Tal como outros internautas moçambicanos, também eu, tive o privilégio de receber, na minha caixa de mensagem, a tua carta. Li-a como quem mastiga, com ternura e afecto, com os lábios e a língua, e confesso que, à medida que percorria os seus escritos, era invadido por mares de lágrimas. Senti-me bastante comovido e, de certa maneira, com os olhos abertos por causa do teor da mesma e venho através desta carta juntar a minha voz à sua.
Obviamente, não me conheces, mas, como tantos outros moçambicanos, tive conhecimento do hediondo crime que vitimou o teu querido pai – crime esse equiparado às actividades violentas perpetradas pelas tenebrosas e sanguinárias sociedades secretas que abunda(ra)m em todas as épocas da História.
Sou mais um dos jovens e cidadãos neste extenso Moçambique que assiste, impávido e sereno, à morosidade desta nossa Justiça podre, desactualizada e sem entranhas de humanidade.
Mas, infelizmente, como teus compatriotas, como moçambicanos o que mais nos têm faltado - e que vai ficando bem à vista, a cada dia que se levanta – é a Consciência e a Graça ou Sensibilidade, algo que deveria fazer corar de vergonha a todos nós.
Cara Jéssica, aproveitaram-se da tua ingenuidade de menina de seis anitos para mentirosamente prometerem-te que os culpados seriam conhecidos e punidos. E tu, na tua fragilidade de menina, acreditaste em toda aquela patranha e todo aquele circo protagonizado no funeral.
Minha compatriota, quero dizer-te que há muita gente mentirosa nesta nossa pátria amada. Muitos filhos legítimos de mãe Mentira e pai Assassínio. Muitos indivíduos sem a mais pequena réstia de sentimento. Muita gente que finge escrúpulos. Mentem que se fartam. Mesmo quando estão calados, mentem. Fazem promessas que sabem bem que nunca cumprirão. O que sabem fazer com perfeição é: prometer até à náusea e ampliar as suas riquezas, os seus privilégios, os seus poderes, até para lá do inaceitável e insuportável. Numa palavra, não são exemplo para ninguém.
Insensíveis (para não dizer cruéis), também somos nós - o Povo, a maioria subjugada - consagrados na hipocrisia e incapazes de exigir os nossos direitos, nomeadamente a Justiça, a Segurança e o Bem-estar. Somos incapazes de nos emocionarmos, de nos movermos por um espírito solidário. Somos incapazes de pôr a nu, as injustiças. Somos incapazes de protestar, de forma salutar, contra todos os actos bárbaros que vitima(ra)m muitos dos nossos compatriotas inocentes. Em suma, somos um bando de cobardes domesticados no auge da desumanidade e cúmplices de todas atrocidades cometidas contra os homens honestos.
Despojados de consciência crítica, vivemos e andamos amedrontados e sem discernimento. Tudo porque - como sabemos por aquele saber de experiência vivida e não só – tememos que, no momento da luta pacífica, sejam enviadas a Polícia e a FIR, armados até aos dentes, prontos para reprimirem, castrarem e até matarem sem dó nem piedade a todos que tiverem a ousadia de se lhes opuserem ou resistirem.
Mas cara Jéssica, minha compatriota e irmã, não desfaleças, porque um dia – pode levar muito tempo, mas chegará – os moçambicanos, os teus compatriotas, esses adormecidos, irão despertar e verão essa injustiça estrutural, essa mentira institucionalizada, sentirão a mesma dor que sentes e, por seu turno, forçarão a investigação a dar um salto bastante qualitativo em frente. O Povo
Portanto, hoje, mais crescida, mais consciente e madura, carregas uma grande responsabilidade: ajudar a tua mãe e o teu irmão na luta pela Justiça. Mantém-te firme e continua com o mesmo espírito e a mesma sede de Justiça. Nunca te deixes moldar ou domesticar. Foge de todos esses discursos alienantes e estupidificantes que são proferidos diariamente. Não desistas. Grita bem alto e o vento cuidará de espalhar a tua mensagem para todos os cantos deste país. E receberás, obviamente através do mesmo vento, a resposta da tua inquietação. Quando as saudades apertarem e sentires vontade de chorar: chora! Chora. Chora. Mas nunca te conformes, porque é isso que eles esperam de ti e da tua família. Por isso, cresce em luta, consciência e sabedoria e sempre atenta, de olhos bem abertos e postos no Amanhã.
Justiça. É o que mais te desejo. Justiça. É o que mais espero para ti, Jessica, minha compatriota. Acolhe com ternura e afecto, o meu beijo de esperança!
Teu compatriota e irmão,
Shirangano.
O AUTARCA - 21/08/09