Um dos mais notáveis deputados da Assembleia da República na presente legislatura Manuel de Araújo acompanha a vida política do País a par e passo. Nesta entrevista exaustiva ao Canal de Moçambique, fala do Parlamento moçambicano, que o considera “irmão mais pobre” dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judicial). Diz que no actual sistema de eleição dos deputados, o Parlamento estará sempre ao serviço dos partidos políticos e não dos cidadaos (povo).
Considera que a Assembleia da República não desempenha, com zelo, nenhuma das suas tres funções. Acusa os doadores de terem substituído a Assembleia da República na fiscalização das acções do Governo.
Sem evasivas, Araújo torna-se num dos poucos, senão primeiro deputado a falar do SISE em entrevista a comunicação social. Aventa a possibilidade de o Serviço de Informação e Segurança do Estado estar a usar a imprensa para destruir partidos de oposição. Eis Manuel de Araújo em discurso directo.
Como avalia o desempenho da Assembleia da República na presente VI legislatura?
- Penso que foi o desempenho possível, dadas as circunstâncias e condições, quer humanas, quer em termos orçamentais. A nossa AR tem o potencial para fazer três vezes mais o que tem estado a fazer. Para que isso aconteça existe a necessidade de rever o modus operandi da Casa do Povo. É importante que a sociedade defina o que quer com aquela casa, pois a continuar assim acabaremos matando uma das pedras mais importantes da nossa democracia. A sociedade civil, os jornalistas, os partidos politicos, os jovens, as mulheres, os académicos, as minorias devem reverse na nossa AR. A AR deve ser o espelho da sociedade. Como sabe, a AR tem três funções fundamentais: a representativa, legislativa e fiscalizadora. Infelizmente, nenhuma destas funções é feita cabalmente por razões estruturais internas da própria Assembleia, mas também por razões estruturais e conjunturais externas.
A AR nos moldes actuais é prisioneira dos partidos politicos. É importante que ela se autonomize para que possa exercer cabalmente as funções que a Lei Mae e a sociedade esperam dela. Os deputados devem libertar-se para que possam libertar o povo!
Falou de factores estruturais internas e conjunturais externas que inibem o pleno funcionamento da AR. Quais são?
Em primeiro lugar existe um coeficiente de ignorância não aceitável por parte dos proprios deputados sobre a sua função, o seu estatuto e papel na sociedade. Em segundo lugar existe uma ignorância também inaceitável para uma sociedade que se quer democrática, por parte da sociedade civil, política académica e inclusive da classe jornalística. Em terceiro lugar, existe uma vontade ferrea por parte do executivo de amordaçar e secundarizar a AR e os deputados. A AR neste momento é o irmão pobre dos dois pilares da democracia, o executivo e o judicial. Se queremos ter uma democracia genuína e que funcione, é importante resgatar a imagem da AR, dotando-lhes dos recursos humanos e financeiros à altura da sua missão. Nos ultimos 18 anos de paz a comunidade internacional privilegiou a sua cooperacao com o governo, marginalizando a AR. Ou seja a AR e o filho bastardo da cooperação internacional.
Em relação a função fiscalizadora, sente que os deputados da Frelimo, bancada do partido governamental, possuem liberdade suficiente para fiscalizarem o governo?
Não. Nem na função fiscalizadora e muito menos nas funções representativas e legislativas. No momento de tomada de decisão, o estômago e não a consciência do deputado, fala mais alto! Os deputados do partido no poder ainda não vivem o advento da democracia, eles funcionam na base do centralismo democrático da era do mono-partidarismo! Poucas não foram as vezes em que meus colegas da bancada maioritária tiveram que me passar dossiers e até perguntas, porque eles não podiam apresenta-las! Modestamente falando, acho que ajudei a libertar-los do jugo centralista! A única excepção naquela bancada era o deputado Frangoulis, que por sinal não passou nas recentes eleições internas. Já se ve para onde vamos na próxima legislatura; uma bancada super submissa, igual a da Assembleia Popular!
Como avalia o facto de a bancada da Frelimo ter tendêndia de apreciar positivamente todas propostas provenientes do Governo, em debate na AR?
