O Centenário da República
exigia Saramago
António Justo
Os ideais sociais e
republicanos parecem só se poderem afirmar numa relação social de dois grupos
antagónicos: Caim e Abel. Saramago, um apologista da velha física mecanicista e
materialista deita mão da sua ignota sebenta sobre o Velho Testamento para
afoguear o ânimo dos portugueses e reavivar os velhos ressentimentos
republicanos e materialistas, cada vez mais presentes numa sociedade decadente.
Esta polémica em torno de Caim, no centenário da república portuguesa,
procura dar continuidade a um republicanismo barato e atrevido que vive de
forma discreta e parasitária num Estado em estado de graça e de sonho.
Saramago, fez, como os bons
promotores de vendas fazem. Dias antes do seu livro “Caim” aparecer nos balcões
de venda, o negociante da opinião presta uma série de declarações provocantes
aos Media para chamar as atenções para si e motivar os correligionários e
curiosos à compra do livro. A polémica ajuda o negócio. A arte cada vez se
reduz mais ao escândalo. A opinião publicada em torno de Nobel camarada, revela
um país assombrado, como se tratasse dum galinheiro de galinhas de olhar fixo
na crista vermelha do galo que brilha no poleiro da sua importância. Os
negociantes da cultura e os traficantes das ideologias e do poder sabem bem que
os ingredientes que melhor servem os seus interesses cínicos e logo atraem as
atenções do galinheiro são: religião, sexo e dinheiro. Saramagos parecem
dar-se bem nos baixios da nação. Por isso persistimos em viver na mediocridade
do medo, do recalque, da inveja e do sonho.
Os jornalistas, por avidez de escândalo que lhes simplifica o trabalho ou por razões ideológicas, aproveitaram a deixa para o seu negócio, moendo e remoendo continuamente a mesmo assunto. Saramago com uma machadada consegue encher os bolsos e ao mesmo tempo fazer a maior propaganda contra a Igreja Católica como se a Bíblia só fosse propriedade dos católicos e estes só conhecessem a leitura literal da mesma. Como numa acção concertada, nos Media ouvia-se continuamente falar do cândido Saramago e da inocência de Caim como se tivesse sido a Igreja Católica a matar Abel.
Saramago banaliza o Nobel
e banaliza a Bíblia. À maneira de Pilatos lava as suas mãos nas águas turbas da
ignorância e do oportunismo. Terapia os seus medos inconscientes atacando.
O artista quer dizer aos
cristãos que “Deus fez o mundo em seis dias, porque ao sétimo descansou”,
quando os cristãos sabem que aqui se trata não de dias de 24 horas mas de
épocas da evolução, muito embora de cariz antropológico onde se apresenta o
processo do desenvolvimento do primitivo para o mais desenvolvido, a nível
biológico, moral e existencial.
Na sua interpretação
interesseira, Saramago até sabe que “Caim matou o irmão porque não podia matar
Deus”. E na sua inocência primitiva o escritor afirma o seu dogma revelador da
sua lógica: “Um Deus que não existe, nunca ninguém o viu.” O que é estranho é
que Deus e o Catolicismo parecem ser o bombo da sua festa e do seu negócio!
Saramago faz uma leitura
ingénua e tendenciosa da Bíblia. Fala como um iletrado. Para justificar a sua
fé ateia joga com a não informação das pessoas e com interesses baixos de
desacreditação e com uma mentalidade ávida do insólito. Estamos perante um
caso de desinformação para que o povo desça à praça das ideologias e se sirva
de ânimo leve nas bolsas dos dogmas da opinião.
O azedume de Saramago, ao
afirmar que “sem a Bíblia seríamos outras pessoas. Provavelmente melhores”,
luta contra o seu fantasma do medo, falando mal dos outros para melhor poder
branquear-se e branquear os seus patronos marxistas. O que ele parece
desconhecer é que o socialismo, a fé que professa, é um produto da Bíblia, um
filho da tradição judaico – cristã.
