ECONOMICANDO
Por Joao Mosca
Os distritos são tidos como base territorial de desenvolvimento. Essa é possivelmente uma das razões de medidas governamentais, como a descentralização do Estado, a afectação de recursos (sobretudo os chamados 7 milhões), etc. Alguns, imagino que dirigido aos incrédulos sobre o desenvolvimento, sugerem que se visite os distritos.
Estive em alguns distritos da zona centro e norte. A minha intenção era apenas ver e procurar interpretar e relacionar com análises que se fazem a nível mais geral. Estive me poucos, por pouco tempo e por isso não se pode ser conclusivo. Descreve-se a seguir o que mais de relevante fui observando e depois teço algumas observações.
Vi muita gente nos aglomerados populacionais, o que significa que muitas pessoas não regressaram ao local de origem após o fim do conflito. Cidadãos que procuram as mais diversas formas de sobrevivência, com predominância para o comércio informal, muitas vezes diante de antigas cantinas em ruínas. Muita gente fazendo biscates e no “estou pidir”. Vadiagem também. Vende-se alimentos maioritariamente importados mais o caju, amendoim, frutas e hortaliças locais. Carvão, lenha e caniço de que a natureza é fértil. Bastantes casas construídas em tijolo. Os“chapas” são semelhantes em todo o lado. Muitas bicicletas. Poucos camiões com carga de mercadorias. Tomei conhecimento de alguns investimentos sobretudo externos na construção, hotelaria, turismo e algumas unidades industriais de pequena dimensão.
Vi mais escolas, centros de saúde e poços de água que há vinte anos. Sabe-se da electrificação de muitas vilas Estradas melhores que anteriormente. Pessoas mais bem vestidas e calçadas que nos anos oitenta. Também grande parte da indústria em ruínas ou produzindo muito abaixo das capacidades. As infra-estruturas urbanas estão muito deterioradas algumas em quase ruína, não obstante viverem lá pessoas. Lixo abundante nas ruas. Não sei do estado do underground citadino, mas pode-se imaginar, mesmo não sendo engenheiro civil ou arquitecto. O Grande Hotel da Beira é um impressionante monumento ao populismo, incompetência do Estado e incúria dos responsáveis.Por onde estive hospedado existiram workshops todos os dias. Quanto se gasta por ano nestes encontros e do que deles se beneficia?
Ao entrar num dos distritos apresentei-me às estruturas do Estado e do município. Disseram-me que era melhor levar uma credencial (guia-de-macha rebaptizada?) para visitar a vila e uma zona com grandes potencialidades turísticas. De gabinete em gabinete ia perguntando pelas credenciais que não se assinavam porque os chefes não estavam, ou tinham vindo e saído de imediato, com almoço intercalado. No concelho municipal houve finalmente “despacho verbal” em como deveria visitar a vila acompanhado por um senhor (por razões óbvias não digo o nome da pessoa, que entretanto não estava). Cansado de esperar dei as voltas que pretendia, sem credencial nem “guia turístico”. Quanto ao local turístico soube depois que era preciso pagar ao chefe tradicional. Um garrafão de vinho tinto, cigarros, fósforos, um pano branco e outro negro para as rezas e 150 meticais por pessoa. Eram necessárias rezas para evitar a ira dos espíritos. O certo é que já tinha estado em tempos e por muitas vezes no local e nuca houve rezas. Não vi nem senti qualquer efeito dos espíritos. A hora adiantada em volta das credenciais não permitiu essa deslocação.
Vi muitas bandeiras de partidos políticos. Mais de um de que outros, novas, provavelmente já materiais para a campanha eleitoral. Muitas igrejas de várias religiões. Há mais edifícios do Estado mesmo nas vilas pequenas. Vi muitos funcionários que pareciam ter pouco ou nada que fazer.
Ouvi histórias sobre o funcionamento do tecido económico e o comportamento de alguns empresários e instituições, que a serem verdadeiras, são de arrepiar. Se o que ouvi é verdadeiro, o que se conhece da luta contra a corrupção é “diversionismo”.
Algumas pequenas interpretações do visto: Grande parte dos bens alimentares no comércio informal é importado e há uma grande presença de organizações internacionais. A população na luta pela sobrevivência através de múltiplas formas e habilidades para a obtenção de parcos rendimentos, aproveitando sobretudo a riqueza da natureza. Desenvolve-se o jeito do pequeno negócio e também do desenrasca e da esperteza, que afinal respondem a uma procura de massa e nada exigente. Perdem-se referências de uma economia formal e com isso não há a percepção das regras e deontologias do negócio.
Num outro nível, numa certa província, sente-se dinheiro “quente” sem base económica visível que o justifique. Será que as histórias que me contaram são mesmo verdade? Mas é tão fácil ver! Porque não se averigua? (lamento mais uma pergunta ingénua)!
O baixíssimo investimento nas zonas rurais, excepto quando existem interesses externos quase sempre desenraizados no território e das pessoas. Fala-se de investimento e esquece-se o grande desinvestimento que existe em infra-estruturas e no capital fixo que muito possivelmente torna o investimento líquido negativo. Mas como investimento se não há nem é possível poupanças?
A história das rezas para se ir à montanha revela a comercialização descarada das crenças, dos costumes e das tradições pelos poderes tradicionais e alimentada pelo poder formal numa aliança perversa e cínica. Será que o chefe tradicional iria beber o vinho tinto e compartir os cigarros com os seus súbditos? Uma aliança entre poderes na base da usurpação de recursos. Ou será uma forma de preservação das culturas e tradições a troco de vinho tinto que o régulo, guardião da história do seu povo merece?
Finalmente o Estado local, todo-poderoso, desconfiado, que procura controlar os movimentos de quem chega. Um estado que cresceu em tamanho e diminui em funções e capacidade. Um estado que se confunde propositadamente com o partido FRELIMO.
Será isto desenvolvimento ou, sobretudo, capacidade dos cidadãos para resistirem à vida, sem dúvida com mais oportunidades e liberdades que antes? Para além dos investimentos suportados sobretudo por recursos externos, das escolas e dos centros de saúde e mais Estado “à vista”, o que vi foram formas de economia que não obstante mitigarem a pobreza no prazo imediato, dificultam o desenvolvimento a longo prazo. Emergência de actividades com retorno rápido e pouco investimento inicial. Sintomas evidentes da dependência externa. Sector produtivo destroçado. Tecido económico desarticulado.
Aos que sugerem que se visite os distritos para se ver os progressos, também se lhes pode sugerir que continuem a visitá-lo, mas que também o façam como cidadãos anónimos. Que olhem e vejam sem filtros.
SAVANA – 21.08.2009