Parte da entrevista concedida pelo Juiz Almiro Rodrigues ao CORREIO DA MANHÃ e que esteve no Tribunal Penal Internacional(TPI) para a ex-Jugoslávia, em missões da ONU na Costa do Marfim, foi candidato à Presidência do TPI, Juíz na Câmara de Crimes de Guerra de Sarajevo, tendo agora tomado posse como juíz do Tribunal Constitucional do Kosovo:
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Acredita que a justiça que foi feita pode compensar o drama humano que existiu?
A resposta é, claramente, não, mas é muito mais do que não haver justiça. O que tínhamos antes era uma situação de total impunidade. Os líderes mundiais, os chefes militares, faziam o que lhes apetecia e não eram chamados à responsabilidade. Creio que nem o próprio Milosevic acreditou que alguma vez fosse possível ir a tribunal. Acredito que a justiça é decisiva porque o ouvi da boca das vitimas. Imensa gente disse-me: “eu sofri imenso para chegar aqui, eu reservei esta história para ser contada aqui, porque é aqui, é na justiça que este problema tem que ser resolvido”. Portanto as pessoas acreditam efectivamente em termos internacionais que a justiça é decisiva.
Os crimes relacionados com direitos humanos prescrevem?
Os crimes de guerra, os crimes de genocídio e os crimes contra a Humanidade são imprescritíveis. Mesmo os responsáveis políticos não têm consciência de que crimes cometidos há 30, 40 e mais anos podem ainda hoje ser julgados. Ou seja, do ponto de vista prático, crimes que aconteceram na Guerra Colonial podem ser sujeitos a julgamento hoje. Eu sei como, do ponto de vista processual. Se é possível julgá-los, digo ‘sim’, claramente. De outro ponto de vista já não respondo.
Há responsáveis militares e políticos portugueses que ainda podem vir a ser julgados?
Do ponto de vista jurídico, a resposta é, claramente, sim. Isto é, os crimes são imprescritíveis.
Pensa que isso deveria ser feito?
Prefiro não me pronunciar. Sou muito a favor dos processos de transição, pois visam resolver as consequências de um conflito. A justiça é apenas uma parte desse processo. Portanto, não me compete a mim apreciar do ponto de vista político e da oportunidade. Juridicamente, é possível, e se fosse encarregado de o fazer encontraria uma solução.
Mas quem faria os julgamentos?
É possível os tribunais portugueses, angolanos ou moçambicanos julgarem. É possível a criação de um tribunal ad-hoc. Mas isto implica, obviamente, uma decisão política, uma solução do ponto de vista processual, para estabelecer e dizer qual é o tribunal competente. Agora, qualquer procurador pode começar uma investigação e pode levar o caso a tribunal.
Se lhe encomendassem esse trabalho fá-lo-ia?
Fá-lo-ia porque seria minha obrigação. Como jurista com algum conhecimento e experiência neste domínio sei como fazê-lo. Mas ninguém me pediu até hoje e também não me ofereço.
Isso poderia levantar um grande reboliço na sociedade portuguesa.
Penso que sim. Mas também acho uma outra coisa: os reboliços por vezes trazem esclarecimentos que são úteis ao desenvolvimento mais sereno e mais calmo. Não estou a dizer com isto que o reboliço tem que existir.
Portanto há aqui uma questão que ainda pode vir a ser pegada.
Há uma questão que não é questão, porque as pessoas nunca tiveram consciência de que os crimes são imprescritíveis.
Porque decidiu sair, o País era demasiado pequeno para si?
Havia coisas que eu gostava fazer neste pais e que senti que não podia fazer e por isso pensei que podia fazer fora.
Que coisas?
Por exemplo, ao nível da reorganização da justiça, ao nível da formação dos magistrados, ao nível de criar mecanismos de proximidade com o cidadão, ao nível de melhorar a comunicação com o público, com as partes. Havia muita coisa que gostaria de fazer e que tive oportunidade de fazer lá fora.
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CORREIO DA MANHÃ(Lisboa) - 16.08.2009
Leia a entrevista completa em: http://www.correiomanha.pt/noticia.aspx?contentid=E030AECF-0E99-43F5-BB9F-0F286C725FAB&channelid=00000019-0000-0000-0000-000000000019#