O maior documento da
história humana é categorizado por Saramago como um “manual de maus costumes,
um catálogo de crueldade e da pior da natureza humana”. Saramago querer
desconhecer a Bíblia na abordagem que ela faz do Homem e do seu
desenvolvimento, no que ele tem de positivo e negativo. O autor julga sai-se
melhor apostando num Deus que quer “cruel, invejoso e insuportável.” A guerra
contra Deus serve-o a ele e à sua desilusão ideológica.
Saramago procura espantar
o medo que tem
Porque combate tanto o que
para ele não existe? Isto torna-o suspeito. A velhice parece aproximar muita
gente da religião pela positiva e pela negativa! Psicologicamente poder-se-ia
dizer que nele há qualquer recalque ou medo do depois da morte! Quando alguém
combate algo tão veementemente a nível externo quer dizer que isso não o deixa
em paz a nível interno. É uma luta substituta. Como um crente se sente na
necessidade de combater as próprias dúvidas (inconscientes) um ateu também tem
as suas dúvidas (inconscientes) sobre o ateísmo que professa e tem de combater
externamente. No inconsciente e nos medos reside as raízes de fanatismos mais
ou menos explícitos; sejam eles religiosos ou ideológicos. Segundo Freud
combate-se fora o que não se quer ver e reconhecer em si próprio, quer dizer, o
que é inconsciente. Nos fundilhos psicológicos das suas calças, Saramago luta
contra o seu medo. Nele se catalizam também muitos medos de seus defensores e
atacantes.
A Bíblia possibilita a
descoberta da imagem do Homem onde este pode descobrir as suas pegadas,
encontrando aí testemunhado o seu desenvolvimento ao longo dos tempos, desde o
seu estado mais primitivo ao mais desenvolvido. No seu falar de Deus e do Homem
revela-se uma História comum.
A Bíblia não é um livro mas
um conjunto de 27 livros em que se encontram cristalizadas as mais diferentes
disciplinas: Religião, Filosofia, História, Literatura, Sociologia,
Antropologia, Psicologia, Artes bélicas, Física, etc. A Bíblia é a
radiografia do Homem e das sociedades. É um tesouro em antropologias e sociologias.
Nela se encontra a tentativa de descrição do alvorecer da criação, do início da
evolução em sete épocas (dias), do desenvolvimento do Homem até ao ser do Homem
divino, o resumo e fim de toda a criação, onde Jesus Cristo é apresentado como
Homem no fim da sua evolução.
Com a queda de Adão a
essência do mal e do pecado não se encontram cabalmente explicadas. A história
de Caim e de Abel além de mostrar a complexidade da convivência de duas
culturas diferentes (tal como no caso de Esaú e Jacob onde se documentam a
evolução da sociedade na concorrência entre a antiga sociedade nómada
pastorícia e a nova sociedade sedentária agrária) é mais um contributo para a
compreensão do mal e do Homem. O mal cometido tem uma alcance de
responsabilidade que além da intenção transcende o acto.
As diferentes interpretações
permitem a continuidade na descoberta de algo comum essencial a todo o Homem.
O ser humano permanece
sempre igual a si mesmo independentemente de ser religioso ou ateu.
Estou certo que se o senhor
Saramago tivesse estado atento na escola à aprendizagem dos meios de
interpretação de “Os Lusíadas” do nosso Camões, não poderia fazer uma leitura
tão ingénua e tendenciosa da Bíblia. O problema é que a leitura da epopeia do
nosso maior escritor português que é Camões também não interessa à sua
ideologia.
Quando descobrirmos Caim e
Abel em nós mesmos, então estaremos mais lúcidos para entender a Bíblia e
deixar de combater fora o que está dentro de nós. Caim e Abel, tal como Adão
e Eva, são duas partes complementares da mesma realidade: o Homem.
© António da Cunha Duarte
Justo