Muito simples. Enquanto os deputados continuarem a ser nomeados e não verdadeiramente eleitos, então continuaremos a ter um sistema político extremamente centralizado. Muitas das vezes a eleição do deputado para as listas depende mais das lideranças, sejam distritais, provinciais como centrais. Então ai, o deputado não se preocupa em representar o povo, mas sim em representar e satisfazer aquele que lhe colocou na lista! Este é um problema não apenas extensivo a Moçambique, mas dada a nossa história de centralismo e ditadura, que aliás insistem em chamá-lo de democrático, as suas consequências são mais nefastas para o edifício democrático. Eu preferia um sistema em que a eleição dos deputados dependesse mais das bases, do povo do que dos líderes! Isso diminuiria a influência dos líderes e libertaria os deputados, pois aqueles que não servissem os eleitores, não seriam eleitos na legislatura seguinte! Hoje o que acontece e o contrário, aquele deputado que muitas vezes serve o povo mas não serve o chefe não é re-eleito!
É mais ou menos o que está a acontecer com o nosso País. O executivo está mais preocupado em satisfazer os doadores, do que em satisfazer o povo! Ou seja a soberania nacional, ja não reside no povo, reside nos doadores! Ora nesse ambiente é quase impossível ter uma bancada maioritaria a críticar, ou fiscalizar de forma aceitável ao executivo. Nestas circunstâncias cabe a bancada ou bancadas minoritárias e à imprensa, a árdua tarefa de fiscalizar o executivo. A imprensa passa assim a ocupar o papel de bancada maioritária! Como se explica que a AR reclame que não tem dinheiro se é ela que aprova o Orçamento Geral do Estado? E absurdo!
Hoje quem fiscaliza o executivo não é a AR mas sim os doadores! Os doadores estão a matar a democracia em Moçambique.
O fim da 6ª legislatura da AR marca o fim de 30 anos do Parlamento, divididos ao meio entre Assembleia Popular, no regime monopartidário e Assembleia da República, no actual regime monopartidário. Para além da mudança do nome, sente que a passagem de monopartidarismo para o multipartidarismo, contribuiu em termos efectivos para a consolidação do papel da AR?
Penso que sim. No monopartidarismo tinhamos apenas um partido. E com partido único o papel da Assembleia Popular resume-se em carimbar o que o Executivo diz. Hoje temos dois partidos no parlamento. Já tivemos três bancadas na nossa AR e há possibilidades de na próxima legislatura entrarem na AR mais partidos. Isso é salutar para os partidos, como também para a própria sociedade! Haverá maior e melhor pluralidade.
Em termos de fiscalização, apesar de no fim do dia a bancada maioritaria apoiar sempre o executivo, no multipartidarismo os deputados da oposição têm a possibilidade de fiscalizarem o executivo. Claro que temos que olhar para a fiscalização do executivo em Mocambique com algum cuidado. Enquanto melhora a capacidade de fiscalização da oposição dentro do parlamento, há outros fenómenos que enfraquecem essa melhoria.
Infelizmente, o papel de fiscalização do nosso executivo foi sorateira e paulatinamente retirado da AR. Hoje quem fiscaliza o executivo não é a AR, mas sim os doadores! É ai onde tenho dito que os doadores estão a matar a democracia em Moçambique.
Fundamentando...
Quando os doadores notaram que a AR não exercia a sua função fiscalizadora, ao invés de apoiarem a AR capacitando-a, quer em termos de recursos humanos, quer em termos financeiros (como fizeram e continuam a fazê-lo em relação ao executivo), os doadores preferiram arrancar (trazer para si) esse papel da AR, substituindo-a! Veja que o Orçamento de estado antes de ir a AR e aprovado pelos doadores! Se já está aprovado, então para que é que vai para a AR? A resposta é simples, para inglês ver! Esta é uma democracia do 'faz de contas' para satisfazer quem no fim do dia paga as nossas contas, que é a comunidade internacional!
