Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
Não foi o habitualmente afável ministro
Oldemiro Balói que percebi através da televisão na noite de quarta-feira. O
ministro dos exteriores estava no aeroporto despedindo-se do presidente do Malawi,
Bingu Wa Mutharika depois de uma auto-imposta reclusão de 24 horas num quarto
de hotel em Maputo.
O que era esperado ser uma visita
triunfal ao país que lhe garante os acessos ao mar acabou num colossal fiasco.
Percebi a preocupação do ministro.
Mutharika, que antes de ser presidente
foi um funcionário internacional de razoável prestígio, mais uma vez, não
conseguiu dar a volta por cima a décadas de mal-entendidos entre os que
formalmente representam moçambicanos e malawianos.
Como disse Mutharika na Ponta Vermelha,
os macuas, lómués e yao são os mesmos dos dois lados da fronteira. Foi a régua
e esquadro dos poderes coloniais, mais os acidentes naturais que fizeram duas colónias
– Moçambique a Niassalândia – dois países depois.
E do lado de cá, na conversa de elites,
sempre se achou que Malawi podia ser província de Moçambique apesar de se
fabricarem hipotéticos sonhos expansionistas de um país que vive os dramas de
ser encravado e sem acesso ao mar. Apesar da enormidade do lago: Malawi ou
Niassa, de acordo com a
O primeiro presidente do Malawi era
pragmático e conservador. Dava-se com as autoridades coloniais portuguesas e
prendia os moçambicanos que sonhavam com a libertação. Depois, fazia que não
sabia da Renamo apesar das centenas de milhar de moçambicanos que procuraram
refúgio no Malawi. Refúgio de várias guerras, por serem Testemunhas de Jeová,
por não serem suficientemente revolucionários, por serem zambezianos. Por
fugirem da violência no seu próprio país.
O Malawi, no país macrocéfalo centrado em
Maputo, sempre foi distante, camponês e campónio, politicamente amigo dos
sul-africanos.
As simpatias e os recados sobraram sempre
para os ferroviários que conviveram e convivem com o Malawi oficial, mesmo nos
tempos mais complicados.
Com toda esta carga negativa, não tem
sido fácil aos governos pós-Banda – o ditador que apreciava tomar chá com Jorge
Jardim – ter uma relação normalizada com o lado de cá, representado pelo movimento
de libertação que agora é poder de Estado.
Todos se lembram da bravata belicista
ameaçando mísseis contra o Malawi em 1986. No nosso inconsciente, mesmo que não
se diga porque fica feio, do outro lado fica um país sobrepovoado, com falta
de terra arável e índices terríveis de
seropositivos. Um país de coitados.
Percebe-se a dificuldade de Wa Mutharika
em convencer os seus contrapartes de Maputo que o rio Zambeze pode ser
navegável, pode ser economia sólida, pode ser o sonho tornado realidade de um
acesso ao mar alternativo. De novo o nosso subconsciente nos diz que isso não
pode ser projecto de malawiano,
mas uma obscura máquina de interesses
ocultos que querem poluir os nossos rios, destruir a nossa biodiversidade e pôr
em causa destinos inquestionáveis.
O passado e os fantasmas parecem mais
fortes que a SADC da cooperação win-win que os políticos gostam de afivelar nos
seus discursos de ocasião. Encenar-se uma violação da “pátria amada” a pretexto
de uma bicicleta parece pouco edificante para um Estado que, no mesmo dia,
enchia os pulmões de orgulho por uma reconciliação a prazo, mesmo em frente à “pérola
do Índico”.
Wa Mutharika saiu de mãos a abanar mas
pôs o seu melhor semblante para explicar que ia em busca de explicações para o
seu irmão Guebuza.
Na melhor fraternidade africana.
SAVANA – 14.08.2009
NOTA:
Ainda haverá, quem como eu,
assistiu à triunfal viagem que o Dr. Hastings Banda fez à Ilha de Moçambique.
Resquícios desse tempo…
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE