VOVÓ Nhaca, como carinhosamente é tratado a autoridade tradicional máxima da Ilha da Inhaca, um dos distritos municipais de Maputo, está de costas voltadas com o seu povo. O caso não é para menos. É que muito recentemente apareceu na costa daquela ilha uma baleia enorme, sem vida. Os populares não se fizeram de rogados, tendo tomado conta do mamífero. Os que chegaram primeiro ao local onde o animal encontrava prostrado trataram, unilateralmente, de cortar o maior pedaço de carne dividindo o animal a possível seu belo prazer, sem que tal acção obedecesse a nenhuma ordem superior.
Os outros, que foram chegando ao local da milagrosa “festa”, repartiam igualmente e carregavam os maiores nacos possíveis do animal, cuja carne desapareceu numa sentada, tal era a procura.
Tudo isto aconteceu sem o conhecimento da incontornável figura tradicional que, por algumas dificuldades de se locomover, estava acomodada na frondosa sombra da sua casa, como o tem feito habitualmente.
Aliás, Vovó Nhaca só veio a saber da existência da baleia alguns dias depois e quando a carne já havia sido consumida na totalidade. Segundo ele, que falava recentemente num comício popular convocado pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM), não para falar da baleia, mas sim da apresentação pública do plano de maneio da ilha, a informação sobre o aparecimento do animal chegou-lhe aos ouvidos quando algumas pessoas comentavam na sua cara sobre o sabor inquestionável da carne.
Surpreendido e inconformado com a notícia, o líder disse que tentou pedir explicações de algumas pessoas ligadas ao governo distrital, da Biologia Marinha da UEM, bem como de pessoas próximas, mas a resposta que obtinha era quase a mesma: “a baleia apareceu e foi a população quem tomou conta dela, sem consultar a ninguém”.
Para ele, a forma como lhe passaram para trás na divisão da carne foi tão má que até algumas pessoas da ilha que haviam se deslocado à cidade de Maputo, noutros afazeres, foram informadas da presença na costa de uma baleia, tendo voltado a tempo de conseguir um pedaço. Ele, que se encontrava a escassos metros do local, ninguém se dignou a informá-lo de tal facto. Para ele, esta atitude constitui uma gritante falta de consideração para com a autoridade tradicional máxima da zona, totalmente ignorada na divisão da carne.
“Comeram a baleia e eu como autoridade máxima não fui informado de nada. Isso é mau, sobretudo quando as pessoas não sabem respeitar as tradições. O animal não podia ser devorado de qualquer maneira, pois havia procedimentos tradicionais a respeitar, isto antes da carne ser repartida. As pessoas ignoraram tudo isso. Um dia se acontecer algo mau na nossa ilha não se admirem… será fruto da violação cometida. Veja que nem sequer um naco se lembraram de me mandar para eu também sentir o sabor da carne. Se alguém me perguntar como é que sabe o animal, não sei dizer porque não me contemplaram. Passaram-me para trás, mas quando há problemas de maior por resolver, sabem que eu existo” – lamentou o líder tradicional, perante o silêncio total de populares que enchiam o local do comício.
Explicando ainda o que faria se tivessem lhe chamado a tomar conta do animal, ele disse que uma parte do esqueleto (espinha) seria levada para a Estação de Biologia Marinha para ser objecto de estudo, e a outra ficaria com ele para outros procedimentos tradicionais que lhe competem, como autoridade tradicional máxima.
Vovó Nhaca precisou de cerca de trinta minutos para falar, numa comunicação dominada por um misto de revolta e desabafo por lhe terem esquecido na divisão da baleia. Segundo ele, não encontrou outro momento apropriado para o fazer, visto que há muito que não se reúne com o seu povo, tendo aproveitado o encontro do último sábado, convocado pela UEM, para falar de tudo que lhe ia na alma.
No final da sua intervenção, como era de esperar, ninguém por parte dos populares soube explicar o porquê da exclusão do líder tradicional.
- HÉLIO FILIMONE