Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
É da praxe, mesma que a Presidência não seja uma cadeira leccionada na academia, como o é nos cursos de administração pública e ciência política nos Estados Unidos, é da praxe que os presidentes tentem deixar as suas pegadas digitais nos mandatos para o qual foram eleitos. Ou por qualquer outra forma a que ascenderam ao poder.
No actual mandato do nosso magistrado primeiro, poder-se-ia falar de obras públicas, do combate à pobreza, da descoberta dos distritos e os controversos “sete bis”.
Por exclusão de partes: as obras públicas mais emblemáticas vão conhecer inauguração em ano eleitoral, mas, claramente, foram iniciadas por outro ciclo. O combate à pobreza pode ser invocado localmente mas é claramente agenda das Nações Unidas, como no passado se tentou fazer passar o PRE (Programa de Reabilitação Económica) como local, quando não era mais que o “reajustamento estrutural”receitado pelas instituições de Bretton Woods.
À partida ninguém tem objecções contra a atribuição de um orçamento para investimentos nos distritos. Durante muitos anos, estas unidades administrativas, como economia eram pouco mais que o salário do administrador, os seus funcionários, os professores e os agentes de saúde em comissão de serviço. O distrito era pouco mais que a poeira levantada pelos 4x4 a caminho de um qualquer outro destino.
Injectar dinheiro é importante para fazer funcionar os mecanismos económicos. Por oposição ao sistema “barter” de “comida pelo trabalho” que muitas organizações internacionais implantaram nas zonas rurais durante a guerra e as secas.
A partir do assentimento inicial começam os “mas” e os “porquês”.
Passando ao lado da reparação do WC do sr. Administrador e das asfaltagens do espaço frontal ao “palácio distrital” – que também representou dinheiro em circulação e emprego – um dos primeiros argumentos é a forma quase feudal como os dinheiros chegam aos beneficiários.
Não é propriamente um saco de moedas reluzentes que é atirado para as mãos ávidas dos despossuídos, mas o sistema de vassalagens e suseranias está implícito.
Os poucos estudos e investigações já efectuados e disponíveis, indicam um grande nível de clientelismo nos mecanismos do benefício. Os desembolsos são assim uma alavanca política e eleitoral. E quem semeia tem sempre a ambição de colher o benefício.
Argumenta-se, populisticamente que um tal benefício não pode estar ligado a grandes burocracias nem espartilhos administrativos. O argumento tomado como referência é válido, mas a aplicar-se sem o mínimo de regras cair-se-ia nos argumentos que parecem emergir da mais recente obra sobre bicicletas de Joe Hanlon ou, dos que defendem que,
perante a crise económica seria melhor uma distribuição equitativa de fundos por cada cidadão ao invés de se injectar massa monetária nos bancos que estiveram na origem do presente cataclismo do sistema de mercado internacional.
Aritmética simples, em três anos os desembolsos ultrapassam 100 milhões de dólares e o dinheiro não vem certamente de nenhuma fabriqueta clandestina de produção de papel moeda.
O tal dinheiro que vai aos distritos ou vem reciclado das contribuições externas, ou é dinheiro de todos nós, dos contribuintes singulares e das empresas.
Nas duas versões é imperiosa a prestação de contas. E num momento em que há claramente um forcing pela bancarização da economia, em que continua de pé a hipótese de um banco de desenvolvimento, em que por todo o lado surgem instituições de micro-crédito e há um razoável esforço da banca tradicional em se afirmar pelo distrito, é difícil perceber como pode andar um tal volume de dinheiro à margem das instituições. Os fundos já disponibilizados nos projectos dos “sete bis” ultrapassam largamente o capital dos dois maiores bancos implantados no país. O “cidadão da nação”, se quer dinheiro paga juro. O do distrito, especialmente aqueles que têm um cartãozinho “abre-te sésamo” têm dinheiro sem juro e, na prática sem sanção pelo não retorno.
Noutros termos, é mais uma porta do informal a funcionar na nossa economia de inúmeras vias paralelas.
Mais fundamental ainda. É possível e sustentável manter os presentes níveis de desembolso sem retorno?
Sem precisar de ir sentar-me no banco da faculdade, passo desde já a abanar negativamente a caixa de neurónios.
No entretanto, depois de Outubro logo se verá.
SAVANA – 12.06.2009