Ora em termos de sustentabilidade isso trás consequências muito graves. Em primeiro lugar, o executivo quando se sente encurralado pode recorrer sempre a desculpa de ingerência em assuntos internos. Em segundo lugar, o pessoal que trabalha nas chancelarias e agências de cooperação fica no País por um periodo curto, entre quatro a cinco anos no máximo, com raras excepções. Quando saem para outras missões, perde-se o know how e cria-se um vazio! Terceiro, a função fiscalizadora é por excelência uma função parlamentar e soberana. Infelizmente, o actual status quo beneficia ao executivo e aos doadores! Tenho feito um trabalho nas chancelarias, quer em Maputo, quer nas sedes diplomáticas e parlamentares na Europa e nos EUA no sentido de alertar a quem de direito desta realidade! Felizmente algumas portas começam a abrir-se. A reacção dos deputados alemães ao apoio orçamental é um dos resultados desta e de outras acções daquilo que chamo de 'diplomacia parlamentar', que em Moçambique não só é incipiente, como é triplamente combatida, tanto pela liderança da AR, como pelo executivo e os doadores. Felizmente as Nações Unidas acordaram e a Westminster Foundation (Britânica) se houver vontade politica da nossa parte, vai apoiar a nossa AR a partir do próximo ano.. O Banco Mundial e o Fundo Monetário internacional também mostraram interesse em trabalhar com a nossa AR. A bola esta do nosso lado. A nossa AR ao nível do Secretariado não tem capacidade autonoma ou não lhe é permitida buscar e implementar parcerias! E a famigerada falta de vontade política! E isto tem que mudar!
Em democracia é preciso vencer com legitimidade e com a cobertura da razão
Mesmo com o advento do multipartidarismo, a Frelimo continuou sempre com a maioria na AR, podendo, portanto, decidir sempre pelas propostas em debate, mesmo contra a vontade da oposição. Não acha que este aspecto perpetuou, de certo modo, o monopartidarismo?
Penso que não. Apesar de no fim de contas as decisões serem tomadas com a ditadura da maioria, o facto de haver espaço para debates, enfraquece o vencedor. Ou seja a vitória tem sabor à derrota! O povo ouve os argumentos e como a galinha faz, grão a grão vai enchendo o papo, contra a ditadura da maioria! Em democracia não basta vencer, é preciso vencer com legitimidade e com a cobertura da razão! Ou seja, vencer com a força da razão e não com a razão da força!
As sessões a porta fechada são uma aberração a democracia!
Concorda que a AR continuem a ter sessões plenárias à porta-fechada? Por exemplo, quando se apresenta relatório da Comissão de Petições.
As sessões a porta fechada são uma aberração a democracia! É uma vergonha que um partido como a Frelimo recorra ao uso da força para poder vincar o seu raciocínio, ao invés de recorrer a força da razao! É uma tragédia nacional! A decisão de manter sessões à porta fechada foi uma das decisões mais infelizes que a Frelimo tomou desde a proclamação da nossa Independência Nacional, pois representa a negação de uma das conquistas do povo! Representa a vitória do 'umbigo sobre o cérebro'; da ditadura sobre a democracia e a liberdade! É uma hipocrisia que deve ser revertida! E o povo ao exercer o seu direito de voto deve lembrar-se de quem mandou encerrar as portas da AR.
Se os deputados com todo o leque de imunidades e privilégios que têm não se sentem livres, então quem é que se sente livre no Pais?
A disciplina partidária que guia os deputados nos debates das matérias na AR, não acha que limita a consciência individual destes? Manuel de Araújo estaria a altura de votar a favor de uma matéria rejeitada pela bancada da qual faz parte, por exemplo?
Em qualquer sistema democrático existe a disciplina partidaria, contudo no nosso País ela é abusada a ponto de matar a liberdade dos deputados e por sinal a liberdade da sociedade no geral! Se os deputados com todo o leque de imunidades e privilégios que tem não se sentem livres, então quem é que se sente livre no Pais? A resposta é simples, NINGUEM! Respondendo a sua questão, sim seria e sou capaz de votar!
Há casos de deputados que para além de trabalharem na AR, são PCA’s de empresas públicas. É o caso da primeira vice-presidente da AR, Verónica Macamo, que é igualmente PCA do Fundo Nacional de Turismo. Como avalia esta situação num Estado que opta pela separação tripartida de poderes?
A questão das incompatibilidades deve ser revista! Não podemos continuar a ter deputados que são assessores de ministros! Temos um caso que não recorda o diabo. A Presidente da Comissão do Plano e Orçamento, é simultaneamente deputada, funcionária e assessora do Ministério das Finanças! Nunca ouvi tamanha aberração! Para começar em muitos países, a Comissão do Plano e Orçamento é dirigida pela oposição, pois a ela cabe a função de aprovar e fiscalizar o processo de produção e materialização de instrumentos importantes de governação como o Orçamento Geral do Estado, os Planos Quinquenais, e os Planos Económicos e Sociais. Se ela é presidida por alguém que também assessora o Ministério, então dá para ver em que democracia vivemos! Felizmente os donos da nossa democracia já estao a acordar! Há cerca de dois meses o embaixador Sueco apoiou esta ideia de a presidência da comissão do Orçamento passar a oposição! Oxalá mais embaixadores tenham a coragem do embaixador sueco que fez um belissimo trabalho na Tanzania, onde também era embaixador!
