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Por: Viriato Caetano Dias, em Lisboa
A cultura é a charneira entre o passado e o presente. O futuro na Ilha de Moçambique ainda é infelizmente uma miragem.
A reflexão que se segue versa sobre a primeira capital do nosso país – Ilha de Moçambique, património mundial da humanidade por decisão da UNESCO desde 1991 – e é realmente uma das cidades mais monumentais, mais interessantes que há em Moçambique. A Ilha de Moçambique é mais antiga do que a nossa memória pode alcançar. Por isso, falar da sua génese é arriscar-se a um ataque desenfreado dos historiadores e da própria história. Em tanta antiguidade, disse Fernão Lopes, certidão haver não pode. Uma coisa, porém, é certa, sem o pessimismo não há sequer um ponto de partida para o diagnóstico que se pretende estudar. Deste modo, todas as hipóteses levantadas até agora sobre a génese da Ilha de Moçambique, quanto a mim, são válidas até que se prove em contrário. Entreos historiadores, ao invés de se discutir o cerne da questão que é o que mais realmente interessa ao povo (“porque o povo não quer saber como aconteceu, mas sim o que aconteceu”), quando o assunto é datas, confesso, lavo as minhas mãos, quão Pilatos!
É a pensar no futuro que me dou no direito de reivindicar os maus-tratos que o Governo presta à Ilha de Moçambique. Vai ser, talvez, pelo facto da Ilha não constituir a principal rota dos dolares (doadores) e do eleitorado para não merecer a devida atenção dos nossos governantes. É assim que acontece um pouco por todo o país: a preservação e conservação dos locais de interesses históricos nacional estão muitas das vezes dependentes de critérios eleitoralistas. Os exemplos estão à monte, Sofala, Tete, Manica e Zambézia, só para citar alguns, podem ver-se a olho nu e à luz do dia, patrimónios históricos em ruína, com excepção dos locais onde o partido Frelimo logrou os seus êxitos. A forte de Tete, que conheço razoavelmente bem, bem cuidado e conservado seria uma fonte segura de riqueza para a província e o país em geral. Contudo, ninguém se importa por ela, está entregue à maleficência do tempo, como se o tempo realmente consertasse edifícios.
A ideia que tenho, infelizmente, é a pura realidade dos factos, o Governo só vela pelas coisas públicas quando estás se encontram à beira do “tsunami”. Para o Governo, só há perigo quando as consequências resultarem em vítimas humanas. É que quando os infortúnios acontecem é caso para alguns responsáveis das coisas públicas no país esfregarem as mãos de alegria, como se de uma benção se tratasse. Certos governantes rezam para que o azar bata à porta do seu ministério, depertamento, sector, enfim, para em seguida fazer o que toda a gente vê: rolar para nunca consertar uma série de despesas e comissões à custa de um orçamento já débil. Em alguns sectores do Estado a incompentência chega a ser sinónimo de “arte” e vale uma promoção nos serviços. A Ilha de Moçambique é um exemplo nítido de quem devia velar por ela, talvez o ministério de tutela, ou outro qualquer, mas, infelizmente ninguém olha para o perigo em que se encontra.
Não é para admirar, por conseguinte, que os patrimónios históricos nacional construídos na víscera da colonização mas também no esplendor da nossa moçambicanidade, como por exemplos, os edifícios, as bibliotecas, as fortes, as muralhas, as fortalezas, a dança, as lendas, a etonografia estão a cair de podre. A marginalização desses patrimónios deve-se a dois factores, por um lado o desconhecimento total da sua real importância (a maioria dos nossos “chefes” não conhecem a história do país, não sabem, por exemplo, que uma das principais fontes de riqueza na Europa são os monumentos históricos nacionais, por outro lado, as questões de índole política continuam a dominar o pano de fundo na promoção cultural. O “Nhau”, o “Mapiko”, a “Sarna”, e outros traços culturais que o país orgulha ter, continuam a ser marginalizados por serem traços culturais oriundos de uma determinada região do país e são, curiosamente, avaliadas em função do agrado do Sistema.
Aqui está mais uma prova de que o improviso é a mãe do insucesso. Como pode este Governo anexar a pasta da Cultura no Ministério de Educação? Por mim, sempre defendi a separação destas duas áreas. A Educação deve servir a Cultura e não dirigi-la. A Educação deve encarregar-se de dar uma boa educação aos moçambicanos, não permitindo que o sistema actual de educação produza desigualdades de geração para geração, mas sim para promover o desenvolvimento do país e a paz. A Cultura, por seu turno, deve continuar a dar vida a própria vida, isto é, ao país, através da arte, da dança, dos cânticos, afinal mais não somos do que um povo com cultura! Socorrendo-me do Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Engº António Gueterres, diria que “a melhor vacina contra a guerra está na cultura e na arte.”
Voltando aos eixos, reconheço os esforços que algumas organizações nacional e estrangeiras, associações ou grupos de pessoas, anónimos e singulares, que de boa vontade, à troco do nada, estão de mãos dadas para tentar resgatar a Ilha de Moçambique dos escombros, um esforço que não tem conseguido lograr êxitos. É sem sombra de dúvida um esforço que atenua a dor da população da Ilha, mas torna-se um passo no escuro na medida em que o Governo NADA faz para salvar a Ilha. Nada, mas absolutamente nada pode salvar a Ilha da destruição, assim como todos os patrimónios nacional em decadência, sem que haja um esforço conjunto de todos: o Governo, agentes económicos, ONGs, populares, anónimos, pessoas singulares, TODOS.
E os avisos não param. Desta vez coube ao jornalista Pedro Nacuo, dizer o seguinte: “A Ilha de Moçambique continua a não se aguentar, com a sua coluna vertebral sempre a curvar em direcção à sua queda de velhice. Tanto se diz mas não parece que haja algo concreto para adiar a morte natural da primeira capital do nosso País. (Fonte: Jornal Notícias, 12 de Setembro de 2009).
Aquele museu a céu aberto que levou a UNESCO a considerar património mundial da humanidade e com justa causa, SEM cunha nem extrabismos políticos – que certos patrimónios mundiais se atrelaram e ainda atrelam para constar na lista desta organização – a Ilha de Moçambique é, porém, uma excepção. Contrariamente ao que muita gente pensa, a beleza de uma terra não está tão-somente nos edifícios ou na grandeza territorial desta, mas sim no valor do seu povo. Parafraseando o professor José Hermano Saiva, diria que: “a grandeza de um país não reside apenas naquilo que se produz (arroz, milho, feijão, mandioca, etc.), mas na generosidade do seu povo.” E o povo da Ilha de Moçambique é generoso por sinal.
Preocupa-me o facto da Ilha de Moçambique não possuir até hoje tecnologias de ponta, vias de acesso em condições de e para o interior, hotéis, sanitários públicos (para reduzir o fecalismo a céu aberto, e há quem diga que o fecalismo a céu aberto é um qualificador de desenvolvimento do futuro melhor, porque o “animal” que somos, só defeca porque come), construção da segunda ponte (moderno) ligando a parte insular da continental, abertura de casas de pasto, de música, de artesanato, tudo que a segunda capital possui (Maputo), ainda que seja impossível dizer tudo. Mas também preocupa-me a falta de uma universidade na Ilha de Moçambique, para permitir que o seu povo desenvolva a ciência e ajude as cidades e vilas circunvizinhas a crescer. Numa altura em que toda a madeira nacional é enviada para China, quando as nossas crianças não têm onde sentar-se! Muitas saudades da Ilha de Moçambique, mas eu prometo lá voltar…
O AUTARCA – 28.09.2009