- Frustrado com o fracasso da opção Zambeze-Chinde, o
estadista malawiano cancelou a sua agenda e ficou no hotel em Maputo
- Incidente com uma bicicleta transformado em assunto
de Estado
Por Raul Senda*
O Governo moçambicano
não aceitou dar luz verde ao executivo malawiano no sentido deste desviar a
rota das suas transacções comerciais dos portos de Nacala e Beira para o canal
Chire- Zambeze. O Governo moçambicano refugiou-se na viabilidade ambiental para
adiar a operação. No entanto, informações em poder do SAVANA indicam que a decisão
dos dirigentes moçambicanos tem em vista proteger os interesses comerciais dos
portos de Nacala e Beira, cuja gestão está confiada a empresas ligadas a altas
figuras da Frelimo, incluindo o próprio presidente da República, Armando
Guebuza.
Numa altura em que o Malawi está a
registar um desenvolvimento económico extraordinário, a aposta do estadista
malawiano é de alargar a base comercial, através da conquista de novos
mercados. Tenciona ainda reduzir os custos de transportes e comunicações. O
Malawi, para além do chá e do tabaco é agora
Uma das alternativas em que os malawianos
apostam é a redução das exportações e importações através dos portos de Nacala
e Beira e a reactivação do canal de navegação entre os rios Chire e Zambeze,
fazendo a ligação entre os portos de Chinde, na Zambézia e Nsanje, no Malawi. A
empresa Mota-Engil, que recentemente terminou a ponte no Zambeze, prepara-se
para melhorar o porto fluvial de Nsange transformando-o numa infraestrutura
estratégica para o Malawi.
Entendem os malawianos que uma vez aberta
esta rota, os custos de exportações e importações podiam baixar na ordem dos 25
por cento além de reduzir a distância em 560 quilómetros p
Na óptica dos malawianos, o porto da
Beira localiza-se a cerca de
Vaquina
Para os malawianos, o projecto (designado
Canal Fluvial Chire-Zambeze) é vital para a economia do país e também para a
Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe, bem como para o Burundi e o Ruanda, uma vez que permite
a redução significativa dos custos de transporte de mercadorias.
Do lado moçambicano o pensamento é
diferente. Há dias, o governador de Sofala, Alberto Vaquina, na companhia de
agentes económicos com interesses na linha de Sena, corredor e o porto da
Beira, deslocaram-se ao Zimbabwe, Malawi, República Democrática do Congo e
Ruanda a fim de persuadir os empresários locais a apostarem no porto da Beira
para o exercício das suas actividades comerciais.
Em 2007, os governos de Moçambique e
Malawi, incluindo a Zâmbia, assinaram um acordo para o estudo de viabilidade da
rota e o mesmo chegou à conclusão de que a concretização do projecto seria uma
mais valia para os países do interland, já que reduz significativamente
a distância com a costa.
Na ronda negocial entre as duas
delegações, realizada nesta segunda-feira, 10 de Agosto, o governo moçambicano “refugiou-se”
num estudo de viabilidade para a concretização das pretensões malawianas.
Em privado, oficiais do governo
moçambicano e da área ferro-portuária nunca mostraram qualquer entusiasmo pelo
projecto fluvial.
Segundo Oldemiro Balói, ministro dos
Negócios Estrangeiros de Moçambique, a aprovação do projecto depende dos
resultados do estudo do impacto ambiental que deverá arrancar dentro em breve.
“Só o estudo do impacto ambiental é que
vai determinar a aprovação do projecto. De momento, nada se pode avançar”,
disse. Segundo apurou o SAVANA, depois da saída precipitada do presidente
Wa Mutharika na quarta-feira, ficou em Maputo o ministro dos Transportes do
Malawi, Khumbo Kachale que espera assistir à assinatura do contrato para o
estudo do impacto ambiental a executar pelo consórcio ZARTCO. O jornal também
apurou que o consórcio é representado em Maputo por um escritório de advogados “multiusos”
mas investigações das autoridades competentes envolvidas no “dossier” expressaram
ao SAVANA sérias dúvidas sobre as verdadeiras intenções e as
habilidades técnicas do consórcio.
São pelo menos conhecidos três outros
estudos sobre navegabilidade e impactos ambientais nos rios
Chire e Zambeze, um dos quais encomendado
pela multinacional Riversdale, potencialmente interessada em exportar o carvão
de Benga, em Tete por via fluvial. A linha de Sena ainda em reabilitação e os
crónicos problemas nos acessos ao porto da Beira por navios de grande calado,
causas naturais, apreensões aos investidores na extracção do carvão de Tete.
Fontes próximas do projecto fluvial dão
conta de que a proposta foi adiada com vista a serem avaliadas as possíveis
repercussões económicas dos portos de Nacala e Beira, já que além do Malawi, a
abertura do canal poderia também desviar os exportadores zambianos, congoleses
e outros, também clientes dos dois portos acima referidos.