A Renamo tem que fazer uma escolha importante mudar ou desaparecer do mapa politico!
A Renamo, partido pelo qual Araújo foi eleito deputado da AR, acha que ainda poderá ganhar eleições e governar Moçambique?
Acho que sim. Mas para isso a Renamo deverá deixar o seu actual modus operandi e adoptar um posicionamento moderno e compatível com as leis vigentes no País. O partido Renamo não pode continuar a viver do seu passado, mas sim do presente, produzindo e engajando-se no debate de ideias, fiscalizando o executivo, representando o seu eleitorado, granjeando simpatias dentro e fora do País, trazendo modelos de governação alternativos, elogiando o adversário quando está certo e criticando-o quando está errado.
Infelizmente, algumas pessoas na Renamo, como na Frelimo vivem do passado e do engraxismo barato! É importante que essas pessoas sejam ou modernizadas, recicladas para a modernidade ou então atiradas ao caixote de lixo da história! A Renamo tem que fazer uma escolha importante, mudar ou desaparecer do mapa político! E as eleições de 2009 são uma oportunidade ímpar que a Renamo tem para fazer essa escolha dolorosa, mas inadiável! O povo moçambicano quer uma oposição séria, eficaz, transparente e moderna! Se a Renamo não ocupar o seu lugar histórico, outros partidos o farão brevemente!
O que estará a faltar para que isso se efective?
Há razões internas e outras externas. Umas estruturais e outras conjunturais. A Renamo nasceu num determinado momento histórico e a natureza dos inimigos que teve de enfrentar moldou de alguma forma a sua imagem e a sua estrutura. Como sabe a Renamo teve que lutar simultaneamente contra um partido no poder, um Estado dirigido por esse partido num contexto regional que não lhe era favorável. Veja que ao contrário da UNITA que recebia apoio directo e até aprovado pelo Congresso dos EUA, a Renamo não teve tais apoios. Pelo contrário, em plena Guerra Fria, Samora Machel, foi recebido por Margaret Thatcher e mais tarde por Ronald Reagan! E mais, a Grã-Bretanha, liderada por Margaret Thatcher aceitou treinar as Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), o exército governamental em Nyanga no Zimbabwe, que na altura lutavam contra a Renamo! Ou seja um Comunista convicto, Samora Machel, era recebido no altar dos defensores da liberdade e da democracia! Essa, penso ter sido a maior vitória diplomática de Machel e a maior derrota diplomática da Renamo durante a luta! Como dizia, os exércitos do Zimbabwe, da Tanzania, do Malawi e outros participaram em operações militares contra a Renamo! Mas a Renamo resistiu, lutou contra tudo e todos e venceu! Mas essa vitória teve um preço e é esse preço que estamos a pagar, como democracia e como país!
Para sobreviver a este mar de dificuldades internas, regionais e globais a Renamo teve que se cristalizar! Essas intempéries tornaram a liderança da Renamo opaca, singularizada, disciplinada e extremamente militarizada! De outra forma a renamo teria desaparecido do mapa! Ora o pensamento militar, a doutrina militar ditam inter alia, que o subalterno mesmo quando convencido de que a ordem é errada, deve cumprí-la e querendo, pode reclamar depois. A democracia dita que o subalterno não deve cumprir uma ordem superior se ela for contra a Constituição ou contra as leis. Ora esses dois paradigmas são literalmente opostos. Quem viveu durante muito tempo num dos lados dificilmente será bom noutro! Penso que as mudanças são algumas vezes paulatinas e outras vezes violentas! Algumas vezes doces, outras vezes amargas!
Dhlakama deve mostrar que ele não lutou pelo poder, mas sim que lutou pela democracia
E o presidente Afonso Dhlakama, acredita que ainda pode conquistar simpatia dos moçambicanos e chegar à presidência da República?
