“Eu prezei muito o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia, e com oportunidades iguais. É um ideal que espero viver e alcançar, mas, se necessário, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer” – Nelson “Madiba” Mandela
Por Percy Zvomuya*
Filho de um “combatente da liberdade”, contemporâeo, correligionário e companheiro de prisão de Nelson Mandela durante o “Apartheid”, Moeletsi Mbeki é capaz de ser o menos proeminente dos filhos de Govan Mbeki- comparado ao irmão, ex-presidente da África do Sul e “pai” do Renascimento Africano. Todavia, como intelectual o ex-quadro da NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento de África) é mais reputado que Thabo Mbeki, sendo um homem de ideias muito próprias, como esta: que os capitalistas africanos são parasitas e não criadores, por isso chama-os de Arquitectos da Pobreza.
Homem de negócios e comentador político, Moeletsi Mbeki lançou a obra Arquitectos da Pobreza, sob chancela da Picador, na Feira do Livro de Cape Town. É uma contundente crítica ao capitalismo Africano, descrevendo como a poderosa elite do continente “vende seus activos para enriquecer o resto do mundo”. Este fenómeno, primeiro testemunhado durante o comércio de escravos, não parou com o advento das independências.
Mbeki argumenta que “o comércio de escravos ou de petróleo é conhecido como capitalismo mercantilista” - uma forma primitiva de capitalismo na qual qualquer um “compra barato e vende caro”. Ele afirma que África “continua presa a fase mercantil do capitalismo”. A propósito, o Mail & Guardian sentou-se com Mbeki para uma entrevista, e com a devida vénia o SAVANA o proporciona com a sua versão.
- O livro é uma crítica ao capitalismo. Há uma contradição no centro do nacionalismo. O Nacionalismo estabelece-se para derrotar seu identificado inimigo. Mas ele vê o modo de vida do seu inimigo como seu modelo. Esta é a contradição do nacionalismo. O nacionalismo Afrikaner odiava o imperialismo Britânico. O que foi que fez? Acabou moldando-se à imagem do imperialismo Britânico. Da mesma maneira, o ANC viu o nacionalismo Afrikaner como seu inimigo. Mas que fez o ANC? Compete, através do black economic empowerment, com o capital branco. Repare nas diferenças esmagadoras de salário entre os dirigentes do ANC no Governo e as massas. Na África do Sul, agora, temos uma profunda desigualdade entre Africanos. Isto é por causa da tentativa de nacionalistas negros de viver como o inimigo. Ao imitarem seu inimigo, eles herdam as contradições do sistema social de que eles tomam conta.
TEMOS RICOS SIM, NÃO BURGUESES NEM CAPITALISTAS!
- Quais são as limitações do colonialismo?
- O colonialismo não criou economias industriais. Mas os nacionalistas africanos destruiram a pouca indústria que havia. Repare para o Zimbabwe, a Zâmbia e a República Democrática do Congo. Quando o Zimbabwe tornou-se independente tinha uma indústria razoavelmente próspera. Hoje, o sector industrial colapsou.
- Mas o choque ao sistema zimbabweano não foi primeiramente sentido nos finais dos anos 80 porque o Governo de Robert Mugabe estava a expandir uma infra-estrutura originalmente concebida para servir umas poucas centenas de milhares de brancos?
- Não haveria choque se tivesse havido outros investimentos. Que hospitais foram construídos em Harare desde a independência em 1980? Nenhum. O Parirenyatwa [principal hospital de referência do país] já estava lá antes de 1980; O Hospital de Harare foi construído antes de 1980; A Clínica das Avenidas foi construída pelo sector privado. Não houve novos hospitais construídos mais esperava-se que mais pessoas usassem essas instalações. Houve apenas consumo, ao invés de investimento.
- Frantz Fanon manifestou-se contra a improdutiva burguesia dos países recém independentes.
- Mas estes nacionalistas não são burgueses. Eles não têm capital como um burgês típico. Eles não criam riqueza; eles são uma elite parasitária que vive de activos pré-existentes que eles não criaram. Acontece o mesmo com os magnatas do BEE na África do Sul. Eles vivem dos activos que lhes foram atribuídos por empresas existentes. Eles não são burgueses; sim, eles são ricos mas não capitalistas!
SOMOS UM HIPER-MERCADO DO MADE IN CHINA!
- No terceiro capítulo do seu livro escreve sobre desindustrialização da África do Sul.
-Isso acontece quando se está a consumir e a não investir. Cerca de 70 por cento do PIB da África do Sul vai para o consumo privado. Por comparação, cerca de 40 por cento do PIB da China vai para o consumo. O resto vai para investimento. Se comparas China e África do Sul pode ver porquê a China está a criar empregos. A título de exemplo, em 1985, 78 por cento do calçado vendido na África do Sul foi feito localmente; agora 83 por cento de sapatos vendidos na África do Sul é made in China. Em apenas 20 anos, testemunhámos o colapso da nossa indústria.
