por SÍLVIA FRECHES
O futebol português está a descobrir África. Não como potência de talentos, mas como destino apetecível de alguns empresários para conseguirem, de forma mais rápida e aparentemente mais barata, o licenciamento de agente FIFA, actividade que permite intermediar transferências de jogadores.
Nos últimos três anos cresceu de forma acentuada a contabilidade dos portugueses que realizaram o exame em países africanos, depois de terem chumbado (alguns mais do que uma vez) no teste ministrado pela Federação Portuguesa (FPF). São já 13 os agentes com "licenciamento africano" cujos nomes constam na listagem da FIFA.
Uma situação que, sendo legal, está a provocar críticas e algum incomodo à FPF, à Associação Nacional de Agentes de Futebol (ANAF) e a muitos empresários, que em Portugal pagam 6300 euros pelo processo. Por exemplo, na Guiné Bissau, um dos países mais procurados, os custos oficiais do processo rondam os 600 euros. Aliás, Portugal é um dos países onde o licenciamento tem os encargos mais elevados. No Brasil o processo custa 2500, em Espanha é praticamente o mesmo, apesar dos candidatos pagarem perto de 1700 euros por quatro dias de formação antes do exame e uma quotização anual para pertencerem a uma comissão (organismo da Real Federação) que regula a actividade. Em Itália 1000 euros chegam para tirar a licença.
Na lista que figura na FIFA, constam cinco agentes portugueses licenciados na Guiné Bissau. Em São Tomé e Príncipe só há licenciados portugueses (3). O mesmo acontece em Cabo Verde, que credenciou dois. Nos Camarões e Burkina Faso existe um.
Vivem estes agentes portugueses nesses países? Pelo menos, a lei assim o manda. Mas há quem questione a situação. É que um dos requisitos para se fazer o exame é ter um certificado de residência, passado pelos serviços da administração interna, a comprovar que o candidato vive no país há pelo menos dois anos.
Em comum estes empresários têm o facto de terem tentado tirar a licença via FPF, mas sem êxito. E de terem conseguido passar no primeiro exame nos destinos procurados. Mais fácil? Essa não será a razão certamente, uma vez que 75% das perguntas do teste são elaboradas pela FIFA e são iguais para todo o mundo. O restante, que corresponde a cinco perguntas , é da responsabilidade de cada federação e diz respeito a regulamentação dos próprios países. Conhecerão os portugueses melhor a legislação desportiva do Burkina Faso do que a de Portugal?
Desde que a FIFA delegou nas federações filiadas a responsabilidade de credenciação dos empresários, em 2000/01, a FPF tem uma das médias de sucesso mais baixas (20 a 30%) da Europa. Houve mesmo um período de dois anos (2006 a 2008) sem que nenhum candidato tenha conseguido passar no exame. No último, em Setembro, dos 13 inscritos só três passaram.
O recurso a federações de países onde o futebol não tem projecção mundial e a estrutura organizativa é muito precária tem levantado algumas questões de ordem ética. "É uma competição desigual, que causa grande prejuízo em Portugal. Como é que há portugueses que vão à Guiné tirar licença quando se pode fazer isso no seu próprio país?", pergunta o presidente da ANAF, Artur Fernandes.
"Uma questão de preço", afirmam alguns empresários que recorreram a África. De facto, é abismal a diferença de preços praticado pela FPF comparativamente às federações dos países africanos, onde 600 euros bastam para ter o certificado. Porém, neste valor não estão contabilizadas outras despesas fora do âmbito do processo, como viagens, estadias, entre outros gastos, dos quais ninguém quer falar publicamente, mas que parecem ser essenciais para se conseguir a desejada licença.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS(Lisboa) – 25.10.2009