Nome do ex-estadista terá sido usado em negócios suspeitos
Por Raul Senda
O antigo ministro da Saúde e dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Leonardo Simão e o seu sócio Fausto Cruz, são acusados por alguns empresários de usar o nome da Fundação Joaquim Chissano, bem como do carisma desta figura, para obter ganhos na área empresarial. Leonardo Simão é director executivo da Fundação Joaquim Chissano enquanto que Fausto Cruz é assessor da organização. No entanto, Fausto Cruz nega as acusações, mas reconhece que em tempos usou instalações da Fundação para tratar assuntos de interesse privado.
Dentre vários empresários que terão efectuado negócios com a Fundação, mas que depois chegaram à conclusão de que tinham sido ludibriados, são os proprietários da companhia aérea Transairways e a Marnorte.
No caso concreto da Transairways, informações em poder do SAVANA indicam que tudo terá começado em Junho de 2008, quando, em nome da Fundação Joaquim Chissano, Fausto Cruz terá contactado os gestores da referida empresa a fim de manifestar o interesse da compra daquela companhia aérea. O SAVANA procurou ouvir um dos antigos sócios da Transairways, Carlos Gonçalves. No entanto, este declinou fazer qualquer tipo de comentários à volta do controverso assunto, mas confirmou que “há contas malparadas (dinheiro) a ajustar”. Durante quatro semanas, o SAVANA experimentou dificuldades para chegar à fala com Fausto Cruz, assessor na Fundação e tido como o rosto dos negócios, porém o encontro só foi logrado no princípio da noite desta quarta-feira.
Ao que apurámos, as conversações para a compra da Transairways levaram dois meses e o negócio concretizou-se em Agosto de 2008.
Nas referidas negociações ficou acordado que a Fundação iria fazer o pagamento em duas prestações.
No entanto, segundo os nossos informantes, chegado o momento da assinatura da escritura, eis que o nome da Fundação Joaquim Chissano foi retirado e no seu lugar apareceu uma sociedade denominada TIKO, S.A.
Consta-nos que Leonardo Simão e Fausto Cruz signatários do acordo de aquisição das acções da Transairways terão dito aos seus parceiros que a TIKO, S.A. era o braço financeiro da Fundação já que esta, pela força dos seus estatutos não podia participar em negócios.
Soubemos que os ex- proprietários da Transairways, mesmo sabendo que há Fundações que detêm participações em várias firmas com fins comerciais, aceitaram estabelecer a relação jurídica empresarial com a TIKO, S.A.
No entanto, cada vez que o tempo passava, os proprietários da Transairways notavam um certo distanciamento da Fundação para com o negócio.
O alegado afastamento levou os sócios da Transairways a iniciarem diligências a fim de conhecer a relação entre a Fundação e a TIKO. Foi na base disso que acabaram chegando à conclusão que a TIKO, S.A, não tinha nenhuma relação com a Fundação, embora compartilhasse o mesmo edifício e os seus accionistas serem gestores da referida Fundação.
A estrutura accionista da TIKO, S.A. é constituída por Leonardo Simão com 50%, 49% de Fausto Cruz e 1% é detida pela esposa de Cruz cujo nome não conseguimos apurar. De fontes próximas de Joaquim Chissano, o SAVANA soube que o antigo estadista moçambicano e prémio Mo Ibraim de boa governação declina qualquer tipo de responsabilidade neste intrincado negócio.
Incumprimentos
Soubemos que os actuais donos da Transairways, nomeadamente, Leonardo Simão e Fausto Cruz, não estão a cumprir com os pagamentos previamente acordados com os anteriores donos da empresa.
É que no acordo de venda da empresa, segundo as nossas fontes, o pagamento devia ser feito em duas prestações, sendo a primeira liquidada em 30 dias depois da assinatura da escritura e a outra em 60 dias.
Apurámos que os accionistas da TIKO, desde a data da assinatura do acordo até ao momento, passam 11 meses, pagaram apenas 25% do valor acordado. O mesmo valor foi pago após terem sido exercidas fortes e complicadas pressões por parte dos anteriores proprietários.
“Além de usar a Fundação para a satisfação de interesses pessoais, os accionistas da TIKO têm recorrido a ameaças e intimidações recorrendo para tal a influências que possuem nos meandros políticos”, acusou um dos nossos informantes a coberto de anonimato.
Compra de aviões
Fontes do SAVANA contam que em Outubro de 2008, a empresa rubricou um contrato de dois anos com uma empresa de Singapura para aluguer de um Boeing 737, por USD 250 mil dólares mensais. No entanto, actualmente, o aluguer dum avião com as mesmas características e moderno, custa apenas 30% daquele valor.
Assim, o valor que os novos proprietários da Transairways gastariam no aluguer da aeronave, chegaria para comprar sete aparelhos iguais durante a duração do contrato.
Sete meses depois da libertação dos 250 mil dólares para o pagamento do primeiro mês de aluguer da aeronave, a mesma ainda não chegou ao país. Trata-se dum valor cedido por um banco comercial e já soma cerca de 28 mil dólares em juros.
Os dois Boeings que os accionistas da empresa anunciaram em 2008, que tinham adquirido à Air Corridor, também não chegaram ainda ao território moçambicano.
