrumbala, entre outros.
Ao longo da via começam a surgir casas de alvenaria, diversas cantinas rurais, expansão de energia eléctrica, redes sanitária e escolar, furos de água e outras infra-estruturas básicas.
De acordo com a cronologia dos trabalhos de reabilitação da Linha de Sena, o comboio de passageiros deve circular à medida que for concluído cada troço. Foi assim que em Novembro passado a locomotiva voltou a apitar entre Beira e Marromeu, depois de 26 anos de completo abandono e interrupção da via por motivos relacionados com o passado conflito armado no país.
Com a reactivação deste tipo de transporte de passageiros, todos os viajantes respiravam de alívio. Entretanto, contra todas as previsões, o comboio voltou a ser interrompido “sine die”, reeditando-se assim o velho problema da crise de transporte de que a região sempre se ressentiu.
Consequentemente, o transporte rodoviário voltou a ser o único meio preferencial com pessoas penduradas por cima de camiões, porque, devido ao deficiente estado da chamada estrada Dondo/Caia as carrinhas de transporte semicolectivo de passageiros, vulgo “chapas”, não se atrevem a fazer-se à rua nesta via.
Para o administrador do distrito de Cheringoma, Ricardo Guilande, o descarrilamento do comboio na sua área de jurisdição criou imensas dificuldades na livre circulação de pessoas e bens, representando, acima de tudo, um grande retrocesso para a economia nacional, mormente no cumprimento do calendário da conclusão das obras na Linha de Sena.
Referiu que as pessoas já estavam habituadas a viajar nos fins-de-semana de comboio, mas com o acidente verificado criou-se imensa desvantagem principalmente na vida das comunidades circunvizinhas da via pelo facto de ainda não haver qualquer data indicada para a retomada do transporte de passageiros.Ao longo da estrada Dondo/Inhaminga observava-se, entretanto, a concentração de muita gente com o intuito de viajar de comboio. Localizada numa zona potencialmente florestal, os caçadores furtivos aliaram-se a esta chance, colocando os seus produtos aos consumidores em grande quantidade.
Segundo Bernardo Martinho, praticante desta actividade ilegal na zona de Mazamba, a paralisação do comboio de passageiros proporcionou alguma oportunidade na venda da carne de caça e dos produtos da primeira necessidade nas barracas implantadas ao longo da via.
Alguns automobilistas oportunistas também “explodem” de alegria com este tipo de sofrimento, transportando passageiros até mesmo acima da lotação. Tudo isso, conforme apurámos no terreno, acontece porque os passageiros foram apanhados de surpresa, pois a empresa concessionária do Sistema Ferroviário da Beira manteve-se em silêncio absoluto desde o registo deste acidente.
O problema de fundo, com este tipo de violação do direito do povo à informação, é que não se pretendia alarmar o país inteiro com o registo de mortes e feridos neste descarrilamento do comboio.
PLANOS FRUSTRADOS!
Conforme anunciámos em edições anteriores, a CCFB projectava para Agosto próximo a reintrodução do comboio de passageiros no trajecto Beira/fortaleza da vila de Sena. Para já, esta intenção está completamente comprometida podendo vir a acontecer mais tarde.
A vila de Sena foi e continua a ser um principal entreposto comercial ao longo do vale do Zambeze. Operadores do ramo comercial manifestaram-se deveras optimistas com o anúncio da circulação do comboio de passageiros para a data inicialmente prevista.
Muitos comerciantes chegavam a transportar pequenas mercadorias no comboio de serviço, facto que reduzia o preço de produtos no terreno. Com este incidente, tudo indica que a vida poderá efectivamente atingir contornos preocupantes.
Tomás Nsangaze, comerciante baseado em Sena, apontou que teve oportunidade de despachar alguma mercadoria com recurso a comboio de serviço. Esta situação, segundo ele, constituiu, na altura, um certo alívio, se se considerar que no transporte rodoviário a cobrança é relativamente exorbitante, oscilando entre dez e 15 mil meticais o aluguer de uma camioneta entre Beira e Sena, numa distância de 320 Km.
Entretanto, para a zona que estava contemplada com a circulação do comboio de passageiro, por exemplo, em Inhaminga, a vida das comunidades melhorou significativamente.
Querino Uaene, ligado ao comércio geral na vila de Inhaminga, confessou à nossa Reportagem que a circulação do comboio de passageiros no troço Beira/Marromeu aumentou o poder de compra, tendo superado as expectativas dos operadores deste ramo na região.
Referiu que a sua receita diária tinha triplicado, tendo caído nos últimos tempos devido ao descarrilamento do comboio.
“Já sentíamos um impacto positivo na circulação de comboios pela Linha de Sena, mas com este acidente tudo voltou a complicar-se para todos nós”- lamentou, renovando votos de esperança de que o tráfego ferroviário seja reaberto o mais cedo possível.
- Horácio João