A opinião de: Emílio Dava *
Dada a ausência de soluções públicas e sociais credíveis, abrangentes e eficazes, e dadas as dinâmicas económicas e sociais que envolvem maior concentração da riqueza e maior desigualdade social e económica, muitos pedintes não têm outra opção senão
continuarem pedindo esmola.
Mesmo os jovens vendedores informais, de frutas a obras artísticas, de giros de telemóvel a sobressalentes de viaturas, de DVDs e CDs pirateados a produtos de marca (relógios, canetas, máquinas fotográficas, etc.) de fabrico informal e falseados, de flores a perfumes, todos pedem que se lhes comprem os produtos por compaixão ou, alternativamente e também por compaixão, se lhes dê uma esmola porque a sua actividade comercial não lhes rende o suficiente para uma refeição por dia. Esta situação é extensiva ao enorme exército de jovens guardas e lavadores de carros, entre outras actividades que, na cidade de Maputo, já começam a absorver jovens com o ensino secundário completo.
Estas formas de sobrevivência têm o potencial de se generalizarem e envolverem mais e mais pessoas em outras áreas da cidade de Maputo e do país, atrasando assim o combate à pobreza e tornando ainda mais sombrio o futuro de largas camadas da população urbana e peri-urbana, com incidência sobre os jovens e idosos.
Este problema não pode ser resolvido apenas por via da mudança das estratégias individuais de sobrevivência.
Aliás, com que bases sociais e económicas poderão tais estratégias mudar? Mudar para fazer o quê, alternativamente?
A migração do campo para a cidade à procura de alternativas de vida que não se encontram nas zonas rurais; os efeitos da prolongada guerra que ainda se fazem sentir na grande quantidade de crianças e jovens que cresceram, desamparados, na rua; a inadequação dos sistemas públicos de protecção social e de educação e formação profissional; a concentração do emprego urbano em serviços que requerem qualificação para serem estáveis, ou que são muito mal remunerados e instáveis quando requerem baixa qualificação; as elevadas taxas de desemprego e subemprego urbanos; as elevadas percentagens de jovens e mulheres oriundos do centro e norte do País entre os vendedores informais, guardas e pedintes na cidade de Maputo; são evidência de que não basta apelar à, ou forçar a alteração das estratégias individuais de sobrevivência.
Será que estas estratégias individuais baseadas na miseração e vitimização como meio para justificar mendicidade, ou na actividade informal, volátil e instável como meio de aceder a rendas mínimas abaixo dos níveis de sobrevivência, reflectem a ausência ou inadequação das estratégias sociais e públicas e, mesmo, a estratégia nacional de pedir e mendigar na arena internacional. Num certo sentido, grande parte da economia nacional ainda é pedinte e resolve, ou pensa que resolve, problemas a curto prazo mendigando.
A questão de fundo é que a mendicidade está muito longe de ser um problema marginal, está cada vez mais presente e cobre muitas práticas diferentes, algumas das quais estão escondidas atrás do chamado emprego informal urbano.
Muito mais informação e análise são necessárias tanto para compreender este fenómeno simultaneamente de sobrevivência e miseração, como para procurar caminhos dignos que combinem a criatividade e responsabilidade pública, social e individual para combater a pobreza, que libertem as pessoas da dependência e as valorizem como criadoras do seu próprio destino. Este artigo é apenas uma contribuição e chamada de atenção para uma reflexão mais profunda sobre esta dimensão da pobreza urbana.
*Texto extraído da última edição do Boletim do IESE
VERTICAL – 01.07.2009