TRIBUNA DO EDITOR
Por Fernando Gonçalves
Existirá hoje o mesmo Chipande (ao centro) da foto?
Tendo sido convidado, participei na
segunda-feira da semana passada, dia 3 de Agosto, no encontro em que foi
anunciada publicamente a nova estrutura accionista e de direcção do Corredor de
Desenvolvimento do Norte (CDN), e devo dizer que saí totalmente desiludido.
Devastado, se há algum termo mais forte.
Devastado porque para mim, aquilo que me
havia sido dado a entender como tratando-se de um encontro para o anúncio de
uma transacção económico-financeira de rotina para qualquer economia normal e
razoavelmente saudável, acabou sendo transformado num acto político, no qual se
tentou pregar uma doutrina quanto a mim retrógrada, reaccionária e que entra completamente
em choque com a ideologia do desenvolvimento sustentável e equilibrado de um
O actor principal desta peça foi o
General Alberto Joaquim Chipande, que pela sua estatura na nossa sociedade,
dispensa qualquer apresentação. Para tornar curta uma longa história, o que o
General Chipande disse naquele encontro foi, essencialmente, que neste país a
Frelimo faz o que lhe apetece, e o resto que se dane! Que os dirigentes da
Frelimo têm o direito natural de enriquecerem, não importam os meios, porque
lutaram para libertar o país do colonialismo.
Que são anti-patriotas os que criticam a
corrupção e o uso restrito e indevido dos recursos nacionais por uma pequena
elite ligada à Frelimo.
Com todo o respeito que tenho por ele e
por muitos outros da sua geração, cheguei a pensar que o General pudesse estar
sob influência de qualquer anti-depressivo. Porque tudo quanto ele disse
contraria em absoluto o discurso formal da Frelimo de lutar contra as
desigualdades, contra a pobreza e pelo estabelecimento de uma sociedade de
justiça, próspera, moderna e civilizada.
Não conheci Lázaro Kavandame, mas por
aquilo que já me foi dado a conhecer pela própria história da Frelimo, o
discurso de Chipande assemelhava-se muito à sua narrativa. Será que a Frelimo
chegou à conclusão de que estava no caminho errado, e que os ideais de
Kavandame e do seu grupo representavam, em última análise, as aspirações mais
altas da luta pela independência?
Fiquei com a impressão de que o que
Chipande estava a dizer era o reflexo do pensamento colectivo dos dirigentes
veteranos da Frelimo. De que lhes devemos favores e obediência inqualificada
por nos terem libertado do colonialismo. Quem disse que os que consentem sacrifícios
pela libertação ou em defesa da Pátria fazem-no por um objectivo nobre e pelo
bem comum?
Ficara aparente de há uns anos para cá,
que a Frelimo estava num processo de arrependimento pelas suas opções
comunistas do período que se seguiu a 1977. Para muitos isso justificava o
capitalismo selvagem e desumano para que muitos dos seus dirigentes se haviam
atirado, numa espécie de tentativa de recuperar o tempo perdido. Agora foi bom
ouvir essa confirmação de nada menos do que de uma das figuras mais iluminárias
desta Frelimo.
A máscara vai caindo gradualmente. E é
muito bom, para que as futuras gerações não tenham que viver com uma história
esbranquiçada, como aconteceu com a geração dos filhos da geração de Chipande.
Pessoalmente, não considero traição de
nenhuma espécie que os dirigentes da Frelimo, ou para esse propósito qualquer
moçambicano, enriqueçam. Mas oponho-me tenazmente a uma sociedade em que uns
acumulam cada vez mais e os outros, a maioria, têm cada vez menos.
Oponho-me a uma sociedade em que os ricos
não o são porque criaram riqueza, mas sim porque usaram da sua influência e
poder para assumirem posições como accionistas em empresas sem nunca terem
posto um único centavo na mesa.
Oponho-me a um sistema em que os
investidores são extorquidos e obrigados a ceder gratuitamente acções a pessoas
influentes e poderosas como a única condição de poderem realizar os seus
investimentos. Oponho-me a tudo isso porque se trata de um sistema que pode criar
gente rica, mas não necessariamente riqueza para o desenvolvimento do país.
Oponho-me porque é um sistema que distorce o mercado e a economia.
Portanto, não é contra a riqueza dos
dirigentes da Frelimo que as pessoas estão revoltadas.
As pessoas estão revoltadas contra a
falta de clareza na maneira como os negócios são feitos neste país, criando uma
situação em que tudo quanto é negócio gravita em torno dos mesmos círculos
restritos. Elas estão revoltadas contra o sistema de exclusão nas oportunidades
a que estão sujeitos aqueles que não se suplicam à Frelimo. A revolta é contra
aqueles que são eleitos para dirigir o país, mas que se aproveitam do seu poder
para enriquecerem. E se as coisas continuarem como estão, será a geração dos
netos do General Chipande que irão pegar em armas e lutar para derrubar o
legado da geração dos seus avós. Dessa vez não a partir da localidade de Chai,
mas sim a partir do coração e dos efervescentes subúrbios da cidade de Maputo.
SAVANA – 14.08.2009
NOTA:
Ainda me admira que pessoas
que deveriam estar medianamente informadas, acreditem no “discurso formal” da
FRELIMO. E não me admira que tudo o que o Gen. Chipande agora disse, não seja
um pequeno aviso de que a FRELIMO tem que continuar a ser Governo. Custe o que
custar. Para ele, e outros, isso até foi um direito adquirido.
Aliás, já aqui escrevi,
Moçambique só mudará quando e depois da geração dos anos sessenta acabar:
moçambicanos e portugueses. Incluindo a minha pessoa.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE