A talhe de foice
Por Machado da Graça
Seguindo o velho princípio de que “a vitória prepara-se, a vitória organiza-se” a Frelimo e o Governo estão já em permanente pré-campanha eleitoral por todo o país.
Desde as presidências abertas até à enorme cobertura pelos órgãos de comunicação do sector público. Desde as permanentes inaugurações disto e mais aquilo até, agora, à atribuição do nome do Chefe de Estado à nova ponte sobre o Zambeze, tudo serve para preparar a vitória eleitoral de Outubro.
E se há coisas boas, no meio disso tudo, que beneficiam a população no seu dia a dia, outras coisas há que precisavam de ser feitas de forma mais calma e menos apressada para se evitarem consequências desastrosas.
Porque o slogan “a Frelimo é que fez, a Frelimo é que faz” poderá ser muito bonito se se referir a coisas boas. Se for aplicado a coisas vistosas mas de má qualidade pode ser um tiro que sai pela culatra, atingindo o próprio atirador.
Lembrei-me de tudo isto ao ler as reportagens sobre o descarrilamento do comboio na Linha de Sena.
Parece óbvio a qualquer observador que o Governo pretende acabar a linha até às próximas eleições. Ou, pelo menos, adiantá-la o mais possível.
Ora isso, que é legítimo e positivo, deixa de ser uma coisa e outra se, para se atingir o objectivo, passarem a ser descuradas as normas que garantem a segurança e a qualidade do empreendimento.
Neste caso concreto foi publicado que a locomotiva que sofreu o acidente tinha maus travões e que um furgão, atrelado à locomotiva, que devia ter um bom travão de emergência, também não tinha.
Duas falhas de segurança juntas que deram no que deram.
Felizmente não se tratava de um comboio de passageiros. Embora tenha havido perda de vidas humanas a lamentar muito pior teria sido se o comboio estivesse cheio de gente em vez de carregar materiais de construção e combustíveis.
As coisas levam o tempo que levam e é bom que levem, para evitar problemas.
Também o Estádio Nacional está atrasado e isso não deve animar os construtores chineses a usar métodos incorrectos de exploração dos trabalhadores moçambicanos para conseguir aumentar o ritmo da obra.
O país não acaba no dia das eleições,
Nem sequer é provável que as eleições façam mudar o titular da Ponta Vermelha. Para além de uma posição sólida, Armando Guebuza vai, ao que parece, enfrentar uma oposição dividida por seis candidatos, o que, à partida, retira possibilidades de vitória a todos e cada um deles.
Portanto, são muito grandes as probabilidades de que seja o actual Presidente quem vai inaugurar esses empreendimentos já no seu segundo mandato.
Não se deixem, portanto, os empreiteiros pressionar pelos políticos que só querem inaugurações seja por que preço for. Seja à custa do sangue de quem for.
Façam as obras com qualidade e segurança que todos lhes agradeceremos por isso.
E por isso também agradeceremos à própria Frelimo, como partido, embora talvez não a alguns dos seus dirigentes, como pessoas.
Sobre a atribuição do nome de Armando Guebuza à ponte sobre o Zambeze, francamente não gosto.
Creio que chegou a haver uma norma que proibia dar o nome de pessoas vivas a quaisquer empreendimentos. A lógica é que só o tempo decorrido após a morte de alguém permite ajuizar sobre se o seu tempo de vida justifica, ou não, que o seu nome seja imortalizado numa obra pública. Só que essa norma, se é que chegou a existir, há muito caiu em desuso.
E há sempre uma grande quantidade de lambe-botas a sugerir que o nome do seu chefe, seja lá em que sector for, seja levado aos mais altos patamares.
Felizmente os tais lambe-botas não se lembraram de dar o nome de Armando Guebuza não à ponte mas ao próprio rio, substituindo a designação de Zambeze, pelo menos no troço que circula em território nacional.
Talvez estejam a preparar essa ideia para o final do próximo mandato...
Mas, podem perguntar-me: Se não for esse o nome, qual é a tua sugestão?
E eu diria: Quem terá sido o comandante da guerrilha, na luta armada de libertação nacional, que primeiro fez, com os seus homens, a travessia do Zambeze? Se calhar eu escolheria o nome desse combatente.
SAVANA – 03.07.2009