Quando é opinião de muitos observadores que a ajuda internacional, da forma como está a ser conduzida ao país, está simultaneamente a servir para sufocar a democracia em Moçambique e a permitir a concentração de cada vez maior poder discricionário no governo do dia, suscitando isso, por seu turno, também melhores condições para que esse governo encoste os doadores à parede ao mesmo tempo que alarga o campo de manobras com todas as características de corrupção, alguns sinais são cada vez mais claros e desta vez vêm-nos de Viena. Virgínia Videira, que intervinha esta quarta-feira na capital austríaca, não deixou dúvidas de que nem todos os doadores estão a cumprir com alguns dos princípios acordados em 2005, que entretanto se terão revelado perniciosos. Isso não está a agradar ao governo da Frelimo.
Por via da Declaração de Paris, de 2005, assinada por mais de cem países, chegou-se à cumplicidade entre os doadores e a Frelimo mas agora nem sempre os tais princípios estão a ser seguidos. Foi o que se depreendeu da intervenção da presidente da Comissão de Plano e Orçamento da Assembleia da Republica, a deputada pela Frelimo, Virgínia Videira, no seminário sobre o diálogo Norte-Sul, quarta-feira, no parlamento austríaco, em Viena. E o facto dos tais princípios não estarem a ser agora seguidos por todos está a desagradar a Frelimo.
Tal como são os factos, na Declaração de Paris os doadores se comprometeram a financiar directamente os orçamentos dos Estados, designadamente o Orçamento Geral do Estado (OGE) moçambicano. Isso tendo em vista garantir maior liderança na definição das políticas e estratégias de desenvolvimento, através de processos consultivos amplos. Os doadores apareciam a contribuir para se respeitar as lideranças e reforçar as suas capacidades. Outro compromisso assumido pelos doadores foi a harmonização das acções dos doadores.
Ora, a prática mostra agora que isso constitui um nó de estrangulamento ao reforço e estabilização da sociedade civil e parece que por isso mesmo alguns países começam a afastar-se do método.
De acordo com Virgínia Videira, apesar do referido compromisso que os doadores não tem respeitado globalmente, a Frelimo pretende que todo o dinheiro de fora para os projectos de desenvolvimento seja canalizado directamente ao Orçamento do Estado e só então possa ser direccionado aos projectos-alvo. É, afinal por outras palavras, a Frelimo, ainda que de forma subtil, a dar mais um sinal da sua estratégia para conduzir o País para uma nova ditadura.
A prática que alguns doadores estão a querer abandonar, diminuiu, na realidade, a actuação das organizações não-governamentais estrangeiras no país e tornou a maioria das ONG´s nacionais beneficiárias, formas encapuçadas de partidarização do Estado pela Frelimo sob pretexto de serem a dita Sociedade Civil. Ao passaram a direccionar os fundos ao orçamento do Estado, em detrimento da sociedade civil, sabido que as organizações estrangeiras constituíam um dos principais suportes no fomento do emprego no país, é agora, passado algum tempo, notório como essa prática está a ajudar a sufocar a construção da democracia em Moçambique e a ajudar a concentrar o poder e a desenvolver a arrogância, a prepotência e a corrupção, como já se vai ouvindo das muitas lamentações que vão surgindo no seio da opinião pública, cada vez com maior intensidade.
A título de exemplo, a Cooperação Austríaca, que detinha um campo de actuação em Sofala, onde apoiava projectos sociais e a comunicação social, com o advento da Declaração de Paris em 2005, diminuiu em grande parte a sua influência na região.
O Governo, teoricamente, o que era suposto ter feito seria repartir estes fundos para o funcionamento do aparelho estatal, mas grosso modo, por via das doações, a elite política, como se depreende da gestão dos sete milhões de meticais nos distritos, na prática passou a beneficiar das verbas. Veja-se o caso dos célebres 7 milhões. Beneficiam administradores e alguns responsáveis do partido como se tem ouvido pelas denuncias feitas por intervenientes nas chamadas presidências abertas de Armando Guebuza. E por aí está visto que a ajuda internacional está a permitir que um grupo que se encontra agora no governo capture a sociedade civil através da centralização de fundos. Criou-se com a ajuda internacional a propensão para o clientelismo político e as organizações não-governamentais nacionais, ressentidas pelo seu estado de sustentabilidade deficitário, tocam a música de quem tem a faca e o queixo nas mãos. São ao fim e ao cabo os doadores a caírem na esparrela e a ajudarem a matar a democracia em Moçambique, em nome aliás da qual os contribuintes desses mesmos país aceitam que os seus estados desembolsem a ajuda.
A presidente do parlamento austríaco, Babara Prammer, afirmou e dessa forma concordou que não se impõe aos doadores a fiscalização de contas do Estado moçambicano, mas, sim, ao parlamento e à sociedade civil de Moçambique. Mas a prática mostra que a fiscalização do orçamento acaba por ser dominada por tendências emocionais e uma maioria comprometida com o aniquilamento de uma sociedade civil na verdadeira acepção da palavra. E está-se assim numa encruzilhada que ocorre num momento em que o Zimbabwe, por práticas semelhantes, tendo chegado onde chegou, está agora a beneficiar de ajuda dos Estados Unidos da América mas sem que essa ajuda passe pelo Governo. O que começa a ser uma esperança para a assumpção de uma real e autónoma sociedade civil, com uma palavra a dizer no futuro sobre a governação numa lógica de verdadeira democracia.
O seminário de Viena
Moçambique esteve representado no seminário em Viena pelos deputados Maria Virginia Videira, presidente da Comissão do Plano e Orçamento da Assembleia da Republica e Maria Angela Manjate (ambas da Frelimo) e Abel Gabriel Mabunda (relator daquela comissão e membro da Renamo-UE) e Manuesse Mocumbi, que se ocupa das relações internacionais ao nível parlamentar.
A Austria é um dos 19 doadores do orçamento do Estado moçambicano, tendo neste ano comparticipado com 4.543.858 dólares americanos (o equivalente a 122.142.080 meticais). Outros doadores são: Bélgica, Canadá, Dinamarca, Comissão Europeia, Finnlándia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Espanha, Suiça, Suécia, Inglaterra, Banco Mundial e Unicef. Todos juntos comparticipam no orçamento do Estado no valor global 334.877.306 dólares americanos.
O seminário em referência decorreu em várias sessões. A primeira incidiu sobre “a importância do impacto da cooperação para o desenvolvimento e o alcance dos objectivos globais do desenvolvimento milénio: o papel dos parlamentares no Norte e no Sul”. A segunda sessão tratou do suporte orçamental directo, prestação de contas e eficácia da cooperação internacional para o desenvolvimento. A terceira sessão foi sobre a experiência da eficácia da cooperação internacional e o papel do parlamento austríaco. A quarta sessão tratou da discussão sobre os desafios e obstáculos da eficácia da cooperação internacional.
Crise económica internacional não retrairá financiamento ao OGE
Virgínia Videira manifestou a preocupação do país quanto ao corte da ajuda orçamental neste período em que os países doadores debatem-se com a “Crise Económica Internacional”. Todavia, recebeu garantias dos doadores que se comprometeram a continuar a apoiar Moçambique. (Adelino Timóteo, Viena de Áustria) -. CANAL DE MOÇAMBIQUE - 26.06.2009