Há uns tempos atrás, tive a oportunidade de estar em conversa com um político cabo-verdiano, eis que durante a conversa abordamos várias questões das quais uma delas foi o caso de sobrevivência e logística dos cabo-verdianos em SãoTomé e Príncipe, alguns desde 1947 devido a seca que assolou aquele país e outros seus descendentes já naturais de SãoTomé e Príncipe.
Em meados de 1972/73 ainda muito jovem de tenra idade, conheci pessoalmente filhos de cabo-verdianos, os meus ex-colegas “Escola Preparatória Pedro Álvares Cabral” que a mim me mostraram pessoalmente uns símbolos situados nas suas zonas íntimas, propriamente nas nádegas, tipo carimbo cravado a ferro quente que os identificavam como sendo pertença de patrão tal da roça tal, como se de um animal “besta” se tratasse, aliás pertença de um dono! Como podem constatar, quão era a crueldade dos portugueses de então!
Porém, em 1975, SãoTomé e Príncipe elevou-se a um país independente e soberano, abolindo a segregação provincial portuguesa “Ínem Gabón” alargando assim a são-tomensidade a todos os naturais da Ilha, passando os não naturais a serem tratados com respeito e dignidade que é universal a todos os homens.
Todavia, em 1976 após uns meses da Independência aventuro para estrangeiro tendo-me excluído da visão prática desta igualdade implantada pelos senhores da independência, embora, por alto, tenho constatado que realmente esta igualdade funcionou em pleno!
Em 1979 regresso ao país para cumprir a vida militar, pois o meu maior sonho era servir o país que me viu nascer, pois isto não aconteceu, tendo-me optado por seguir os meus estudos no estrangeiro uma vez que no país começou-se a sentir a maior presença de um regime totalitário, prepotente e intimidatório para o povo e as condições infra-humanas encontradas, forçou o meu protesto para um exilo às terras lusas até hoje!
Em 1991 de regresso à terra natal, visitei algumas roças de SãoTomé onde constatei in loco as condições em que viviam mulheres, homens e crianças “cabo-verdianos” naquelas roças, até soltei lágrimas para não dizer que o meu coração ficou altamente amachucado com o que vi!
Roça Água Izé:
Aqui neste local, os cabo-verdianos ainda viviam em sanzalas (Barracões horizontais com coberturas inclinadas em uma só água), subdivididos em compartimentos transversais de um só salão com paredes de separação a meia altura, com uma área útil de
10 a
12 metros
quadrados
sem privacidade para ambos casais, para além da falta da privacidade entre os pais e os filhos, ausência de casas de banho, latrina ou algo parecido, filhos dormindo no chão da casa em trapos ou palhas improvisadas, moscas por tudo quanto é canto, criação de galinhas, porcos e patos por de baixo desta casa… enfim… tudo que era impensável existir nestas ditas roças nacionalizadas!
No momento em que visitava essas roças, muitos partidos estavam em campanha oferecendo melhores condições para todos em troca dos seus votos! Na altura não era nada caricato; todos queriam a todo custo tirar do poder o regime totalitário e substituí-lo por um dito mais democrático e justo, mas enfim mais tirano, desorganizado e
indisciplinado, insensato aos problemas do outro, egocêntrico desmesurado, desrespeitadores da lei e saqueadores descarados dos bens públicos.
Roça Monte Café:
Encontrei-me com alguns cabo-verdianos e não só, vivendo em condições idênticas das da roça Água-Izé. Porém, avistei-me com um mais velho angolano de nome Cangolo que me indicou a sua casa, mostrou-me o local onde dormia, só não deitei lágrimas porque se o fizesse o poria também a chorar!
Caro Leitor: Este homem vivia em autêntica pocilga, pois a sua cama era um improvisado de tábuas de madeira “ Pau caixão”, somente uma manta “ Papa”, dormindo por cima das tábuas! A porta de entrada era toda ela torta e estorcida com fechadura em aloqueto (recordação do antigo feitor português). A sua reforma dada pelos tiranos da Independência, nem dava para comprar uma razoável garrafa de vinho a martelo português!
