Da Capital do Império
Por Jota Esse Erre*
Antes da queda do Muro de Berlim, uma visita a um cemitério em Londres e um piscar de olho em Bucareste já tinham indicado que as ditaduras socialistas tinham chegado ao fim.
São dois exemplos de “petite histoire” , o termo que esse iconoclasta moçambicano que foi Aquino de Bragança gostava de usar para descrever aqueles pormenores da história que poucos conhecem, menos dão importância mas que são deliciosos para um “raconteur” como foi Aquino e que podem na verdade assinalar ou explicar um dado momento ou acontecimento histórico.
Vem isto a propósito de estarmos em 2009, o que significa que vamos portanto assinalar em Novembro os 20 anos da queda do Muro de Berlim. Mas a acreditar em duas histórias que ouvi aqui na Capital do Império muitos - ao nível máximo - já sabiam que o “socialismo científico” tinha entrado em colapso antes da queda do muro.
“Então é verdade. Marx está morto”.
“É verdade mas estamos proibidos de o dizer”, respondeu o outro dirigente chinês.
Gao - ele próprio um encantador “raconteur” - lembra ainda uma conversa que teve com Deng em que este lhe afirmou pensar que chamar ao seu sistema de reformas “socialismo com características chinesas” poderia estar errado.
“Devíamos ter-lhe chamado capitalismo com características chinesas,” teria afirmado Deng.
Contos deliciosos, sem dúvida. Mas aquele que gosto mais é um que vai estar incluído num livro a ser publicado em breve “O ano que Mudou o Mundo” (do jornalista Michael Meyer) em que o antigo dirigente húngaro Miklos Nemeth recorda uma cimeira do Pacto de Varsóvia em Bucareste, na Roménia.
Nemeth, como líder húngaro, tinha iniciado uma série de reformas que incluíam, entre outras heresias, uma Carta de Direitos, garantias de liberdade de expressão e mesmo a criação de partidos políticos.
Nemeth foi aquele que abriu a sua fronteira com a Áustria, criando assim um buraco na “cortina de ferro” e permitindo a fuga para o ocidente de dezenas de milhar de cidadãos da RDA e de outros países “socialistas”.
Os dirigentes “socialistas” convocaram uma reunião do Pacto e em Bucareste os dinossauros Erich Honecker, Todor Zhikov e Nicolae Ceaucescu pediram uma “intervenção fraternal” para pôr termo à “ameaça ao socialismo”.
Na mesa estava também o novo líder soviético, Mikail Gorbatchev sem qual não poderia haver nenhuma “intervenção fraternal” como aquela que Leonid Brejhnev tinha levado a cabo em 1968, na então Checoslováquia.
Nemeth recorda que, estando no poder há apenas sete meses, esta era a sua primeira cimeira do Pacto de Varsóvia. Estava nervoso. Mas a certa altura, quando um dos dinossauros gritava e pedia a sua “expulsão” Nemeth diz ter olhado para Gorbatchev que… lhe piscou o olho com um sorriso irónico.
Nemeth soube nesse momento que o fim dos dinossauros tinha chegado. Como chegou.
* em Washington