Em número de empregos isto é assim: em 1997, 23 000 pessoas estavam empregadas na indústria de calçado; este número caiu para 10 000. Nós já não fabricamos nossos sapatos; nós somos importadores, agora. E manufactura de calçado não é uma indústria de alta tecnologia.
- Está a dizer que a África do Sul segue o mesmo caminho da desindustrialização de muitos países Africanos?
- Se continua desta maneira, direcciona-se no mesmo caminho de todos os países Africanos. É por isso que a África do Sul não está classificada como parte do grupo de nações BRIC [Brasil, Rússia, Índia e China]. A África do Sul não é um desses países porque está a caminhar para trás. Está a desindustrializar-se. O que faz com que pareça que a África do Sul está a crescer é o preço dos minerais. O preço dos minerais subiu por causa da industrialização da Ásia e isso faz com que nosso PIB pareça tão robusto que o país está a crescer. Obviamente, o PIB está a crescer em termos monetários por causa de toneladas que estavam, digamos, a 10 randes e agora vendem-se mais caro. Mas estamos a produzir as mesmas quantidades. Maior parte de empregos foi criado no sector de segurança, assistentes de loja, armazenistas, finanças e construção. A manufactura é agora o terceiro maior empregador atrás do comércio e função pública. O crescimento dos retalhistas significa que estamos a consumir muito. Temos mais assistentes de lojas vendendo sapatos fabricados na China.
- Nós somos os empreendedores?
- As pessoas que deviam tornar-se os novos empreendedores estão a trabalhar para o Governo. Alguns destes fazem mais dinheiro sendo corruptos no Governo do que ganhariam se estivessem efectivamente a gerir negócios. O Governo paga-os salários extraordinários. Por que irão eles assumir o risco de serem empreendedores? Se o governo vai dar-te um salário enorme para empilhar papéis num gabinete governamental, porquê deixar?
Um director geral no Governo ganha cerca de 100 mil randes por mês; um trabalhador das minas ganha 3 mil randes por mês. Mas na China um DG não recebe assim tanto. Uma vez perguntei a um gestor de uma fábrica de locomotivas que empregava 10 mil pessoas quanto é que ele ganhava. Ele disse-me que estava a receber 300 000 randes por ano.
- O que deve a África do Sul fazer?
- Precisamos de pôr mais dinheiro na educação. A China, por exemplo, produz 600 000 engenheiros por ano. Repare para o número de revisores oficiais de contas (ROC) Africanos: nos últimos 15 anos formámos 1 000 ROC, mas um número considerável de ROC negros Sul-Africanos não foram formados cá. Este país não está a formar a sua força de trabalho. Julgamos que podemos viver da nossa riqueza mineral.
- Mas muito dinheiro tem sido investido na educação.
- Certamente, mas maior parte do orçamento para a educação é orçamento para protecção social. Veja só as elevadas taxas de desistências nos ensinos secundário e universitário. Deve haver disciplina entre professores e estudantes. E por que irão os estudantes esforçar-se para estudar quando eles podem ficar sentados em casa e receber subsídios do governo?
O ZIMBÁBUÈ VIROU BATUSTÃO DA ÁFRICA DO SUL
- Não colocou o governo dinheiro em infra-estrutura?
- Nossa infra-estrutura não é funcional. É por isso que camiões transportam produtos de Joanesburgo a Cape Town — porque não há investimento significativo na rede de linhas férreas. A idade média de um vagão de comboio na África do Sul é de 40 anos.
- Mas o governo investiu no Gautrain.
- O Gautrain transporta a elite de Sandton para o aeroporto. Não há nada de produtivo nisso. Já existe um comboio do aeroporto que vai para o centro de Joanesburgo, mas a elite não quer usá-lo e por isso construiu um próprio para si. Isto não é um investimento; isto é parte do consumo. Parece um investimento mas não é.
- E que dizer do programa de infra-estrutura pública que veio como resultado de acolher a Copa do Mundo em 2010?
- É muito temporário e a maior parte disso é na construção. Assim que terminares de construir um estádio, as pessoas retornam ao desemprego. Isto não é emprego sustentável. Isto é um reforço artificial ao emprego.
- Até que ponto está a explosão no retalho na África do Sul ligada ao colapso no Zimbábuè que atenuou a vantagem competitiva de muitas das suas empresas?
- O Zimbábuè tornou-se um bantustão da África do Sul. O regime de Mugabe destruiu a capacidade produtiva das empresas Zimbabueanas. O Zimbábuè exporta mão-de-obra para a África do Sul, seja legal ou ilegal; essa força de trabalho envia dinheiro para o seu país e depois a África do Sul manda bens para o Zimbábuè. Com o dinheiro enviado por Zimbabueanos a trabalhar cá, os que estão no Zimbábuè compram produtos Sul-Africanos e o dinheiro volta. É assim que funcionava o sistema do bantustão.
* Tradução e edição de Milton Machel (colaboração)
SAVANA – 10.07.2009