Estou a lembrar-me de quando em 1963 perguntei ao Rui Cartaxana, na cidade da Beira, o que eu teria de fazer para ser jornalista.
Respondeu-me o Rui: "vai à livraria do Salema da Praça do Município que tem lá um livro (deu o nome que me lembro) que encontras lá os ensinamentos preliminares".
O Rui, jornalista do "Diário de Moçambique" era uma figura popular e na aldeia global que era a cidade da Beira toda a gente conhecia o Cartaxana.
Jornalista, fino, irreverente e transparente em todas as peças que escrevia. Tinha imensos amigos mas não conhecia nenhum e não poupava fosse quem fosse nos elogios se os merecesse ou acusá-lo publicamente, por acções pouco dignas.
Pertencia à nova geração de jornalistas da cidade da Beira e do único jornal diário que se publicava e propriedade da Igreja Católica, sob a jurisdição do grande Bispo que foi Dom Sebastião Soares de Resende.
Rui Cartaxana é da geração do poeta Fernando Couto, pai do escritor Mia Couto e seu colega, no Diário de Moçambique; Henrique Coimbra e outros que se apagou o nome na minha memória.
Depois de um grande sucesso, jornalístico, na Beira, o Cartaxana partiu para Loureço Marques. Partiu magoado e falei, uns dias antes, com ele na Zona das Palmeiras (junto à Praça da Índia) onde tinha comprado uma casa nova. Era meu vizinho.
O jornalista meteu-se com os latifundiários, poderosos, donos dos terrenos da baixa da Munhava, onde, entre estes, se incluia o célebre Dr. Palhinhas.
É que os donos desses terrenos, alugavam parcelas aos nativos, estivadores do Porto da Beira, por 300 escudos anuais. Além da "palhota" construída, havia umas leiras, em redor, onde cultivavam arroz.
Alguns arrendatários, explorados na estiva, não conseguiam a importância para satisfazer o arrendamento. Para grandes males melhores remédios manda-se cortar o arroz em verde e sem grão.
O Rui Cartaxana, tem conhecimento do assunto, vai ao local e leva o fotografo do jornal o Ferro e capta imagens daquela selvajaria. No dia seguinte faz "manchete" na primeira páginas do Diário de Moçambique.
Levantam-se os colonos de colarinho branco contra o Rui Cartaxana. Nomeiam como defensores dos latifundiários, o jovem advogado o Dr António de Almeida Santos.
Entra Almeida e Santos e o Rui Cartaxana em conflito, e este publicou uns milhares de livrinhos "Carta Aberta", dirigida ao famoso advogado da praça da Beira, que se esgotaram rápidamente.
Depois da "Carta Aberta" que denunciava tudo e mais que tudo, a vida na Beira, não começa a ser fácil para o Rui Cartaxana e acabou por "vender" a mobília a casa (a pagá-la a prestações à CGD) na Beira e transfere-se, com a família para Lourenço Marques.
Os poderosos vingaram-se!
Chegado a capital de Moçambique, junto a três jornalistas, onde está o Areosa Pena (outro progressita) fundam a melhor revista que nunca se tinha publicado o "Tempo", liberal e nunca se haja ligado ou vergado, ao "poder.
Mas na Rodésia, onde residia, nunca deixei de ler a "Tempo", onde chegava logo após de sair da tipografia.
Depois da independência de Moçambique foi natural que o Rui Cartaxana tivesse de encerrar a "Tempo" e regressar a Lisboa.
Um dia perguntei alguém o que era feito do Rui Cartaxana, responderam-me: "É o director do jornal desportivo o "Record".
Fiquei admirado porque o Cartaxana não estava vocacionado para o desporto mas para outro género de jornalismo.
Foi um jornalista que os "poderosos" da Beira castraram a sua profissão de jornalista e um dos maiores que conheci.
Paz à tua alma, Rui, que a tiveste demasiadamente grande.
José Martins – In http://maquiavelencias.blogspot.com/
NOTA:
MOÇAMBIQUE PARA TODOS acompanha e solidariza-se com a restante família neste momento de dor e saudade.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE
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