Vida e obra de Salimo Abdula, PCA da Vodacom Moçambique
- “A minha amizade com Armando Guebuza, assim como a nossa relação empresarial, é desde antes de ele ser PR e nunca usei isso para meu benefício pessoal”, conta o empresário
Por Armando Nenane
Em tempos, o homem que hoje atingiu o estatuto de alta celebridade através do seu sucesso no mundo empresarial, também foi um jovem que tinha sonhos de um dia poder ser alguém na vida. Sonhando ainda em poder crescer cada vez mais, aos 46 anos, o empresário Salimo Abdula é hoje um “homem rico”, mas, como ele mesmo diz com a modéstia que lhe é peculiar, “rico de espírito”.
Em entrevista exclusiva ao SAVANA, Abdula conta a sua história de vida, uma vida que ele mesmo descreve como sendo a de um homem humilde, batalhador e com ambição de chegar longe, tendo sempre em mente que o sucesso de um homem também é acompanhado de uma série de percepções que se geram à sua volta.
Depois de um encontro ao acaso, na cidade de Quelimane, província da Zambézia, sua terra natal, envolvemo-nos numa série de contactos para vermos se conseguiamos uma entrevista de personalidade com aquele dirigente empresarial. Mesmo assim, não foi fácil convencê-lo a aceitar. “Pode não ser oportuno”, justificou-se, antes de aceitar a entrevista.
Salimo Abdula tem uma história de vida muito particular. “Espero que a entrevista seja só sobre mim”, avisou-nos ao começar, pedindo que evitássemos no máximo falar de outras pessoas que fazem parte do seu círculo de relações familiares, profissionais, entre outras. Facto incontornável é que Salimo Abdula é amigo do Presidente da República, Armando Guebuza, assim como os dois são sócios em negócios, uma situação que ele mesmo considera não ser de fácil gestão por causa das percepções que as pessoas criam, mormente nas discussões que se levantam sobre a questão da separação entre o poder político e o mundo dos negócios.
Mas antes de avançarmos por aí, ainda que por mera curiosidade jornalística, perguntámos a Salimo Abdula sobre o seu passado, como foi que ele cresceu. Como foi nos contando, com um ar algo nostálgico e a apreciar o rio dos “Bons Sinais” através daquela vista excepcional que o “Hotel Chuabo” propicia, Abdula entrou muito cedo no mundo dos negócios, do mesmo jeito que desde muito cedo começou a granjear simpatias no domínio do associativismo, tanto na Ilha de Moçambique, em 1977, como Nampula, em 1978, onde também passou uma parte da sua adolescência. Depois regressou para a Zambézia, sua terra natal.
Salimo Abdula: o basquetebolista
Hoje presidente da Confederação das Associações Económicas, uma organização nacional que congrega associações económicas de vários ramos de actividade, Abdula lembra que este seu lado de dirigente associativo começou aos 17 anos, quando dirigiu a associação de básquete da província da Zambézia.
“Joguei muito o basquetebol. Primeiro joguei na Associação Africana da Zambézia e depois no Benfica de Quelimane. Foi assim que comecei a desenvolver a cultura do associativismo, tendo aprendido que as pessoas juntas são sempre capazes de fazer muito mais por elas próprias”, contou.
Nessa altura, enquanto estudante e jogador de basquete, já fazia part time no bar do “Cinema Águia” para sustentar os estudos. Vivia com um irmão mais velho e tinham que ser os dois a garantir o próprio sustento. Neste período, o seu pai estava a trabalhar na Ilha de Moçambique, como gerente do “Cinema Nina”.
Nos princípios de 1980, Abdula deixou a província da Zambézia, tendo ido continuar com os estudos na cidade da Beira, mais concretamente na Escola Comercial e Industrial de Sofala. Para sustentar a sua formação, trabalhava em part time para uma empresa denominada “A Iluminante”, onde começou a ganhar alguma experiência profissional ainda muito jovem.
Depois quis prosseguir ainda mais com os estudos. Como nos contou, conseguiu arranjar uma boleia a bordo de um “Antonov”, um avião militar de fabrico russo, tendo vindo para a cidade de Maputo, onde era possível prosseguir com a formação superior. Ingressou no Curso de Informática, leccionando em conjunto pelo Instituto Comercial de Maputo e pela Faculdade de Matemática da Universidade Eduardo Mondlane.
O génese do empresário
Nos anos seguintes, diz ter recebido a informação de que a empresa onde tinha prestado a sua colaboração na Beira, “A Iluminante”, havia sido abandonada pelo proprietário e pelo gerente, tendo, este, deixado uma procuração para três pessoas, entre as quais ele mesmo. A empresa estava em estado de abandono, com os salários atrasados e dívidas. Alguns funcionários o contactaram, visto que os outros dois procuradores não tiveram, como contou ele, a “ousadia” e “coragem” de pegar no negócio e assumir as responsabilidades. Foi assim que, novamente na cidade da Beira, conversou com os cerca de 70 trabalhadores sobre o facto de a empresa estar numa situação difícil e que era necessário que houvesse um trabalho conjunto para recuperá-la, sobretudo porque a empresa estava altamente endividada.
“O pior é que o Estado ia intervencionar a empresa e levá-la para hasta pública. Felizmente, no último minuto, fiz uma proposta ao Estado, de 400 meticais, que era o valor que eu tinha nas minhas poupanças, assumindo todos os encargos, responsabilidades e dívidas que a empresa tinha perante a banca, os trabalhadores e clientes”, contou o nosso entrevistado.
Em dois anos, Salimo Abdula e os cerca de 70 trabalhadores conseguiram tirar a empresa da difícil situação em que se encontrava. Foi assim que deu um passo que acabou marcando significativamente a sua história de gestor empresarial, uma história feita de sonhos de alcançar patamares cada vez mais ousados.
Da Beira para Maputo
Depois seguiu-se uma outra fase da sua vida, uma fase já caracterizada pela ambição. Foi quando teve que vir residir
Neste percurso, o empresário teve a visão de investir numa indústria de produção de cabos eléctricos. Primeiro, vendeu parte das acções da “A Iluminante”. Em 1990, criou a “Electro Sul”, que é a sua empresa pessoal. Eis que, em 1996, participou num concurso público de privatização da Fadil, E.E, uma empresa que ia a concurso público pela terceira vez sem que houvesse interessados.
“Através da “Intelec”, apareci eu como único concorrente, tendo ganho e pago o valor na íntegra, assumindo toda a força de trabalho”, narra. Foi assim que nasceu a “Aberdare Intelec Limitada”, uma indústria de cabos eléctricos, enquanto que na outra parte do edifício, pôs-se a funcionar uma outra indústria, designadamente a “Intelec Limitada, Indústria de Metalomecânica e Materias Eléctricos”, hoje transformada em “Intelec Lites”.
Hoje, o grupo tem várias empresas, a destacar a Electro Sul, Intelec Holdings, Intelec Lites, Electrotec, Aberdare Intelec, mas também participa como accionista em vários empreendimentos, como o caso da Vodacom. Tem pequenas participações em várias empresas.
“A riqueza material e humana devem andar juntas”
Tendo em conta o facto de estar na moda o discurso segundo o qual o combate à pobreza passa necessariamente pela geração de riqueza, quisemos saber se Salimo Abdula se considerava um homem rico, ou, pelo menos, quase rico. É uma pergunta difícil, respondeu ele, desdobrando-a, depois, assim: “Rico em que sentido? O que eu penso é que a riqueza pode ser material, mas também pode ser humana, moral, espiritual e por ai fora. Uma pessoa pode ser rica materialmente, mas ser pobre humanamente, de espírito. Ou acontecer o contrário: ou seja, ser rico de espírito, mas pobre materialmente, não ter onde cair morto, como se diz. Penso que o ideal é que possa haver equilíbrio entre as duas vertentes da riqueza. A riqueza pode também estar na imagem que se pode ter na sociedade, em termos de prestígio social”.
Indo mais a fundo na questão, ele disse que poder ir à cama de cabeça tranquila, sabendo que se tem uma “vida sustentável” sem que se tenha passado por cima da desgraça de alguém, já é uma “enorme satisfação”.
“Obviamente que não sou ganancioso. A ganância é um atributo perigoso e doentio num ser humano. Ao passo que a ambição é uma qualidade dos vencedores. Acho que qualquer ser humano deve ser ambicioso”, disse.
Para o empresário, a sociedade está dividida em grupos distintos: “Há os derrotados por natureza, os do tipo tanto faz ou deixa andar e há os vencedores na vida. Líder, cada um de nós é onde está, na sua casa, no seu posto de trabalho. No comboio da vida, a maior parte das pessoas quer ir na boleia, poucos querem conduzí-lo. É muito fácil estar parado e dizer que aquilo não está bem, mas nada fazer para mudar. É natural”, adiantou.
Por outro lado, acrescentou que ao longo da sua vida sempre se guiou por princípios éticos e morais. No domínio empresarial, como disse ele, sempre defendeu o espírito de boa governação. Lembrou-se, aqui, de ter participado na crição da “Ética Moçambique”, junto com outras personalidades que também defendem os mesmos princípios de ética e boa governação, mas lamentou que o projecto não tenha sido auto-sustentável. “Ninguém vive bem sozinho. É preciso que a sociedade que o rodeia também esteja bem”, disse.
“Amizade com Guebuza gera falsas percepções”
Para além de dirigir a CTA, onde substituiu Egas Mussanhane, o nosso entrevistado é tido como sendo um “super-PCA”, por dirigir várias empresas. Como PCA da empresa de telefonia móvel “Vodacom Moçambique”, Salimo Abula tem uma visibilidade ainda maior, uma situação que o coloca sob um maior escrutínio público, tal como acontece com outras personalidades que atingem o mesmo estatuto.
Mas aqui a história ganha maior interesse pelo facto de ser já um assunto recorrente nos debates a parte de ter entrado para a “Vodacom Moçambique” através da “Intelec Holding”, uma empresa da qual é sócio com o actual Presidente da República, Armando Guebuza, entre outros accionistas. E é aqui onde os defensores da separação entre o poder político e o mundo dos negócios encontram um alvo, apontando Salimo Abdula como um “ponta de lança” dos negócios de Guebuza, sem que sempre se perceba muito bem onde está a linha divisória entre o poder político e o negócio.
Sobre este aspecto particular, começou por explicar que a “Intelec Holding” existe desde muito antes de um dos seus accionistas ser Presidente da República.
“Tem mais de 12 anos de existência, gerou mais de dois mil postos de trabalho. É uma empresa auditada e transparente, sendo que o princípio é nunca nos envolvermos em negócios não transparentes ou ilícitos, mas sim contribuir com a visão que sempre tive. E um dos grandes prazeres que tenho não é a riqueza material, mas o contributo social com as minhas empresas, gerando cada vez mais postos de trabalho”, disse.
Mesmo assim, insistiu que as percepções que se desenvolvem ao nível da crítica não correspondem a factos concretos.
“São meras percepções. Penso que os juizos não se fazem em função das percepções. Não acho que hajam factos que me possam ser apontados, onde eu que possa ter agido em prejuízo de alguém, pelo menos conscientemente”, ajuntou.
Referiu, por outro lado, que a “Vodacom Moçambique” faz parte da multinacional Vodacom, uma organização que se guia através de uma série de princípios éticos e de boa governação extremamente rígidos.
“A Intelec Holding, por exemplo, passou por uma série de auditorias enviadas para averiguar se não haveria matérias menos claras que impedissem a admissão como accionista no grupo da Vodacom International”, referiu, acrescentando que nunca se envolveu em cenas de corrupção, nepotismo ou tráfico de influências por saber que na sua carreira nunca pode deixar “rabos de palha” que o possam vir a prejudicar mais tarde.
SAVANA – 23.10.2009