Ao reprovar projecto de lei de Observação Eleitoral
Realizados 6 escrutínios (entre gerais e autárquicas) no País desde o advento da democracia multipartidária em Moçambique, persiste ainda a ausência de uma lei aprovada pela Assembleia da República que regulamente a observação eleitoral, sendo esta, por consequência, regulamentada por deliberações que são sucessivamente produzidas pela Comissão Nacional de Eleições. A situação já mereceu recomendação do Conselho Constitucional para que “o legislador regule a matéria (de observação eleitoral) por Lei”. No entanto, ontem a bancada parlamentar da Frelimo rejeitou projecto de lei de observação eleitoral, proposto pela Bancada da Renamo-UE, perpetuando deste modo a inexistência de uma lei específica que regulamente a observação eleitoral, descartando-se desse modo das recomendações do Conselho Constitucional.
Por força da ditadura do voto da bancada maioritária – Partido Frelimo – a Assembleia da República reprovou ontem o projecto de lei de observação eleitoral, proposto pela bancada da oposição, Renamo-União Eleitoral. Aliás, quem acompanha o funcionamento do Parlamento moçambicano já esperava que a proposta da bancada da oposição fosse rejeitada pelos deputados da bancada do partido governamental, e consequentemente reprovada pelo plenário da Assembleia da República. Só que ao reprovar este projecto de lei, a Assembleia da República descartou-se das recomendações emanadas pelo Conselho Constitucional (produzidas no acto da validação dos resultados das últimas eleições autárquicas) que orientavam no sentido da adopção de uma lei directa que regulamentasse a matéria de observação eleitoral, em substituição do regulamento em vigor, produzido pela Comissão Nacional de Eleições.
Recomendações do CC
O projecto da lei ontem debatido pelo plenário da AR e chumbado pela Frelimo é fundamentado pelo seu proponente, Renamo-UE, como sendo segmento das recomendações do acórdão nº 02/CC/2009, do Conselho Constitucional, o mesmo que validou as eleições autárquicas de 19 de Novembro do ano transacto.
Dentre várias recomendações emanadas por aquele órgão de soberania, referiu-se à necessidade da matéria de observação eleitoral passar a ser regulada por lei, e não por regulamentos produzidos pela Comissão Nacional de Eleições, como acontecia e continua a prevalecer actualmente.
“Dada a natureza e conexão da observação com princípios constitucionais e convencionais fundamentais, deve-se ponderar a vantagem do legislador ultrapassar definitivamente a solução até agora adoptada e estabelecida no artigo 184 da Lei Eleitoral, que é a de se remeter esta matéria para a competência regulamentar da CNE, e considerar a possibilidade de a mesma matéria ser regulada por lei, directamente, pelo menos nos seus princípios ou elementos essenciais”, recomenda o CC na página 24 do acórdão referido.
O Conselho Constitucional clarificou ainda mais as suas recomendações: “Quer dizer que, no respeito da hierarquia das normas em função do objecto, e no interesse da segurança e estabilidade que é desejável consolidar nesta matéria, passaria a constar de lei o essencial do Regulamento ora adoptado pela CNE. Deste modo, a CNE ficaria apenas com a competência de garantir a implementação desses princípios (de observação eleitoral) ”, lê-se no acórdão do CC sobre as autárquicas de Novembro de 2008.
Actualmente a observação eleitoral é regulamentada pela Deliberação nº 108/CNE/2008, da CNE, pelo que é designado por Regulamento de Observação Eleitoral. Consagra um único regulamento para todas as eleições, juntando os anteriores regulamentos, nomeadamente Deliberação nº 48/2003 que aprovou o regulamento de observação para as eleições autárquicas, e a Deliberação nº 36/2004, que aprovou outro regulamento para observação das eleições gerais.
Entretanto, a bancada proponente do projecto de lei, ora chumbado pelo Parlamento, justificou que o fez à luz das recomendações do CC e doutros princípios legais nacionais, regionais e internacionais.
As manobras da Frelimo
Sem factos para sustentar a rejeição do projecto da lei de observação eleitoral, os deputados da bancada do partido governamental foram procurando manobras para justificarem o seu posicionamento.
No parecer da Comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e de Legalidade, presidida pela Frelimo, a posição dos deputados da Frelimo é de que “a Renamo está a propor “regras já estabelecidas em instrumentos normativos adoptados pela CNE”, referindo-se às deliberações 51/CNE/2008 e 108/CNE/2008, que regulamentam a observação eleitoral.
Entretanto, é exactamente a alteração deste quadro que o Conselho Constitucional recomenda no seu acórdão 02/CC/2009. O CC diz que “Dada a natureza e conexão da observação com princípios constitucionais e convencionais fundamentais, deve ponderar-se a vantagem de o legislador ultrapassar definitivamente a solução até agora adoptada e estabelecida no artigo 184 da Lei Eleitoral, que é a de se remeter esta matéria para a competência regulamentar da CNE, e considerar a possibilidade de a mesma matéria ser regulada por lei”.
A Frelimo procurou não entender esta recomendação do CC. Por exemplo, Ana Rita Sithole, deputada da Frelimo, pediu a palavra para dizer que “o Conselho Constitucional salienta no seu acórdão ser inquestionável que com a aprovação daquele regulamento (de observação eleitoral), a CNE deu importante passo para a credibilização nacional e internacional dos processos eleitorais...”.
De facto, o Conselho Constitucional reconheceu que com a aprovação do regulamento de observação eleitoral se deu um passo importante, mas recomendou por fim que fosse adoptada uma Lei de Observação Eleitoral, ao invés de esta matéria continuar a ser regida por regulamentos da CNE. E foi precisamente essa tentativa de fazer aprovar a lei que o Conselho Constitucional recomendou que ontem a maioria parlamentar da Frelimo chumbou.
Frelimo rejeitou por ser proposta da oposição
“Se o projecto da lei de observação eleitoral proposto pela Renamo-UE é cópia do regulamento produzido pela CNE, que regulamenta a observação eleitoral, porque razão, então, a Assembleia da República não aprova este projecto para passar de regulamento para lei? E se o projecto apresentado pela oposição está ferido de irregularidades, porquê a Comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e de Legalidade (CAJDHL) não fez as devidas rectificações, pois tem competências para tal. E porquê os deputados da Frelimo optaram por rejeitar o projecto de lei, em plenário, ao invés de fazer as devidas rectificações das irregularidades constantes?” Estas questões foram levantadas pelo deputado José Monteiro, da Renamo-UE, que considerou que a Frelimo reprovou o projecto da bancada da qual ele faz parte, “por ter sido proposto pela oposição, enquanto a Frelimo nunca propôs lei alguma durante toda esta legislatura que está prestes a findar”.
“Ainda não é tempo para termos uma lei que regulamenta observação eleitoral”
O «Canal de Moçambique» abordou o presidente da Comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e de Legalidade, Alfredo Gamito, que é igualmente deputado da Frelimo, para responder a estas questões. Gamito respondeu que o projecto da Renamo foi rejeitado pelo facto de “ainda não ser tempo para se passar a matéria da regulamentação de observação eleitoral, que consta da deliberação e108/CNE/2008, da CNE, para uma lei produzida pelo parlamento”. Negava assim, claramente, as recomendações finais do Conselho Constitucional, que como já referimos neste artigo, realçam a necessidade da adopção de uma lei proveniente do Parlamento, que regulamente a observação eleitoral nos pleitos eleitorais em Moçambique.
(Borges Nhamirre) – CANAL DE MOÇAMBIQUE – 19.06.2009