A talhe de foice
Por Machado da Graça
O Canal de Moçambique publicou, a semana
passada, um documento preocupante, aparentemente oriundo de um grupo de
oficiais das nossas forças armadas.
A propósito dos recentes distúrbios
protagonizados por militares em Montepuez, o documento em causa traça uma
imagem desastrosa do estado em que se encontram as nossas tropas:
Casernas em ruínas e sem qualquer
condição de habitabilidade, falta de comida, de fardas, de transportes, de tudo.
Até onde sei a nossa Força Aérea não tem
nenhum avião ou helicóptero a voar e a nossa Marinha de Guerra não tem nenhum
barco, para além de algumas lanchas de borracha, usadas para salvamentos
durante as cheias, mas estava convencido que, ao menos o Exército, estava
minimamente bem equipado. Este documento, a ser verdadeiro, tira as ilusões ao
mais bem intencionado.
Segundo ele, os militares revoltados de
Montepuez já acabaram, há vários meses, o seu treino e o curso já devia ter
sido oficialmente encerrado e eles colocados em outras unidades espalhadas pelo
país. Só que isso não aconteceu, ninguém lá foi encerrar o curso e eles
continuam ali pendurados sem saber qual será o seu destino, vivendo em
condições miseráveis.
Ora, na minha opinião, é profundamente
injusto, é completamente inaceitável, um país decretar o Serviço Militar
Obrigatório e, depois, não ter as condições mínimas para acolher aqueles que
são legalmente obrigados a para lá ir.
Uma coisa é, na minha opinião, simbólica
desta situação.
Enquanto todos os ministérios do nosso
país têm instalações cada vez melhores, com grandes letreiros identificativos
na fachada, o Ministério da Defesa tem um letreiro, talvez de meio metro de
comprimento por 40 centímetros
Esta é a realidade a que chegaram as
forças armadas que foram o orgulho de Samora.
Mas o documento a que me tenho estado a
referir vai mais longe. Fala da marginalização dos oficiais que não tenham
curso superior, dos que trabalharam com Tobias Dai e Lagos Lidimo, dos
provenientes das fileiras da Renamo.
Fala dos protestos do comandante de
Montepuez, pelas condições na sua unidade, e do desprezo a que são votados
esses protestos
Ora foi claro, após o acordo geral de
paz, que obrigava a uma divisão de 50% de homens provenientes das forças
governamentais e outros 50% de homens da Renamo, que o governo da Frelimo
desvalorizou o mais que conseguiu as forças armadas, reforçando, pelo
contrário, a polícia, que controlava completamente, como verdadeira força
eficaz na defesa da segurança nacional.
Só que o resultado dessa política é este
a que agora estamos a assistir: lamentável e perigoso.
Porque, numa situação como a nossa, em
que não temos inimigos em nenhuma das nossas fronteiras mas, pelo contrário, só
países amigos e parceiros dentro da SADC, se calhar mais vale não termos
nenhumas forças armadas do que termos as que temos, mal tratadas mas com acesso
a armamento de guerra.
Se o que aconteceu em Montepuez é um
aviso sobre o que pode começar a acontecer noutras partes do país, o melhor que
temos a fazer é levar esse aviso muito a sério, porque temos visto, por essa
África adiante, o que podem fazer militares descontentes. E isso é o que menos
falta nos faz neste momento.
Os nossos governantes parecem muito
preocupados, principalmente em períodos pré-eleitorais, com os homens armados
da Renamo em Maringué. Homens,
Pelo contrário não parecem nada
preocupados com os milhares de militares que, nas fileiras, parecem estar, a ser
verdadeira a carta, sofrendo todo o tipo de privações.
Política que me parece perigosa e a
necessitar, urgentemente, de ser repensada.
Desde a mais longínqua antiguidade foi
sempre da maior prudência que aqueles que andam armados estejam bem
alimentados, vestidos e alojados.
E não nos faz mal nenhum estudar, com a
devida atenção, os exemplos históricos.
SAVANA – 14.08.2009