Ministério Público suspende acção contra advogados
* Uma forte onda de solidariedade contra as pretensões da PGR de Augusto Paulino levou à suspensão dos mandados
* O jurista, deputado e ex-director da PIC, António Frangoulis, acredita que houve tentativa de intimidação dos causídicos e questiona o procedimento do Ministério Público em relação ao caso. Fala de ter havido precipitação na emissão da ordem de captura
Na última sexta-feira, um grupo fortemente armado da Policia de Investigação Criminal (PIC), em grosseira violação do art. 63/3º da Constituição da República de Moçambique que proíbe tais procedimentos da forma como ocorreram, irrompeu pelo escritório de advocacia do Dr. Abdul Gani para o prender a ele e ao seu assistente alegadamente por terem patrocinado Charles Robert Smith, procurado pela Justiça Amerciana que se encontrava detido na 18.ª Esquadra da Policia, em Maputo, e acabou sendo solto pelas autoridades mediante argumentos legais esgrimidos pelos advogados. O Ministério Público não gostou que Gani e seu assistente tivessem arguido razões suficientes para que o seu constituinte fosse libertado da 18.ª Esquadra, e ao que tudo indica, por ordem ou pelo menos com o conhecimento do Procurador Geral da República Dr. Augusto Paulino, toca de os acusar de terem patrocinado a fuga do americano. Vai daí emitem mandados de captura contra o prestigiado jurista Abdul Gani e seu assistente Zainadine Jamaldine. Depois de várias peripécias, grande polémica e um movimento de solidariedade de advogados e sobretudo da sociedade civil, Gani já não chegou a ser preso e o seu assistente foi solto, porque os mandados foram suspensos, ontem.
Na sexta-feira à tarde, uma brigada da PIC chefiada pelo inspector Cumbane e que integrava ainda o agente Raposo, segundo fonte policial, irrompeu pelo escritório da Gani que também escritório do ex-vice-presidente da Assembleia da República, Abdul Carimo Issa, e quis prender o advogado que sucedeu ao Dr. Albano Silva no caso de Charles Robert Smith. Este, entretanto, prescindiu dos serviços de Albano Silva e passou a ter o patrocínio de Abdul Gani. O americano detido por alegados crimes que terá cometido no seu país e se encontrava a residir em Maputo acabou sendo solto pela Policia da 18.ª Esquadra e Gani é acusado de ter patrocinado a fuga do seu constituinte. Dai surgem os mandatos.
Gani e Zainadine Jamaldine, este assistente do primeiro, não chegaram a ser detidos. Por ordem que terá emanado do Dr. Come, DG da PIC, que se opôs, ao que tudo indica, à operação no Gabinete dos advogados ordenada por mandato da Procuradoria da Cidade de Maputo, alegadamente por ordem do Procurador Geral da República, Augusto Paulino, a operação foi suspensa na sexta-feira. Mas os mandatos ficaram por serem executado e a Policia andou todo o fim-de-semana a querer prender Gani. Prendeu o seu assistente no sábado.
A ordem de captura contra o advogado Abdul Gani mexeu com sensibilidades de diversas personalidades da esfera política nacional. Na manhã deste Domingo, ontem, estavam presentes em frente às instalações da PIC, deputados da Assembleia da República, das duas bancadas parlamentares, jornalistas e representantes de vários partidos políticos, que esperavam pela chegada de Abdul Gani que se ia entregar às autoridades que no sábado acabaram por prender na Cadeia Civil o Dr. Zainadine Jamaldine, assistente de Gani.
Gani não se chegou a entregar. A sua advogada Fernanda Lopes, a certa altura, cerca das 11h30, informou os inúmeros presentes em frente das instalações da PIC, que o mandato de captura fora “suspenso”.
No sábado o «Canal de Moçambique» ouviu o Bastonário da Ordem dos Advogados, Gilberto Correia, e este disse-nos que viria da Beira, onde reside, a Maputo, no domingo à noite, para lidar com o caso. Segundo Correia não havia razões para o que estava a ser feito porque os advogados estavam no exercício das suas funções e pelo que sabia o cidadão americano patrocinado por Gani e seu assistente não cometera em Moçambique qualquer crime, não foi apanhado em flagrante delito, nem existe acordo de extradição entre Moçambique e os Estados Unidos da América. Ficou de melhor esclarecer o assunto quando já estiver no terreno.
O Canal de Moçambique colheu entretanto a opinião de António Frangoulis, uma das figuras presentes ontem em frente da PIC na Cidade de Maputo. O jurista admitiu a possibilidade de se tratar de uma “intimidação aos advogados”.
“Aqui é o lugar para todo tipo de especulações... nós sabemos quais os processos todos até agora, que passaram pelas mãos de Dr. Abdul Gani, por coincidência ou não, e porque quando a esmola é maior, o pobre desconfia, Zainadine, por acaso, era o inspector que estava a instruir o processo de Siba-Siba, e o Abdul Gani é o advogado de Parente Júnior no caso Siba-Siba, que até há pouco tempo vimos que aquilo ali foi água de bacalhau e que a montanha pariu rato...”, assim respondeu o antigo director da Polícia de Investigação Criminal, António Frangoulis, quando questionado pela imprensa se acreditava que o mandato de captura ao Advogado Abdul Gani é uma tentativa de intimidação à classe dos advogados.