Lembrar que a gestão dos portos da Beira
e Nacala está confiada a empresas cuja estrutura accionista é detida por altas
figuras do partido no poder, incluindo o próprio Presidente da República,
através da CDN (Nacala) e Cornelder de Moçambique (Beira).
Mutharika baralha o protocolo
Ao contrário do que estava inicialmente
previsto, a única agenda oficial que o estadista malawiano cumpriu em
Moçambique foi a deposição de uma coroa de flores no monumento dos Heróis Moçambicanos,
a participação no encontro entre as duas delegações e no jantar oferecido pelo
presidente moçambicano, tudo no primeiro dia da visita.
De lá em diante, Bingo Wa Mutharika
baralhou por completo o protocolo moçambicano, onde alterou a sua agenda. O
presidente não foi à Beira como previsto, nem visitou o Instituto Agronómico,
quarta-feira, na zona Umbelúzi-Boane. Aliás, depois do encontro, Mutharika
nunca mais abandonou o hotel onde esteve hospedado. A delegação malawiana fez
saber à sua contra-parte que o presidente “estava a fazer telefonemas para casa”
pare se inteirar de um incidente no Niassa envolvendo uma bicicleta e um posto policial
precário.
O cancelamento repentino da deslocação à
Beira, baralhou toda a logística incluindo a mobilização de populares que o Governo
de Vaquina preparou para receber o estadista malawiano.
Soube o SAVANA
que a partida de Wa
Mutharika de Maputo à Beira estava prevista para as oito horas da manhã de
terça-feira, mas até ao princípio da tarde ninguém do protocolo moçambicano
sabia do adiamento da viajem. A visita ao Instituto de Investigação Agronómica
também foi cancelada e a comunicação só chegou à Presidência da República, na
noite desta terça-feira.
Sobre a não deslocação de Wa Mutharika à
Beira, o SAVANA tem em seu poder informações não confirmadas, de que
questões de índole política terão obrigado o presidente do Malawi a desviar-se daquilo
que era o principal objectivo da sua visita a Moçambique: a obtenção de um
firme cometimento moçambicano na exploração da rota fluvial Nsange-Chinde.
Na noite de segunda-feira, num banquete
oficial, enquanto Guebuza lia um discurso burocrático de circunstância,
Mutharika explicou claramente os objectivos económicos e comerciais que o
trouxeram a Maputo na sua primeira visita oficial: abrir o canal alternativo
Nsange-Chinde para as importações e exportações do seu país.
Fontes malawianas contactadas pelo jornal
dizem que o presidente ficou particularmente agastado ao ser confrontado com
uma alegada violação de fronteira em Caloca, Niassa que teria acontecido a 3 de
Agosto mas só foi divulgado pela imprensa do Estado precisamente no dia da
chegada de Mutharika a Maputo.
A ênfase dada ao incidente e a “falta de
entusiasmo” moçambicano no projecto fluvial convenceram Mutharika que não
voltaria a Lilongwe com um acordo na mão. A partir daí, visitar o porto da
Beira era participar na “estratégia moçambicana” de enfatizar uma via de
escoamento muito mais onerosa, na perspectiva de Lilongwe. Não obstante, as
autoridades malawianas estão interessadas na implantação de um “pipeline” para
o escoamento de combustíveis líquidos a partir do porto da Beira.
Porto de Nacala “em fora de jogo”
Em 2006, Moçambique, Malawi e Zâmbia
estiveram envolvidos no processo de reabilitação da linha férrea integrada no
Corredor de Desenvolvimento de Nacala com vista a dinamizar as transacções comerciais
entre os três países.
Trata-se de um troço de 77 quilómetros
No entanto, a questão foi ignorada na
recente visita do estadista malawiano. A questão de energia de Cahora Bassa
também não mereceu destaque da parte das duas delegações, não obstante o Malawi
estar a ressentir-se de sérios problemas de energia eléctrica. Em conversas com
representantes dos interesses da CDN, concessionária do corredor de
desenvolvimento do Norte, os malawianos gostariam também de deter uma
participação accionista na empresa já que são um dos principais utilizadores.
Mutharika durante a visita a Maputo não
ficou alojado numa casa de protocolo mas num hotel de cinco estrelas na Av.
Julius Nyerere e à sua partida teve como contraparte um simples ministro:
Oldemiro Balói, o responsável pelos Negócios Estrangeiros.
Para grande confusão, o avião que o
deveria levar ao Malawi avariou e teve que ser substituído por uma segunda
aeronave de matrícula sul-africana.
Falando aos repórteres, Mutharika deu uma
desculpa esfarrapada: tinha de regressar rapidamente ao país para se inteirar
do que se passou no Niassa a fim de dar uma resposta “ao seu irmão Guebuza”.
SAVANA – 14.08.2009