Esta foto, hoje(20) publicada no NOTÍCIAS de Maputo, trouxe-me à memória a forma como foram tratados, não só durante a chamada Luta de Libertação, como durante o governo de partido único, as autoridades gentílicas em Moçambique.
Lembrei-me então de um trabalho publicado pelo Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, em 2007, e acima identificado.
Dele transcrevo:
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"Com ajuda de todos estes elementos e contrariamente ao discurso oficial, é possível verificar que se a "frente" zambeziana fracassou não foi "por culpa das autoridades tradicionais". Isso não passava de uma estratégia deliberada da Frelimo para marginalizar esta instituição vista como incompatível com o Estado moderno, porque como dizia o primeiro presidente deste movimento, Eduardo Mondlane, o poder tradicional seria uma fonte de regionalismo e de tribalismo num Estado independente.
Ademais, as autoridades tradicionais eram vistas como não constituindo um poder legítimo porque tinham sido pervertidas pelo colonialismo. Isto equivalia a dizer que para a Frelimo as "verdadeiras autoridades tradicionais" tinham deixado de existir com a derrota do imperador Nguni Ngugunhane (changane à semelhança de Eduardo Mondlane e outros principais dirigentes deste movimento) em 1895 e os que restavam não passavam de simples "fantoches". Mas Ngugunhane, justamente, não era um chefe tradicional, mas um imperador e guerreiro estrangeiro oriundo do Mfecane zulu. Entretanto, a Frelimo tinha-o, transformado num arquétipo da resistência primária anticolonial...
Esta política inscrevia-se também na lógica frelimista de se autoproclamar como o único e legitimo representante do povo moçambicano, eliminando todo o concorrente socialmente diferente e susceptível de pôr em causa o seu poder. A divisa era um só povo, uma só nação, uma só cultura, um só partido fim de preservar a unidade entre os moçambicanos. Esta visão que confundia unidade com unicidade conduziu inevitavelmente à negação da diversidade das identidades e de interesses no seio da sociedade moçambicana. Em jeito de conclusão, é preciso sublinhar que a marginalização do poder tradicional considerada uma "estrutura arcaica e feudal" ou "colaboradora do inimigo" pode ser comparada ao combate que a Frelimo operou contra a religião (sobretudo a Igreja católica), contra os assimilados que não tinham aderido à sua luta, contra os "burgueses", os antigos membros das diferentes instituições coloniais tais como Acção Nacional Popular (o antigo partido único português), Polícia da Segurança pública (PSP), em resumo, contra os chamados "inimigos internos". Qualquer que tenha sido a teorização feita pela Frelimo, tratava-se de meios sociais capazes de se oporem ou de concorrem com este partido e sobretudo, de meios sociais estranhos ao ethos e ao habitus (no sentido bourdieusiano do termo) da principal elite dirigente da Frelimo composta por jovens assimilados, oriundos de meios urbanos ou mesmo sendo originários do meio rural, tinham sido socializados nas cidades.
Segundo Salvador Forquilha (a seguir a um estudo de Allen Isaacman sobre os chefes tradicionais), é provável também, que a elite dirigente da Frelimo compostas maioritariamente pessoas oriundas do Sul de Moçambique, como por exemplo Samora Machel, tenha reagido violentamente em relação as autoridades tradicionais, porque diferentemente ás do centro e norte do país, as do sul tinham relativamente prosperado graças às rendas provenientes do sistema do cultivo forçado do algodão e sobretudo das que provinham dos mineiros moçambicanos na África do Sul, que no seu regresso a casa, tinham a “obrigação moral” de dar-lhes.
As recentes mudanças da Frelimo em relação às autoridades tradicionais, não significam que este partido tenha uma nova percepção desta instituição. Simplesmente foi forçado a adaptar-se ao novo contexto político caracterizado pelo multipartidarismo, no qual o poder é conquistado via voto e onde o papel do poder tradicional é determinante para conquistá-lo.
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Podem ler o trabalho completo em: Download Os chefes tribais sao fantoches
NOTA:
Como eram e como estão. Foto impensável durante o governo de partido único.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE