A talhe de foice
Por Machado da Graça
O Presidente da República foi ao Parlamento fazer o seu último discurso sobre o estado da nação no presente mandato.
No essencial tratou-se de mais um acto de pré-campanha eleitoral, dado que há cerca de 6 meses tinha já apresentado o anterior e só em Dezembro deveria ser apresentado o próximo por ele ou por qualquer outro cidadão que vença as eleições presidenciais deste ano.
Mas passemos adiante esse aspecto e olhemos para esta ida de Armando Guebuza à Assembleia da República.
Nela podemos encontrar aspectos positivos e negativos.
Entre os positivos, e não é pequena coisa, o tom calmo e delicado em que falou aos deputados. Tom claramente oposto à insuportável arrogância com que a Primeira Ministra fala sempre naquela Casa.
De salientar que Guebuza nos poupou, desta vez, à afirmação de que “o estado da nação é bom!”.
Em segundo lugar tratou-se de um informe mais factual do que alguns dos anteriores. Sendo um prestar de contas sobre todo o mandato, conseguiu dar uma imagem do país que temos hoje e dos seus avanços nos últimos anos. Conseguiu demonstrar que o nosso país está a crescer e que esse crescimento, ao contrário do que muitas vezes se diz, está a chegar realmente à maioria da população, em termos da melhoria da sua vida.
Como seria de esperar, Armando Guebuza deu grande destaque, na sua intervenção, ao Fundo de Desenvolvimento de Iniciativas Locais, quanto a mim o principal trunfo do seu mandato. Aquilo que, na minha opinião, marcou, pela positiva, estes 5 anos de governo.
Mas não foi só isso. Muitas foram as realizações que o Chefe de Estado foi capaz de citar e que se reflectiram em benefícios palpáveis para os Moçambicanos. A ponte sobre o Zambeze pode servir de símbolo de todos esses benefícios.
Foi, nesse aspecto, um discurso de exposição da obra feita na maioria das áreas de governação.
Tudo isto são muitos e significativos aspectos das palavras de Armando Guebuza.
Mas, como disse acima, há também aspectos negativos a referir. E, sintomaticamente, esses aspectos estão mais no que o Presidente não disse do que naquilo de que ele falou.
Porque, embora tenha falado na corrupção, Guebuza não falou das consequências dessa corrupção para a vida de todos nós.
Todos estamos habituados a comentar a corrupção deste ou daquele dirigente através das mansões luxuosas que mandam construir, dos carros topo de gama em que se deslocam e da vida faustosa que levam. Mas esquecemo-nos, muitas vezes, do que todo esse luxo, à custa do Estado, poderia significar em termos de melhoria de vida da nossa população.
Esquecemo-nos de que, por cada benfeitoria que este governo nos apresenta neste tipo de relatórios, há percentagens altíssimas do seu valor que foram desviadas para os bolsos privados de algumas pessoas, meramente para as convencer a assinar os contratos.
Em todas as esferas da governação, se se fez 8 podia-se ter feito 10 se não fosse a corrupção. Se se construiu 10 podia-se ter construído 15. Se se beneficiou 2000 pessoas podia-se ter beneficiado 3000. E por aí adiante.
O dinheiro que se esbanja no luxo dos poderosos faz falta para tornar menos difícil a vida dos pobres.
O Presidenre não falou, igualmente, do escandaloso critério que foi definido para as percentagens do aumento salarial, na função pública, este ano. Critério que só serve para tornar os ricos ainda mais ricos e quase nada faz para ajudar os pobres a sair da sua pobreza. Num governo que afirma querer acabar com a pobreza no país, o critério teria que ser rigorosamente o oposto.
Não falou também, Armando Guebuza, das restrições que a liberdade de informação tem vindo a sofrer. Na censura, oculta mas eficaz, que abafa os órgãos de informação do sector público. Das ameaças claras feitas por responsáveis do governo a jornalistas e que ficam impunes, mostrando uma cumplicidade do Poder com essas ameaças a que dão cobertura.
Não falou, igualmente, dos esforços do seu executivo e do seu partido no sentido de desmantelar a oposição de forma a tornar a Frelimo de tal forma dominante que, na prática, regressaremos a um Estado de partido Único. Ou de Partido Dominante rodeado de insignificantes partidos “construtivos”, mais turbante, menos turbante.
E é por este tipo de coisas que passa, no essencial, a àrea negativa do discurso do Presidente. Enquanto o que diz respeito ao governo é, no essencial, positivo, o que diz respeito à governação, à ética e à moral, é, no essencial, negativo.
Quer para um lado, quer para o outro, há excepções, honrosas ou desonrosas conforme o caso. Mas creio poder dizer que, de uma forma geral, é assim.
E, com a devida modéstia, é este o meu discurso sobre o Estado da Nação.
SAVANA - 26.06.2009