“Será que a empresa tem recursos para comprar e alugar Boeings e não tem para pagar a manutenção dos motores de dois dos seus actuais aviões? Dois motores estão sem possibilidades de serem reparados por falta de disponibilidade financeira para pagar aos fornecedores os trabalhos que em conjunto totalizam USD900 mil”, frisam.
Contam as nossas que, neste momento, três dos cinco aviões da companhia estão parados por falta de manutenção adequada e o último gripou um dos motores em plena viagem para Maputo.
Sublinham que de Agosto de 2008 a esta parte, os novos gestores da empresa não pagam aos fornecedores Atlantic Turbines os valores de aluguer de uma turbina que ultrapassa já os USD100 mil dólares.
“Os seguros dos aviões não são pagos atempadamente, havendo casos em que são mesmo pagos com 90 dias de atraso”,sublinharam.
Constaram-nos ainda que os serviços das dívidas com bancos da praça não têm sido feitos atempadamente, existindo a possibilidade de execução judicial pelo incumprimento de quatro rendas e respectivos juros, numa altura em que os clientes mensais mais antigos estão abandonar a empresa por alegados maus serviços.
Outros negócios
A preocupação das nossas fontes tem a ver com o facto do caso da Transairways ser do conhecimento de Joaquim Chissano, mas até ao momento, esta figura ainda não fez nada no sentido de obrigar os seus colaboradores a reparar os danos que estão a causar a terceiros e parar com as manchas que estão sendo colocadas sobre o seu nome.
Os gestores da TIKO desembolsaram 2.250 mil meticais para a compra de uma agência de viagens denominada Alfa Tours. No entanto, consta-nos que não existe nenhuma escritura pública de compra da mesma agência e nem tem alvará e a licença de exploração válida.
A TIKO adquiriu igualmente, num passado recente, 41% do Marnorte, uma empresa do ramo pesqueiro localizada na província da Zambézia.
Sem desembolsar nenhum valor, a TIKO, S.A. comprometeu-se a usar a Fundação para conseguir uma solução financeira para o pagamento do crédito mal parado da Marnorte no Barclays Bank, no valor de 400 mil meticais.
Para tal, a TIKO recorreu a um crédito no Millennium BIM no valor de 13 milhões de meticais.
Contudo, apurámos, os accionistas da TIKO não terão pago o valor da dívida da Marnorte no Barclays Bank e os 13 milhões de meticais foram depositados na conta da TIKO, donde foram, dias depois, retirados nove milhões de meticais para a conta da Transairways e 2.780 mil meticais para um destino ainda por esclarecer.
Oilmoz
Embora não tenha sido ainda aprovado pelo executivo moçambicano, o SAVANA tem na sua posse informações que dão conta de que a TIKO está envolvida num grande projecto denominado Oilmoz Holding que tenciona construir uma refinaria de petróleo, no distrito de Matutuíne, na província de Maputo, com capacidade para processar 350 mil barris de petróleo por dia, num investimento de USD 8 biliões.
Além da refinaria, o projecto prevê igualmente a construção de uma fábrica de derivados petroquímicos, uma central termoeléctrica a gás, uma estação de tratamento de resíduos, um parque de tanques para armazenamento de combustíveis e um eventual terminal portuário “offshore”, para o transporte do petróleo.
“Não usámos o nome de Chissano”
Contactado pelo SAVANA, o director executivo da TIKO e assessor de Joaquim Chissano na Fundação, Fausto Cruz disse que em nenhum momento a sua sociedade envolveu o nome da Fundação e muito menos do ex-Chefe de Estado nos seus negócios.
Fausto Cruz referiu que ele, bem como Leonardo Simão, sendo quadros seniores da Fundação, a colectividade cedeu, por um tempo, as suas instalações para o funcionamento da TIKO e alguns encontros da sociedade foram realizados nas instalações da Fundação.
Sobre o negócio com a Transairways, Fausto Cruz reconheceu que a companhia não está nos seus bons momentos, “mas por culpa de algumas pessoas que nunca quiseram ver a empresa prosperar e daí sabotaram”.
Cruz não quis apontar os nomes dos supostos sabotadores, referindo apenas que os negócios que a sua firma tinha projectado fracassaram “por causa das acções desses mal intencionados”.
“Veja que tivemos vários planos de financiamento, cujo objectivo era modernizar e fortificar a empresa, mas tudo rompeu, porque as pessoas que lhe tinham confiado a gestão da empresa boicotaram”, disse.
Reconheceu que o valor da compra da Transairways ainda não foi pago na totalidade. Disse que dentro do possível vai sendo liquidado, mas não quis entrar em pormenores.
Quanto aos Boeings da Air Corridor que se previa que sobrevoassem o território moçambicano até finais do ano passado, mas que até agora nada se verificou, Fausto Cruz contou que tudo deriva da falta de dois radares.
Sobre a Marnorte, o nosso interlocutor negou comentar.
“Sobre a Marnorte vão perguntar aos vossos informadores. Eu não conheço esse negócio”, disse.
Sublinhou que a Fundação Joaquim Chissano entra no projecto Oilmoz Holding, mas na parte social e não comercial.
SAVANA – 10.07.2009