Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
A África Austral e os seus líderes são uma complicação. Ao contrário do que dizem os arautos da bonomia, para quem a simples condição de africano é logo sinónimo de entendimento e harmonia.
Não sei muito bem onde se foram buscar esses conceitos idílicos num continente habitualmente povoado por conflitos sangrentos.
Nós mesmo escrevemos uma quota-parte dessa tragédia.
Confrontos à parte, esta semana Jacob Zuma rumou para Luanda na sua primeira visita oficial ao exterior.
Par quem se interessa por esses eventos, aqui está uma visita a seguir.
Ao contrário do que apregoam os tais cortesãos da concórdia cinzenta, o relacionamento da África do Sul democrática com a Angola do MPLA tem sido salpicado por inúmeros equívocos e incidentes. Das quezílias do campo Quatro, uma das principais bases de treino militar do ANC em Angola nos tempos da luta à teimosia de Nelson Mandela em impor Savimbi como parceiro de uma paz dividida em Angola.
O que estava mal com Mandela continuou com Mbeki.
Quinze anos depois, Zuma vai a Angola fazer o virar de página. Ele que tem alguns favores a agradecer a José Eduardo no recente calvário judicial a que foi sujeito. No seu próprio país.
E nesse encontro de elefantes, o capim em volta poderá não ter muitos motivos para celebrar.
Angola, embora conviva confortavelmente com o estatuto de potência africana e o estatuto de mecenas para com as forças políticas de vizinhança e de passado comum, faz disso plataforma para as suas ambições internacionais. Porém, nem sempre da melhor forma dada a proverbial arrogância dos seus quadros de Estado.
A África do Sul, no plano externo, diz quem digere os impactos de bílis, pouco mudou dos tempos da dominação de minoria. As empresas e os produtos sul-africanos, são a sua testa de ponte no continente. Por isso, hoje, os arrependidos do apartheid, lamentam que o país não se tenha libertado há mais tempo do estatuto de pária. Nos hotéis da Etiópia servem-se vinhos sul-africanos. Na Nigéria, uma das empresas multimédia do rand é líder de mercado. A telefonia móvel está por todo o lado, a televisão por cabo, paga por assinatura vai mesmo da Cidade do Cabo ao Cairo, como sonhou Cecil Rhodes no princípio do século passado. A fibra óptica substituiu no sonho o ferro carril.
Resumindo, o que as diplomacias austrais não envolvidas no banquete de Luanda deveriam estar a fazer, era traçar os cenários de uma convergência de interesses entre duas potências que têm no seu DNA – heresia das heresias – um grande potencial de dominação.
Mais modestos, mas não menos complicados, os representantes do Malawi saíram a semana passada de Maputo zangados com uma meia vitória. Que é também uma meia derrota.
Na região da SADC (Conferência para o Desenvolvimento da África Austral), mais um sinónimo de sintonia de interesses e cooperação, “os dois irmãos”, como gostam de se tratar os políticos africanos, não se entenderam mesmo na utilização do rio Zambeze como meio de transporte fluvial. Mesmo que haja um memorando que fala de entendimento e futuro.
Como estas coisas não podem ser ditas, nua e cruamente à populaça crédula, pelo meio lá se arranjou uma bicicleta e uma palhota de pau a pique queimada para alimentar bravatas de soberania nacional.
Como convém à auto-estima.
SAVANA – 21.08.2009