MARCO DO CORREIO
Por Machado da Graça
Bom-dia, amigo Raimundo
Como vai a tua vida? Eu e os meus, felizmente, estamos bem.
Escrevo-te hoje para te falar deste horror que aconteceu agora com o avião da Air France.
O ser humano, Raimundo, tem-se vindo a convencer, nas últimas dezenas de anos, de que já domina completamente as novas tecnologias. De que lhe basta carregar em algumas teclas de computador e a máquina obedece, disciplinada e sem protestar.
Ora o Airbus francês veio-nos mostrar, tragicamente, que as coisas ainda estão muito longe de ser assim.
É verdade que ainda ninguém sabe, ao certo, o que provocou o desastre. Mas o que se vai lendo e ouvindo é que o avião terá entrado numa zona de tempestade e talvez sido vítima de um raio.
Mas eu não posso deixar de perguntar: um aparelho daqueles, com a última palavra da tecnologia moderna, não foi feito e preparado para suportar um raio sem entrar em colapso e ser abatido?
Num mundo em que as carreiras aéreas se realizam em datas e horas certas, haja ou não tempestades pelo caminho, os aviões não estão preparados para enfrentar todo esse tipo de adversidades?
Se a resposta for sim, isto é que os aviões estão preparados para isso e para muito mais, ficamos com a dúvida sobre o que terá realmente acontecido.
Se a resposta for não, isto é que os aviões não estão preparados para esse tipo de perigos, a pergunta é sobre quem assume a responsabilidade de deixar levantar o avião, cheio de passageiros e tripulantes, sabendo que há o risco de terem que passar no meio de uma tempestade, para a qual o avião não está preparado.
A Air France, logicamente, não entra em detalhes.
Fala da necessidade de encontrar as caixas negras e dos seus sentimentos à família das vítimas.
Mas as caixas negras do avião devem estar, neste momento, no fundo do Oceano Atlântico. Sei lá a que profundidade debaixo de água.
E isso vai ser determinante quando a dor abrandar e se começar a falar de responsabilidades e de indemnizações.
Duzentas e muitas pessoas morreram neste desastre. E as suas famílias não vão ficar caladas. A maioria das vítimas, se não mesmo a sua totalidade, pertencia a uma classe social de gente muito consciente dos seus direitos, e as famílias não vão ficar a chorar, caladas, os seus mortos.
E isso, doloroso como, muito provavelmente vai ser, para a tesouraria da Air France, é o aspecto mais positivo que se pode tirar da tragédia.
Isto vai fazer com que se façam estudos muito sérios sobre as razões da catástrofe, para se evitar que, no futuro, ela se repita.
E, com isso, todos nós ficamos a ganhar. Todos beneficiaremos das melhorias que forem introduzidas nos aviões para evitar coisas destas.
E todos nós teremos a agradecer às muito mais de duzentas vítimas do avião da Air France, na medida em que o seu terrível sacrifício poderá ser motivo de uma melhoria na segurança do transporte aéreo do futuro.
Mas o preço foi demasiado caro.
O horror que deve ter sido a situação de todas aquelas pessoas, fechadas num compartimento relativamente pequeno, a terem consciência, durante vários minutos, de que aquilo estava a cair, em queda livre, e de que iriam morrer dentro de muito poucos minutos, não tem possível descrição. É demasiado dantesco para que o possamos imaginar.
Portanto, que quem for julgado responsável pague, de forma bem pesada, as suas culpas, para que os que os forem substituir não descuidem as suas responsabilidades com a segurança dos voos.
Porque nisto, como em tudo, a impunidade só serve para perpectuar o desleixo, o deixa andar e a criminalidade.
Pelo contrário, a responsabilização intransigente dos culpados serve para melhorar a sociedade e prevenir futuros problemas.
Que os desgraçados passageiros do voo da Air France não tenham morrido completamente em vão.
Um abraço para ti do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ – 04.06.2009
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