Penso que sim. Dhlakama é um lider carismatico. Mas deverá mudar alguns métodos de trabalho e adoptar outros! Se não mudar ficará na história como aquele líder que lutou contra a ditadura e trouxe a liberdade, mas que não resistiu aos ditames da democracia, o que seria uma grande pena, para um homem que tanto fez por este País e por este Povo! Dhlakama deve mostrar que ele não lutou pelo poder, mas sim que lutou pela democracia! A mulher do César não basta ser fiel, deve parecê-lo! A luta contra a ditadura, a libertação deste povo (em termos de direitos politicos e civeis) é uma marca que ninguém lhe poderá retirar! Mas que poderá ficar indelevelmente manchada de nódoas se continuar a agir como o dono absoluto da Renamo! O dono da Renamo não deve ser um homem ou uma mulher, o dono da Renamo é o povo moçambicano que consentiu sacrifícios para que hoje vivessemos em paz, em democracia! O dono de Renamo é o povo que perdeu seus entes e queridos para que hoje tivessemos a liberdade de opinião, de expressão, de movimento, de reunião. Para que hoje o jornalista podesse escrever o que lhe vai na alma! Podesse escrever o que vai na alma do povo sem medos, receios nem ameaças. A Renamo deve criar o hábito do diálogo, da troca de ideias! E mais deve incentivar o surgimento de alternativas internas, quer em termos de liderança, quer em termos de ideias e ideais! Só assim a Renamo sobreviverá aos desafios da modernidade! Felizmente, a luta entre o velho e o novo, é uma das leis imutáveis da história! E essa luta sempre teve um vencedor, o NOVO!
Há correntes de opinião que advogam que em Moçambique não existe pressupostos para surgimento de terceiro partido político que possa superar a Frelimo e Renamo. Concorda com este tipo de pensamento?
Não concordo. Penso que há condições quer ideológicas, quer filosóficas, históricas, como materiais, para que surjam outros partidos que não seja a Frelimo e a Renamo. Negar isso é não saber ler a história! É negar a própria história da evolução humana! A humanidade já teve várias civilizações que desapareceram, o Egipto, Roma, Monomotapa.... Até o PRI, um partido que esteve no poder no Mexico por mais de trinta anos, acabou perdendo as eleições! Ninguém deve ou pode parar a roda da história! Penso que é salutar para Frelimo e a Renamo, para a democracia e para o país que haja outros partidos fortes. Assim deixariamos de ter a polarização na vida politica nacional!
Os que assim pensam, citam os casos de PDD, PIMO, FUMO, entre outros partidos, que aquando do seu surgimento, criaram muitas expectativas nos moçambicanos, mas ao fim do dia, viu-se que nem um assento parlamentar conseguiram conquistar...
Penso que as circunstâncias são diferentes! Por exemplo não tenho dúvidas nenhumas que o MDM irá conquistar alguns assentos no Parlamento! E isso é bom. Não posso precisar quantos. Mas posso vaticinar que poderá andar entre um mínimo de 10 e um máximo de 40. Isso é salutar para a democracia moçambicana! Antes havia a barreira dos 5% que foi um artifício montado em Roma para evitar a entrada de partidos que não ultrapassassem essa fasquia. Hoje esse obstáculo foi removido.
Manuel de Araújo, um dos poucos deputados jovens da AR, conseguiu se notabilizar logo pela coerência das suas intervenções. Qual é o seu futuro político? Recandidata-se a candidato a deputado pela Renamo?
Penso que o senhor jornalista precipitou-se um pouco. Está a assumir inter alia que eu já tomei a decisão de que quero continuar a ser deputado! (risos). Feliz ou infelizmente essa não é a verdade. Ainda não tomei tal decisão. Provavelmente entre os dias 20 a
Durante os 5 anos de engajamento político activo aprendi muito, ganhei muito em termos políticos, penso também ter contribuído para uma outra maneira de fazer política. Mas infelizmente algumas coisas e algumas agendas pessoais e sociais ficaram a perder! A minha vida académica e a FDZ (Fundação para o Desenvolvimento da Zambézia) foram os dois aspectos da minha vida que mais perderam com o meu engajamento político activo.
Neste momento estou a fazer um esforço titânico para recuperar uma parte desse outro Manuel de Araújo, que também tem direito a existência e que até certo ponto sustenta intelectual e financeiramente o Manuel de Araújo político.
Também tenho alguns projectos empresariais que ficaram a perder com a minha entrada na política activa! Infelizmente o politico honesto em Moçambique ainda morre a fome! Infelizmente inda não da para viver de politica honesta!