Frangoulis lembrou ainda que “vimos outros casos anteriores muito mais graves, mas que não aconteceu nada... eu penso que nós como profissionais não podemos ficar insensíveis a isso”, disse.
António Frangoulis, que é igualmente deputado da Assembleia da República pela bancada da Frelimo e docente universitário do ramo de direito, considerou o mandato de captura a Abdul Gani e seu assistente, de “um caso «sui generis»”, tendo dito que “calculava-se que este seria apenas um rastilho para ainda um grande bolo”.
Houve precipitação na ordem de captura
Quanto à suspensão da execução de captura ao advogado Gani e seu assistente, António Frangoulis disse que “há-de ter alguém com um bocado mais de prudência e coerência mandado uma ordem de suspensão da ordem de captura, para uma melhor ponderação de decisão porque de facto, coisa que não sobrava dúvida para qualquer expert da matéria, era de que havia uma precipitação na ordem”, disse.
Houve dualidade de critérios
António Frangoulis insinuou ter havido procedimentos diferentes no tratamento do caso que culminou com a emissão de mandato de captura a Abdul Gani. Disse que “Para se prender alguém há princípios processuais que devem ser seguidos”, e que “neste país temos experiências de outras situações muito mais graves, mas que não tiveram tanta precipitação”, concluindo, portanto, que “houve alguma coisa que não se estava a perceber”.
Legalidade do mandato de captura
António Frangoulis questionou igualmente os procedimentos tomados visando a captura do advogado e seu assistente. “Uma das coisas que sei até agora é que o Zainadine veio aqui (à PIC) para se apresentar e dar explicação do que estava acontecer, como estagiário do escritório de Dr. Abdul Gani. No entanto, foi executada a ordem de captura”, disse Frangoulis. “Outra questão é que o escritório de advogado está protegido constitucionalmente. O que se sabe é que romperam com o mandato de captura, ora para se capturar alguém é preciso se fazer uma busca para a captura da pessoa. A constituição está clara que quando se trata de advogado, tem que ser uma ordem judicial, portanto, não judiciária, ou seja, não pode ser do Ministério Público, de um inspector da PIC, ou de outra autoridade judiciária, disse citando aos artigos 293 do Processo Penal 5 da lei 2/93 de 24 de Junho.
“A Lei diz que para se romper com escritório de advogado com mandato de busca e captura tem que ser por uma ordem judicial, isto é, do juiz, e não judiciária. E esse juiz deve presidir à diligência, explicou o antigo director da PIC, actualmente deputado da Assembleia da República e docente universitário. Considerou o procedimento de “grave” e disse que “não podemos continuar insensíveis a isto”.
Moçambique não tem acordo de extradição com Estados Unidos
Porque alega-se que Abdul Gani está a defender o empresário norte-americano, Charles Smith, que se encontrava detido no nosso país, e que devia ser extraditado para resolver os seus pendentes com a justiça do seu país, Frangoulis recorda que deve-se “corrigir as irregularidades no processo”, pois “não temos acordo de extradição com EUA”. “O que nós sabemos é que informalmente se ia extraditar um cidadão, e neste país, se é um país de Direito, tem que se cumprir com as leis que ele mesmo aprovou”, argumenta Frangoulis.
“Quando se recolheu este cidadão americano na 18ª esquadra, só para ver, não na Cadeia Civil, era para poder rentabilizar um processo informal de extradição, directamente da 18ª esquadra para o aeroporto, explicou o antigo director da PIC. “Sabe-se também que houve um advogado que foi constituído anteriormente, antes de Abdul Gani, que teria frustrado a extradição ilegal. Entretanto, o indivíduo muda de advogado e o novo advogado, (Abdul Gani), requereu o que ele achou por termos da lei que devia requerer, porque é a função dele de poder apontar as falhas no processo”, explicou António Frangoulis ao fazer saber das possíveis razões que levaram a emissão de mandato de captura a um dos mais destacados advogados do país.
Sem encontrar razões que justificassem a ordem de captura do Advogado Gani, António Frangoulis recordou os motivos que podem levar à prisão de um cidadão. Falou do “receio de fuga; perturbação da instrução; e continuação da actividade criminosa”, dentre outras razões.
Quem ordenou a detenção de Abdul Gani?
Avaliando pelos procedimentos que está a conhecer o caso, António Frangoulis disse duvidar que o mandato de captura tenha sido ordenado por um juiz, na medida em que se isso fosse, a sua anulação deveria surgir do Tribunal Supremo, “o que não me parece ser verdade”, disse sustentando que “o mandato de captura de Abdul Gani e seu assistente foi ordenado pelo Ministério Público e ou Ministério do Interior”, por isso a sua anulação surgiu, “muito provavelmente de uma hierarquia superior da instância que ordenou a execução de captura” dos advogados.
(Borges Nhamirre) - CANAL DE MOÇAMBIQUE - 15.06.2009