Apenas estas duas roças para não mencionar, Claudino faro, Bernardo faro, Mato Cana, Santa Catarina, Pontafigo, Lembá e outras com condições desumanas.
Porém, se hoje se debate com vários problemas que estão surgindo ao de cima, tais como: Desvio de 8.000.000.000.000 (oito bilhões de Dobras), 5.000.000 (cinco milhões de Dólares da STP. Trading), problema dos Búfalos, o problema do óleo oferecido à SãoTomé que caiu no esquecimento, etc.… então chegou a hora para SãoTomé e Príncipe deixar de joguinhos de empurra com o governo português em relação ao problema dos cabo-verdianos em SãoTomé e Príncipe!
Responsabilidades do Governo de STP e de Portugal
Por isso, meus amigos, cabe ao Governo de SãoTomé e Príncipe e ao Governo português negociarem as responsabilidades que cabem a cada um no sentido de adquirir meios materiais e financeiros para destruírem as infra-estruturas logísticas deixadas pelos portugueses nas roças de SãoTomé e Príncipe e construir novas infra-estruturas dignas de ser humano, com casas de banho, cozinhas, quartos privados e outros
apetrechos que compensem anos de desumanismo em que viveram e vivem os cabo-verdianos e não só, para o realojamento destas mulheres, homens e seus filhos dignificando assim o bom nome de SãoTomé e Príncipe e do seu povo, privilegiando acima de tudo as boas relações existentes entre os dois povos.
Par isso, deve-se tomar atitudes e quem deve dar o 1º passo é SãoTomé e Príncipe no sentido de chamar atenção do governo português e, se for o caso, junto ao tribunal internacional sem descartar a sua cota responsabilidade sobre a matéria porque a degradação social, política e histórica deste país é da responsabilidade dos actuais tiranos do povo.
Por outro lado, apelo aos nossos juristas, para junto ao governo resolver este problema que tanto aflige os cabo-verdianos como choca os são-tomenses e insensata Portugal como responsável primário da situação.
Como é óbvio, não é possível o governo de Cabo Verde resolver este assunto porque a maior parte dos cabo-verdianos existentes em SãoTomé e Príncipe, são apenas de origem cabo-verdiana e cidadãos são-tomenses de nascença, pelo que muitos, mesmo aqueles que eram antigos contratados não têm a vontade de regressar devido a sua adaptação não ser muito fácil!
Ao governo são-tomense cabe alertar a classe política para adoptarem uma solução política de maior aproximação à Cabo-Verde, tentando por todos os meios resolver esta questão que não só tem afectado os cabo-verdianos, como tem estado a criar um clima de mal-estar entre os são-tomenses e cabo-verdianos na diáspora!
Se não for assim, há um ditado que se diz: dividir para reinar; pois os portugueses criaram e deixaram esta lacuna e hoje quem está levando a melhor são os portugueses e a nossa relação social com os cabo-verdianos estão se deteriorando cada vez que a rádio e a televisão mostram e falam sobre a situação dos cabo-verdianos em SãoTomé e Príncipe!
Por isso, com perseverança e convicção, o governo de SãoTomé e Príncipe deve buscar junto ao Governo português soluções para o caso, evitando por todos os meios que a nossa convivência com os cabo-verdianos não se deteriore ao ponto de sermos apontados como autores dos maus tratos aos cabo-verdianos!
Porque sei que tudo farão para resolução do caso, a nossa opinião tem vos sensibilizado; prendam quem prender, prenderão quem a de ser preso, porque só assim esse país que é meu, nosso e vosso conhecerá dias melhores e que o caminho das luzes o alumiará, e lhe tirará das trevas.
Lisboa 02 de Setembro de 2009
Humberto Santos
In O Parvo 17/09/2009 http://www.cstome.net/oparvo/Boa%20estão.htm