De recordar que apesar da minha formação, nos últimos 5 anos, devido a filiação partidária não ganhei nenhuma consultoria, ou nenhum projecto pois neste País para se ganhar uma consultoria, um projecto, um negocio e imperioso ter o cartão vermelho!
Numa entrevista que tive consigo um pouco depois das eleições autárquicas de Novembro, disse que a Renamo precisava de uma reestruturação política, que passava pela realização de um congresso, onde seria eleito o novo dirigente do partido, que até podia ser Afonso Dhlakama. O congresso não aconteceu e o líder continua o mesmo. Como membro senior do partido, que (auto)avaliação faz ao seu partido?
Para já não sou membro senior do partido! (risos). Sou um cidadão nacional que num dado momento da história do meu País decidiu ser útil ao seu País. Como sabe vivi e trabalhei durante vários anos no exterior. E nessa altura achei que juntar me a oposição seria a forma mais salutar de ajudar o meu País a crescer, pois qualquer democracia que se preze deve ter uma oposição forte. E mais, o partido no poder deveria ter na altura 20 senão 30 pessoas com a minha formação académica. A oposição não tinha muitas condições para atrair pessoas com o meu currículo. Portanto, decidi juntar me àquele que na minha opinião mais precisava dos meus serviços e não tinha recursos para pagar tais serviços!
Permita-me dizer-lhe que esse posicionamento na sua entrevista, exigir congresso, fez com que eu e o Dr Quelhas fossemos vistos e considerados por algum sector senior dentro do partido como não 'merecendo confiança politica' e a respectiva desvinculação do 'famigerado governo sombra'! Felizmente eu já me tinha 'auto-desvinculado' do tal governo por divergências internas em termos de acções, visão e de estratégias!
Devo confessar que até hoje não consegui perceber como o partido ainda não realizou o Congresso! A não realização do Congresso foi, na minha opinião a pior decisão que a actual liderança da Renamo tomou! Continuo esperançado que cedo o congresso se realizará, pois a realização do Congresso já deixou de ser um assunto interno da Renamo! É um imperativo nacional, pois está em jogo a democracia!
Imagine que a Frelimo decide que este ano não haverá eleições porque não há dinheiro! A Renamo seria a primeira a cá vir e dizer que a Frelimo é anti-democrática! É uma lógica perigosa para a democracia! No parlamento ou fora dele, no partido ou fora dele, na academia ou fora dela lutarei incansavelmente para que a democracia em Moçambique se consolide e não tenha donos!
Acha que Afonso Dhlakama está apegado ao poder?
Ao não realizar o congresso ele deixa passar essa imgem, que não é boa nem para ele, nem para o partido e muito menos para o País!
SISE e Frelimo usam jornalistas para eliminar da oposição pessoas que pensam
Há uma certa imprensa moçambicana que o referenciou como possível sucessor de Afonso Dhlakama na presidência do partido. Já ambicionou ser presidente da Renamo e quiça chegar à presidência da República?
(Risos...) Infelizmente encontrava me em Washington quando alguém me enviou um sms a informar-me que um semanário da praça havia feito essa elegação. Não liguei e nem li o referido artigo pois achei que se tratava de uma brincadeira!
Agora que me fazes esta pergunta começo a pensar se os que inventaram tal brincadeira não foram os mesmos que alimentaram a conversa fiada de que Daviz Simango queria substituir Afonso Dhlakama! E se não foram os mesmos que alimentaram a conversa fiada que levou a expulsão de Raul Domingos! Veja que esses boatos todos sem fundamento começam do mesmo sítio! Ou seja uma estratégia do SISE e da Frelimo, que usa jornalistas (incautos) para eliminar da oposição pessoas que pensam!
Fernando Mazanga, porta-voz da Renamo, disse à imprensa nos finais do ano passado, que “a classe intelectual da Renamo não constitui mais valia para o partido”. Fazia referência a si, Ismael Mussa e João Colaço. Os outros dois já se despediram do partido e muito provavelmente, juntaram-se ao MDM de Daviz Simango. Manuel digeriu estes pronunciamentos?
Meu pai, pessoa que venero bastante ensinou-me inter alia duas coisas! A primeira que se um maluco te insulta não deves respondê-lo, pois quem sai a perder és tu, e não o maluco!
