“ESTOU
aqui, em Chiburiburi, a enfrentar muitas dificuldades de liderança com os
restantes régulos neste posto administrativo de Chupanga pelo facto de ser
única rainha ao nível do distrito de Marromeu. Além disso, a democracia
influencia negativamente na jurisdição de regulados, comparativamente aos
tempos idos em que se impunham as ordens e disciplinava a sociedade. Mesmo
assim, continuo de pedra e cal a mandar 792 habitantes”. Este é o desabafo de
Chica Zeca Macajhangi, a rainha de posto administrativo de Chupanga, conhecida
como a “Dama de Ferro”, em entrevista ao “Notícias” sobre a sua convivência com
os homens na condução do destino daquela comunidade ribeirinha do grande
Zambeze.
Maputo,
Quarta-Feira, 24 de Dezembro de 2008
FISICAMENTE
robusta e com mais de dois metros de altura, a rainha Chica, também conhecida
por Kundwe, de 52 anos de idade, afirma que está a ser mal entendida pela
comunidade e autoridades administrativas por estar a impor regras para melhor
convivência na área da sua jurisdição.
Sem
demagogias, aponta a introdução do sistema democrático no país como principal
causa da actual deterioração da moral na sociedade. Recuando no tempo e no
espaço, defende-se que antes disso, os régulos tinham o poder de reprimir os
assassinos, ladrões, feiticeiros, divórcios mal parados, entre outros males da
sociedade protagonizados por indivíduos de conduta duvidosa.
“Hoje,
estamos independentes e há muitos partidos, sendo que os régulos deixaram de
ser respeitados. Mas eu continuo a bater com o pé no chão, disciplinando os
moradores da minha zona de actuação. Democracia não significa a ausência das
leis e autoridades. Podem continuar a me detestar, mas nunca vou recuar na
tomada da minha decisão porque todas as casas devem ter um só galo”- ironizou.
A
conversa com o nosso repórter foi sendo constantemente interrompida para dar
lugar à saudação à rainha por parte de alguns residentes que no momento iam
passando pelo local. Esta atenção cativou-nos de certa forma o reconhecido
mérito da rainha Chica, como carinhosamente é tratada.
Exemplo
disso, é que uma cerimónia de inauguração do posto de primeiros socorros da CVM
construído na zona com financiamento da sua congénere espanhola, ficou
relativamente atrasada, pois o acto não deveria acontecer sem a presença desta
figura tradicional.
A
Direcção da CVM em Sofala, membros do governo de Marromeu, líderes
comunitários, entre outras figuras
influentes, tiveram mesmo que passar horas a fio, enquanto um mandatário
tentava convencer a presença da rainha neste acto.
Tratou-se
de uma insistência implicitamente ligada a aspectos tradicionais de que sem ela
proceder ao reconhecimento daquela unidade sanitária o esforço empreendido
seria sem sucesso!
DISPUTA
DO ESPAÇO
Entre
outros episódios, a nossa interlocutora contou-nos que neste momento está a
enfrentar disputa do espaço físico do seu território com os vizinhos regulados
de Nhamula, Nensa, Mbawaze e Ndiwa, caracterizando o facto de ser mulher como
principal pomo da discórdia.
Como
forma de resolver o imbróglio, ela achou por bem expor o assunto junto do
Ministério da Administração Estatal, estando já os topógrafos no terreno a
proceder a nova divisão administrativa.
“Não
é o facto de eu ser mulher que devem tentar aldrabar-me de modo a perder o
terreno cujo principal mentor deste procedimento é o regulo Nhamula”-
denunciou, indicando que os seus quatro chefes de povoações e nove líderes do
terceiro escalão cumprem integralmente com as suas decisões de garantir a ordem
e tranquilidade públicas na zona.
Falando
em língua local (sena) e debaixo de uma floresta densa em que se ergue o bairro
de reassentamento das vítimas de cheias do Zambeze, na região de Chiburiburi,
Chica confessou que chegou ao poder de regulado Kundwe depois da morte do seu
pai há sete anos.
Confessou
ter bom relacionamento com o governo e a comunidade, mas o problema de fundo
que lhe apoquenta é aquilo que considerou do roubo do espaço da sua área de
jurisdição e comunidade por régulos, aproveitando-se do seu chamado sexo fraco.
VANDALISMO
INQUIETA RAINHA
A
“Dama de Ferro” de Chupanga disse que está bastante revoltada com algumas
pessoas que ainda se mantêm nas zonas propensas a inundações. Acusa estes de
serem responsáveis pelo vandalismo de bens públicos como duas escolas e uma
unidade sanitária incluindo uma residência para professores abandonados na zona
de Ntandíkwa, devido às cheias do Zambeze ocorridas este ano.
Para
contrariar este procedimento, afirmou que já contactou as autoridades policiais
para responsabilizar os prevaricadores que arrancam chapas de cobertura
daquelas instalações para benefício próprio.
Pelo
facto da Polícia alegar falta de efectivo para actuar neste sentido, a rainha
disse que vai mobilizar elementos do policiamento comunitário para este
propósito, “porque se trata de um bem comum e o Estado não deve continuar a
investir na mesma área e para igual comunidade”.
Instalado
em Chiburiburi desde Abril do ano passado, a fonte entende que as chapas de
cobertura de edifícios abandonados nas zonas de cheias podem muito bem servir
nesta zona e com o mesmo objectivo.
“Estava
apenas à espera das ordens da Polícia e agora vou prender todos os malandros
que estão a fazer este tipo de destruição. Todos os homens sabem que eu sou
muito dura contra os desonestos”- sentenciou.
POLITIQUICE,
NÃO!
A
Rainha do posto administrativo de Chupanga, Chica Zeca, precisou que nenhum
partido político deve tomar protagonismo do funcionamento da autoridade
comunitária, porque, conforme defendeu, este tipo de estrutura sempre existiu.
Disse
que o problema ganha eco quando alguns reassentados perdem o direito de assistência
humanitária depois de abandonar áreas seguras para zonas vulneráveis.
Outros
recebem comida e, volta e meia, insultam a rainha, alegadamente por estar no
poder graças à oposição. “Todos ficam revoltados, mas o meu trabalho é de
garantir que não falhe o processo de reassentamento para minimizar o impacto
das próximas cheias do Zambeze – apontou.
“Aqui
nada podemos fazer para o bem-estar da comunidade sem autorização da Renamo.
Isto é muito mal para o desenvolvimento do nosso país”- queixou-se a rainha
Kundwe que mesmo assim prefere avançar sem aval daquele partido político.
Na
sua óptica, o régulo apenas obedece ao partido no poder, podendo vir acontecer
o mesmo procedimento caso a “perdiz” também venha a ascender à governação.
“Eu
não permito interferência política na minha zona de jurisdição”- reafirmou,
concluindo que nunca vai recuar deste seu ponto de vista. Por isso, considera
estar a ser mal entendida, reconhecendo, entretanto, que o importante neste
caso vertente é de garantir que haja um desenvolvimento da região, lutando na
preservação da paz.
- Horácio João