Em segundo lugar, ele me ensinou que os homens de bem não devem discutir pessoas. Devem discutir ideias! Conheço o Colaço desde a Escola Secundaria em Quelimane e desde essa altura somos amigos. Conheço o Ismael desde os finais da década de 80. Fomos colegas até ao segundo ano no Instituto Superior de Relações Internacionais, até a altura em que ele desistiu do curso e foi estudar no Brasil. Fomos não só colegas de turma como de camarata! É meu amigo!
Não acredito que algum deles tenha deixado o partido por causa dos pronunciamentos do Mazanga! Seria uma total aberração! Seria dar muita importância ao Mazanga, coitado! Sabe que as vezes até sinto pena dele?
A corrupção tem manchado a nossa imagem no exterior.
Por último, como é visto Moçambique na diáspora?
Felizmente Moçambique tem uma boa imagem no exterior. Infelizmente tem se dito que e no pano branco que cai a nódoa! A corrupção tem manchado a nossa imagem no exterior. Os sinais de regresso ao monopartidariasmo, o despesismo orçamental, a dependência externa, falta de transparência, a partidarização do Estado, as assimetrias regionais, o incremento da pobreza, o enriquecimento ilícito, o crime organizado, o endeusamento de Guebuza são nódoas que devem ser limpas com a maior urgência.
Acha que a dependência externa do país atenta contra a soberania do Estado?
Não diria que a dependência externa atenta contra a soberania do Estado, mas sim contra a soberania do povo!
A ajuda externa virou uma indústria
Que fazer, na sua opinião, para que a dependência externa passse para história em Moçambique?
É preciso compreender que a dependência é um pau de dois bicos. A ajuda externa virou uma indústria. Ela foi, é, e sempre será um instrumento de política externa dos Países desenvolvidos.
Infelizmente alguns países como o nosso, desenvolveram uma capacidade não de produzir riqueza, mas sim de gerir ajudas!
E neste jogo existe um pacto entre os doadores e os membros dos governos recipientes! Ambos tiram dividendos! Quem sai a perder é o povo que perde a sua soberania!
A dependência cria vícios insanáveis, tanto do lado dos doadores, como do nosso lado!
A única saída é melhorarmos a nossa capacidade de produção e de produtividade é descobrirmos os nossos nichos, ou seja as nossas vantagens comparativas e competitivas! E entrarmos no mundo de cabeça erguida! Mas isso só se faz se melhorarmos a nossa educação, a nossa saúde ao mesmo tempo que melhoramos a nossa infrastrutura e o nosso ambiente de negócios! Se implementarmos as reformas que possibilitem melhorarmos a nossa capacidade de fazer negócio, diminuir os custos de produção, melhorarmos a nossa produtividade, diminuirmos a corrupção, as barreiras alfandegárias e não alfandegárias que emperram o nosso empreendedorismo, despartidarizar e despolitizar a área de negócios, melhorar a concessão de créditos ao empresariado, ai sim!
Quem é Manuel de Araújo?
Manuel de Araújo, presentemente deputado da Assembleia da República pela bancada da Renamo-União, diz-se interessado de várias áreas: Economia, Relações Internacionais, Direitos Humanos e Desenvolvimento. Apesar de ser deputado, não assume ser político. “Estou emprestado a politica por tempo determinado”, afirma. É fundador da Associação de Estudantes de Relações Internacionais, do Conselho Nacional da Juventude, da Associação Juvenil para o Desenvolvimento do Voluntariado, da Fundação para o Desenvolvimento da ZAMBÉZIA, da Associação Moçambicana no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e do Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais (CEMO). E Vice-Presidente do Forum Parlamentar sobre Armas Pequenas e Ligeiras e membro do Parliamentarians for Global Action (PGA), com sede em Nova York. É natural da província da Zambézia, onde frequentou a primeira escola da sua vida. “O meu percurso académico vai da Escola Primária de Coalane, Anexa ao Centro de Formação de Professores Primários de Nicoadala, Secundaria 25 de Junho, Pré-Universitária 25 de Setembro, todas na Cidade de Quelimane. Fiz o ensino superior no ISRI (Instituto Superior de Relações Internacionais, e nas Universidades do Zimbabwe e Fort Hare (MPS), na Universidade de Londres (MSc SOAS) e na Universidade de East Anglia (MPhil), no Reino Unido da Inglaterra e Irlanda do Norte. Leccionei na 25 de Setembro, Francisco Manyanga, ISRI, ISCTEM e Universidade A Politécnica.
Canal de Moçambique, 23.07.2009